Há dias em que a realidade brota e pulsa feito sangue
jorrando de existências lúgubres que se parecem com moldes desenhados conforme
o talhe do bom-mocismo!
Olho para as ceias preparadas tão dentro das farofas prontas
e pergunto para as cerejas (as vermelhas cerejas!): que fazem aí numa hora
dessas? Olho para as galinhas e os perus, naquela provocadora posição de bunda
para cima, e penso: que desastre numa hora dessas... tenho que comê-los sem
pronunciar qualquer asneira que possa ofender os que simplesmente os comem sem
pensar em seus rabos!
Há dias em que a vida acumula em suas dobras, o sebo
fedorento de existências vãs!
Há dias em que fico empapuçada com aqueles que fazem mil
floreios para enunciar discursos de “respeito às diferenças”, mas que acreditam
que conviver em diversidade signifique “respeitar” aquele que não conseguiu
sair conforme aos moldes calcados pelo ideário dominante (e aí fica difícil,
também, “respeitar” gentes com pensamentos que beiram à estupidez!)!
Há dias em que perco o sono por causa do vento que insiste
em combater o calor que tenta me devorar!
Há dias em que perco o sono quando vejo a imensidão dos
movimentos que faço na vida e no quanto isso se faz importante também para a
vida das outras pessoas!
Perco o sono, também, em dias em que a minha dignidade é
aviltada! Começo a usar pontos de exclamação e não paro mais!
Sentada em meio aos livros que me transitam, olho nos olhos
da vida que circula por aqui e entro em reticências... lembro do tempo em que
não sabia o que fazer com o fato de “gostar de mulher”, porque isso estava fora
do desenho e da estampa que me fora traçado viver... lembro do quanto ralei
para lidar com isso e aprender a transformar toda essa coisa em vida... e posso
dizer que, agora, não seja qualquer vida! Na verdade acho insuportável esse
tipo de balanço em que se acaba colocando na balança tudo o que já ralamos na
vida, tentando, com isso, oferecer contrapeso ao aviltante que tivemos que
suportar numa tacada só!
Olho para os livros e alegro-me por ser transitada pelo
conhecimento produzido por tantas gentes... olho para os caminhos que
transversei em toda a minha existência e sinto o maior orgulho por tudo o que
já fiz... olho para trás, para frente, para os lados e em qualquer direção que
vá, posso ir de cabeça erguida... olho para a vida das pessoas com quem
transversei ou transverso em meu trabalho ou em minha vida pessoal e vejo com
que envergadura, amplitude, imensidão, seriedade, amorosidade, generosidade,
grandeza e alegria faço a vida acontecer, compondo-a com a vida de tantas
gentes... olho para os caros amigos que compõem minha existência e tenho o
maior orgulho por todos eles fazerem parte da minha vida e, também, por ser tão
importante na vida de todos eles... olho para o percurso que já produzi em
minha vida, na perspectiva de problematizar a questão das diferenças e para o
quanto isso tem sido importante para provocar o pensamento sobre a diversidade, assim como, para ajudar
a produzir o compartilhamento da vida em qualquer circunstância, e sinto uma
alegria imensa e rara por ajudar a provocar muitos movimentos na vida das
gentes... tenho certeza, sem pretensão alguma, de que ao longo da curta vida
que até agora transitei, consegui me tornar gente... por essas e outras, não
aceito, não admito, não suporto que alguém, seja lá quem for, se ache no
direito de me vir dizer como, quando, onde, com quem, com que intensidade eu
possa viver os meus afetos... não aceito que alguém se ache no direito de
transformar as suas próprias dificuldades para lidar com aquilo que é do outro
(aqui, no caso, com o que é meu), em restrição à vivência dos meus afetos... é
por demais precário, é por demais tacanho, á por demais raso, é por demais
aviltante, é por demais pretensioso alguém pensar que pode me chamar para um
canto e alertar: “agora que fulanos e sicranos estão chegando, por favor,
moderem os seus afetos” (afetos que se restringiam a estar sentada ao lado de
minha companheira, segurando sua mão e vivenciando nosso carinho
singelamente)... por essas e outras, com licença, estou indo embora, porque no
mundo em que eu vivo, viver é possível... no mundo em que eu vivo, já ralei
muito e não cabe mais nem sequer um pensamentozinho tão aviltante... no mundo
em que eu vivo, não sobrou nenhuma margem para se brincar de viver... não é de
molecagens que foi feita a envergadura e o talhe de minha existência!
Você pode ser e fazer desde que as pessoas não vejam. A modernidade, o descolado, o bacanana , o ser pra frente determina esta convivência pacifica, é chique ter amigo gay. Tem mulheres (as ditas peruas) que fazem questão de ter um amigo gay, alguém para as fazerem rir e acentuar suas modernidades. Ser amigo de um casal gay, no entanto, presenciando seus gestos de carinho suas formas de afetos, ver o transformar do subjetivo em concreto incomoda, faz surgir o medo dos apontamentos. O que dirão os outros? É o choque de valores, a velha moral sufocando inibindo o pretenso liberalismo. No momento em que o discurso moderno se concretiza cai a mascara, os valores sociais do arcabouço católico, protestante revelam se, e as pessoas se inibem. Neste momento frágeis que são pedem moderação, temem escândalos e escandalizam se com a realidade homo-afetiva. Esta tudo na superfície é o mundo das aparências basta aprofundar minimamente que o choque é brutal, o verniz do liberalismo se desfaz dando lugar aos velhos tabus e preconceitos, este é o momento em que revelasse a verdadeira cara das pessoas. Esta é geralmente feia, pois, embrutecida pelas verdades absolutas traz rugas na testa de reprovação ao que lhes é diferente.
ResponderExcluiré isso mesmo, claudio! às vezes assusto-me com a real cara das pessoas!
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ResponderExcluirsegurar tua mão e caminhar anos e anos luz lado a lado. olhar ao longe um ano que finaliza sempre quando o nosso começa.
ResponderExcluiré nessas andanças que vamos deixando para trás o que não mais nos serve e, aos poucos inventamos a vida que queremos...
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