Boletim eletrônico mensal
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 166, maio de 2014.
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 166, maio de 2014.
Mikhail Bakunin:
a faculdade de pensar e necessidade de se revoltar.
A anarquia emerge no século XIX como prática de liberdade, crítica demolidora do capitalismo e do socialismo autoritário, da representação e das vanguardas. Um homem interessante atravessou grande parte deste século realizando análises no interior dos combates. Contra a propriedade, o Estado, o liberalismo, as prisões, a escola, as hierarquias, as instituições consensuais e repressivas. Não se pretendeu condutor de consciências e externou nas incontáveis batalhas e em seus escritos também seus equívocos. Como andarilho incansável percorreu a convulsiva Europa, passou pelo Japão e os Estados Unidos que emergia como grande potência imperialista. Escapou da prisão na Sibéria, foi clandestino, associou libertários, apreciou bebidas e comidas, a música, os amigos e as longas conversas. Sua presença foi referência aos anarquismos que nasciam no planeta, às lutas contra a desigualdade e a propriedade. Não se furtou em discordar dos condutores socialistas, inventou uma Internacional outra, foi e é presença marcante nos anarquismos brasileiros. Seu nome é Mikhail Bakunin, nascido russo em 30 de maio de 1814, e sempre disponível à revolta, faleceu sem pátria em 1 de julho de 1876. Transcrevemos algumas de suas palavras anarquistas atuais, compondo livremente um texto libertário, seguido de indicação das fontes de onde elas foram buscadas.
Importa-me muito o que os outros homens são, porque por mais independente que me julgue ou que pareça pela minha posição pessoal ― mesmo que eu fosse papa, czar, imperador ou até primeiro ministro ―, não deixaria de ser o produto dos últimos entre eles; se eles são ignorantes, miseráveis escravos, a minha existência é determinada pela sua ignorância, pela sua miséria e escravidão.
Eu, por exemplo, sou um homem esclarecido pelas suas inteligências e sou um tolo pelas suas tolices; se iracundo, sou escravo da sua escravatura; se rico, tremo com a sua miséria; se privilegiado, empalideço diante de sua justiça. Mesmo que eu queira ser livre, não posso. Porque à minha volta ainda nenhum homem quer ser livre e não querendo, eles transformam-se contra mim, em instrumentos de opressão.
A minha liberdade pessoal, assim confirmada pela liberdade de todos, estende-se até o infinito.
Entre todos os Estados que existem um ao lado do outro, a guerra é permanente e a paz tão somente uma trégua. O direito à liberdade, sem os meios de realizá-las, é apenas uma quimera. O sistema de representação democrática é o da hipocrisia e da mentira perpétuas; necessita da estupidez do povo e funda seus triunfos sobre ela.
1. Estado
Toda teoria lógica e sincera do Estado é essencialmente fundada no princípio da autoridade – o que implica na ideia de que as massas, sempre incapazes de governar-se, devem se submeter, a todo instante, à sujeição benevolente de uma sabedoria e justiça que, de um modo ou outro, é imposta desde cima.
O Estado necessita de uma polícia integrada por agentes dedicados, encarregados de supervisionar e dirigir, discretamente e em segredo, as opiniões e paixões populares.
O Estado é um ser arbitrário, que centraliza todos os interesses positivos, vivos e individuais do povo, que lutam e se destroem uns aos outros para que sejam absorvidos por essa abstração que se chama Interesse Comum, o bem público, a segurança pública; e onde todas as vontades individuais se anulam umas as outras formando aquela outra abstração que é chamada de “vontade popular”.
Na verdade, essa assim chamada “vontade popular” não é outra coisa senão o sacrifício e a negação de todas as verdadeiras aspirações individuais. Da mesma forma que o assim chamado “bem comum” é simplesmente o sacrifício dos interesses individuais.
O Estado não se chamará mais monarquia, chamar-se-á república, mas nem por isso deixará de ser Estado, isto é, uma tutela oficial e regularmente estabelecida por uma minoria de homens competentes, gênios, homens de talento ou de virtude, que vigiarão e dirigirão a conduta dessa grande, incorrigível e terrível criança, o povo. Os professores da Escola e os funcionários do Estado chamar-se-ão republicanos; mas não deixarão de ser menos tutores, pastores, e o povo permanecerá o que foi eternamente até agora: um rebanho. Os tosquiados que se cuidem, pois onde há rebanho há necessariamente pastores para tosquiá-lo e comê-lo.
