Não me relaciono muito bem com gentes desprovidas de
gentitudes e de gentidades, mas tenho um carinho especial pelas crianças e pelos velhos... gosto das
crianças pela pureza com que(des) olham e (des)pensam o mundo e as coisas do
mundo... e dos velhos, gosto pela sabedoria com que (des)acontecem a vida...
nessas e noutras, encontro muita gente que me atravessa os afetos pela
preciosidade das coisas que lhes habitam e transitam, assimassim, conheci Maria
Cleci Soares Henriques... uma guria que já estava nos seus 81 anos quando a
conheci... hoje conta 82... arqueada em seu corpo frágil, mantém-se altiva em
sua existência... leitora de muitos livros, teve breve passagem pela escola
formal, mas isso não a impediu de aprender a ler o traçado preciso das letras
escritas com as tintas do alfabeto... lê Saramago, que não é leitura pra
qualquer coió... faz projetos... tece invenções... cria a vida no tempo de seus
tempos... por essas e outras, reproduzo aqui, um escrito de seu neto (Carlos
Guilherme Vogel do Amaral), por conta do acontecimento dos seus 80 anos...
“Terça-feira, 14 de
setembro de 2010
O que se faz em 80
anos?
Oitenta anos são 960
meses, algo em torno de 4.174 semanas,
29.220 dias ou ainda 701.280 horas. Um pouco além disso, 80 anos pode ser tempo
suficiente para curtir a infância com os irmãos e os primos, tempo para fazer
com que alguém ande muitos quilômetros para pedir sua mão em casamento, tempo
para parir e criar quatro filhos, ver esses filhos terem filhos e olhar para os
netos, crescidos e barbados, e implorar a vinda de um bisneto.
Tempo para frequentar
os bancos escolares por apenas quatro meses e mesmo assim aprender o suficiente
para apreciar Shakespeare ou para ensinar um neto a ler enquanto lhe
acompanhava na leitura diária do jornal.
Tempo para aprender a
fazer um almoço inconfundível ou doces de abóbora de lamber os beiços. Tempo
para preparar chimarrão e fazer palavras cruzadas. Tempo para assistir à novela
das seis e para cultivar a mania de jogar cartas sozinha em cima da cama. Tempo
para costurar as roupas furadas que os netos trazem de longe e para acender uma
vela para iluminá-los quando é preciso. Tempo para aprender a fumar e tempo
para deixar o cigarro de lado.
Tempo para fazer
amigos e viagens mesmo depois dos setenta. Tempo para saber que nunca é tarde
para começar algo novo. Tempo para dores difíceis, como a de perder um filho e
tempo para superar e seguir em frente. Tempo para chorar e tempo para sorrir.
Tempo mais do que
suficiente para encher um neto de orgulho.
Fica registrada aqui
minha homenagem aos 80 anos da Dona Cleci, minha avó” (Carlos Guilherme
Vogel do Amaral).
Belo bonita!
ResponderExcluirbeijo
Lindo. O escrito e a existência!
ResponderExcluir