O Estado é a expressão de todos os sacrifícios individuais. Existindo sob semelhante forma abstrata, e ao mesmo tempo violenta, não é necessário dizê-lo, continua prejudicando cada vez mais a liberdade individual em nome dessa mentira que se chama ‘felicidade pública’, ainda que seja evidente que não represente, exclusivamente, outros interesses que os da classe dominante. O Estado, desse modo, mostra-se como uma negação inevitável e como uma aniquilação de toda liberdade, de todo interesse, tanto particular como geral. Ninguém negará também que os grandes Estados atuais têm por objeto, mais ou menos confesso, a conquista.
Está na natureza do Estado se apresentar, tanto em relação a si mesmo como em frente a seus súditos, como o objeto absoluto. Servir à sua prosperidade, à sua grandeza e ao seu poder, essa é a virtude suprema do patriotismo. O Estado não reconhece outra virtude. Tudo o que lhe serve é bom e tudo o que é contrário a seus interesses é declarado criminoso. Tal é a moral dos Estados.
A Internacional é a negação do patriotismo e, consequentemente, é a negação do Estado.
2. Liberdade
O homem se emancipou, separou-se da animalidade e se constituiu homem; ele começou sua história e seu desenvolvimento especificamente humano por um ato de desobediência e de ciência, isto é, pela revolta e pelo pensamento.
Sou um amante fanático da liberdade, considerando que ela é o único meio em cujo seio podem se desenvolver e crescer a inteligência, a dignidade e a felicidade dos homens; não dessa liberdade formal, outorgada, medida e regulamentada pelo Estado, mentira eterna e que na realidade não representa nunca nada mais do que o privilégio de uns poucos fundado sobre a escravidão de todos; não dessa liberdade individualista, egoísta, mesquinha e fictícia, apregoada pela escola de Rousseau, assim como por todas as outras escolas do liberalismo burguês, que consideram o chamado direito de todos, representado pelo Estado, como o limite do direito de cada um, o que leva necessariamente e sempre à redução do direito de cada um a zero.
Não, eu entendo por liberdade a única que seja verdadeiramente digna deste nome, a liberdade que consiste no pleno desenvolvimento de todas as potências materiais, intelectuais e morais que se encontram em estado de faculdades latentes em cada um; a liberdade que não reconhece outras restrições que aquelas que nos tragam as leis de nossa própria natureza; de sorte que, propriamente falando, não tem restrições, já́ que estas leis não nos são impostas por um legislador de fora, que reside seja do lado, seja por cima de nós; são imanentes a nós, inerentes, constituem a base de todo nosso ser, tanto material como intelectual e moral; em vez de ver nelas um limite, devemos considera-las como as condições reais e como a razão efetiva de nossa liberdade.
Refiro-me a essa liberdade de cada um que, longe de se deter como diante de um limite frente à liberdade do outro, encontra, ao contrário, ali sua confirmação e sua extensão até o infinito; a liberdade ilimitada de cada um pela liberdade de todos, a liberdade pela solidariedade, a liberdade na igualdade; a liberdade triunfante sobre o princípio da força brutal e o princípio de autoridade, que não foi nunca mais do que a expressão ideal dessa força.
3. Autoridade
Deve-se entender então que eu rejeito toda a forma de autoridade? Longe de mim tal ideia! Em matéria de sapatos, por exemplo, curvo-me diante da autoridade do sapateiro; tratando-se de casas, canais ou estradas de ferro, consulto o arquiteto e o engenheiro. Para adquirir tal ou qual conhecimento específico, procuro tal ou qual sábio, capaz de melhor transmiti-lo. Mas não permito que nem o sapateiro, nem o arquiteto e nem o sábio imponham sua autoridade sobre mim.
Não me contento em consultar uma só autoridade: consulto várias, comparo suas opiniões e escolho aquela que me parecer mais sensata. Mas não reconheço qualquer autoridade infalível, mesmo em determinados assuntos; consequentemente, seja qual for o respeito que eu possa ter pela honestidade e a sinceridade de tal ou qual indivíduo, ninguém merece a minha confiança absoluta. Tal confiança seria fatal para a minha razão, minha liberdade e mesmo para o sucesso das minhas iniciativas: ela me transformaria imediatamente num escravo estúpido, num instrumento da vontade e dos interesses dos outros.
A prisão nada mudou de meus antigos sentimentos, ela, ao contrário, os tornou mais ardentes, mais resolutos, mais absolutos do que nunca, e de agora em diante tudo o que me resta de vida se resume numa única palavra: liberdade.
Rejeitamos toda legislação, toda autoridade e toda influência privilegiada, titulada, oficial e legal, mesmo emanada do sufrágio universal, convencidos de que ela só poderia existir em proveito de uma minoria dominante e exploradora, contra os interesses da imensa maioria subjugada. Eis o sentido no qual somos realmente anarquistas.
4. Razão
A superioridade do homem sobre os outros animais e a faculdade de pensar levaram a que se desenvolvesse um elemento particular. Esse elemento particular é a razão, ou melhor, essa faculdade de generalização e de abstração graças à qual o homem pode se projetar pelo pensamento, examinando-se e observando-se como um objeto exterior estranho. Elevando-se, pelas ideias, sobre si mesmo, assim como sobre o mundo circundante, chega à representação da abstração perfeita, ao nada absoluto.
Mal pôde ser dito com Sócrates ‘Conhece-te a ti mesmo’. Esse conhecimento de si próprio existia apenas em estado de abstração; na realidade, era nulo. Era impossível que o espírito humano desconfiasse que era o único criador do mundo divino. Ele o encontrou diante de si, encontrou-o como história, como sentimento, com hábito de pensar, e fez dele necessariamente o objeto de suas mais elevadas especulações. Foi assim que nasceu a metafísica e que as ideias divinas, base do espiritualismo, foram desenvolvidas e aperfeiçoadas. Os metafísicos modernos, a partir do século XVII, trataram de restabelecer a moral, fundando-a, não em Deus, mas no homem.
É verdade que a civilização grega, como todas as civilizações antigas, inclusive a de Roma, foi exclusivamente nacional, e teve por base a escravidão. No entanto, apesar desses dois imensos defeitos, a primeira nem por isso deixou de conceber e realizar a ideia da humanidade, ela enobreceu e realmente idealizou a vida dos homens; ela transformou os rebanhos humanos em livres associações de homens livres; ela criou pela liberdade, as ciências, as artes, uma poesia, uma filosofia imortal e as primeiras noções do respeito humano. Com a liberdade política e social, ela criou o livre pensamento.
A própria individualidade do cidadão grego ou romano foi sempre patrioticamente imolada em benefício da coletividade constituída em Estado. Quando os cidadãos, cansados dessa imolação permanente, quiseram poupar-se do sacrifício, as repúblicas gregas primeiro, depois as romanas, desmoronaram. O despertar do individualismo ocasionou a morte da Antiguidade.
Se vocês estão rodeados de escravos, ainda que sejam o amo, não deixam de ser um escravo, pois a consciência dos escravos só pode enviar a vocês sua própria imagem aviltada. A imbecilidade de todos os imbeciliza, enquanto que a inteligência de todos os ilumina, eleva-os; os vícios de seu meio social são seus vícios, e não poderiam ser homens realmente livres sem estar rodeados de homens igualmente livres, pois a existência de um único escravo basta para diminuir sua liberdade.
5. Ciência
Quem souber mais dominará naturalmente quem menos souber, e, não existindo entre as duas classes sociais, em princípio, mais do que esta única diferença de instrução e de educação, esta diferença produzirá em pouco tempo todas as demais.
E a crítica maior que teríamos de dirigir à ciência e às artes é precisamente o fato de estenderem seus benefícios e de exercerem sua influência útil apenas sobre uma porção mínima da sociedade, excluindo e, por conseguinte, prejudicando a imensa maioria.
Essa riqueza é totalmente exclusiva e cada dia tende a sê-lo mais, de maneira que a riqueza se desenvolve na razão direta da miséria crescente das massas proletárias. Então se terá de confessar que esta civilização tão glorificada não significa, do ponto de vista material, mais do que opressão e ruína para o povo.
E o que é que constitui, principalmente, a força dos Estados? A Ciência.
Sim, a ciência. Ciência do governo, da administração, ciência dos negócios; ciência de tosquiar os rebanhos populares sem fazê-los gritar demasiado e, quando começam a gritar, a ciência de impor-lhes silêncio, paciência e obediência por meio de uma força cientificamente organizada; ciência de enganar e dividir as massas populares, de mantê-las sempre numa saudável ignorância para que nunca possam, ajudando-se e unindo seus esforços, criar um poder capaz de derrubá-los; ciência militar antes de tudo, com todas as suas armas aperfeiçoadas, e os formidáveis instrumentos de destruição que maravilham; ciência do gênio, enfim, criou os navios a vapor, ferrovias e o telégrafo; ferrovias que, utilizadas na estratégia militar, multiplicam por dez o poder defensivo e ofensivo dos Estados; telégrafo que, ao transformar cada governo numa máquina de cem, de mil braços, torna possível sua presença intervencionista e triunfante por toda parte, criando as mais formidáveis centralizações políticas que jamais existiram.
Resumamos: na atual organização da sociedade, os progressos da ciência têm sido a causa da ignorância relativa do proletariado, assim como os progressos da indústria e do comércio têm sido a causa de sua miséria relativa. Numa palavra, a ciência é a bússola da vida; mas não é a vida.
O que prego é, até certo ponto, a revolta da vida contra a ciência, ou melhor, contra o governo da ciência.
6. Socialismo
No Estado popular do Sr. Marx, dizem-no, não haverá absolutamente classe privilegiada. Todos serão iguais, não somente do ponto de vista jurídico e político, mas também do ponto de vista econômico. Não haverá, portanto, mais nenhuma classe, mas um governo, e, observai bem, um governo excessivamente complicado, que não se contentará em governar e administrar as massas politicamente, como fazem hoje todos os governos, mas que ainda as administrará economicamente, concentrando em suas mãos, a produção e a justa repartição das riquezas, a cultura da terra, o estabelecimento e o desenvolvimento das fábricas, a organização e a direção do comércio, enfim, a aplicação do capital à produção pelo único banqueiro, o Estado.
Tudo isso exigirá uma ciência imensa e muitas cabeças transbordantes de cérebro nesse governo. Será o reino da inteligência científica, o mais aristocrático, o mais despótico, o mais arrogante e mais desprezível de todos os regimes. Haverá uma nova classe, uma nova hierarquia de doutos reais e fictícios, e o mundo se dividirá em uma minoria dominada em nome da ciência, e uma imensa maioria de ignorantes. E, então, cuidado com a massa de ignorantes!
Vede muito bem que através de todas as frases e todas as promessas democráticas e socialistas do programa do Sr. Marx, encontramos em seu Estado tudo o que constitui a própria natureza despótica e brutal de todos os Estados, qualquer que seja a forma de seu governo, e que no final das contas o Estado popular, tão recomendado pelo Sr. Marx, e o Estado aristocrático-monárquico, mantido com tanta habilidade quanto força pelo Sr. Bismark, identificam-se completamente pela natureza de seu objetivo tanto interior quanto exterior.
7. Justiça
A maior inteligência não bastaria para abraçar tudo. Daí resulta, tanto para a ciência quanto para a indústria, a necessidade da divisão e da associação do trabalho. Recebo e dou, tal é a vida humana. Cada um é dirigente e cada um é dirigido por sua vez. Assim, não há nenhuma autoridade fixa e constante, mas uma troca contínua de autoridade e de subordinação mútuas, passageiras e, sobretudo voluntárias.
Por essa mesma razão, não posso reconhecer a existência de uma autoridade fixa, constante e universal, pois não existe o homem universal, ninguém que seja capaz de entender, com aquela riqueza de detalhes – sem a qual é impossível aplicar a ciência à vida – todas as ciências e todos os ramos do conhecimento.
É preciso distinguir estas leis autoritárias, políticas, religiosas, criminais e civis, que as classes privilegiadas estabelecem ao longo da história, sempre para explorar o trabalho dos operários, com a finalidade única de amordaçar a liberdade deles, operários, e que, com pretexto de uma moralidade fictícia, sempre foram a fonte mais intensa da imoralidade.
O socialismo, baseado na ciência positiva, repele totalmente a doutrina do livre-arbítrio. Reconhece que tudo o que se chama de vícios e virtudes dos homens é, na realidade, produto da ação combinada da natureza, na sociedade propriamente dita.
É evidente que a liberdade não será dada ao gênero humano, e que os interesses reais da sociedade, dos grupos e das organizações locais, assim como dos indivíduos que formam a sociedade, apenas poderão encontrar satisfação real quando não existir Estado. É evidente que os chamados interesses gerais da sociedade que o Estado pretende representar, e que na realidade não são outra coisa que a negação geral e consciente dos interesses positivos das regiões, das comunas, das associações e do maior número de indivíduos submetidos ao Estado, constituem uma ficção, uma abstração, uma mentira, e que o Estado é como um açougue, ou como um cemitério onde, à sombra e com o pretexto desta abstração, comparecem generosamente, beatamente, a se deixar imolar ou enterrar todas as aspirações reais, todas as forças vivas de um país.
Mais uma vez, a vida, não a ciência, cria a vida; somente a ação espontânea do povo pode criar a liberdade.
Não nos venham falar em capacidades individuais, portanto! A liberdade individual, não a privilegiada, mas sim a humana, e as capacidades reais das pessoas, não poderão desenvolver-se plenamente a não ser em condições de absoluta igualdade.
Para que as capacidades individuais prosperem e não sejam impedidas de darem todos os seus frutos, é necessário, antes de mais nada, que os privilégios individuais, tanto políticos como econômicos, ou seja, todas as classes, sejam abolidos.
A verdadeira escola para o povo e para todos os homens feitos é a vida. A única autoridade onipotente, simultaneamente natural e racional, a única que podemos respeitar, será aquela do espírito coletivo e público de uma sociedade fundada no respeito mútuo de todos os seus membros.
A instrução deve ser igual em todos os graus para todos; por conseguinte, deve ser integral, quer dizer, deve preparar as crianças de ambos os sexos tanto para a vida intelectual como a vida do trabalho, visando a que todos possam chegar a ser pessoas completas.
A educação das crianças, tomando como ponto de partida a autoridade, deve sucessivamente resultar na mais completa liberdade.
Fazer triunfar a justiça, isto é, a mais completa liberdade de cada um, na mais perfeita igualdade de todos. Receamos que o triunfo da justiça só se possa efetuar mediante a revolução social.
8. Sinceridade
‘As massas’, um homem diz a si mesmo, ‘reconhecendo sua incapacidade de se governar por si mesmas, me elegeram seu chefe. Por este ato proclamaram publicamente sua inferioridade e minha superioridade. Dentre essa multidão de homens, dificilmente reconhecendo iguais a mim, eu sozinho sou capaz de dirigir os negócios públicos. As pessoas necessitam de mim; elas não podem ficar sem meus serviços, enquanto eu, ao contrário, posso ficar muito bem por mim mesmo; elas, portanto, devem me obedecer por suas próprias seguranças, e condescendentes com o comando, estou lhes fazendo uma bondade'.
Toda decepção com o sistema representativo está na ilusão de que um governo e uma legislação surgidos de uma eleição popular devem e podem representar a verdadeira vontade do povo. Instintiva e inevitavelmente, o povo espera duas coisas: a maior prosperidade material possível combinada com a maior liberdade de movimento e de ação. Isto significa a melhor organização dos interesses econômicos populares, e a completa ausência de qualquer organização política ou de poder, já que toda organização política se destina à negação da liberdade.
Mas, como somos partidários sinceros, não hipócritas, da liberdade individual, como – em nome dessa mesma liberdade – detestamos de todo coração o princípio da autoridade e todas as manifestações possíveis deste princípio divino, anti-humano, e com detestamos e condenamos, do mais profundo de nosso amor pela liberdade, a autoridade paterna e também a do mestre; como as consideramos igualmente desmoralizadoras e funestas, e como a experiência diária nos demonstra que o pai e o mestre, apesar de sua prudência obrigatória e proverbial, e inclusive por causa dessa prudência, se equivocam sobre as capacidades de seus filhos com mais facilidades do que as próprias crianças, e como, segundo esta lei tão humana, incontestável e fatal, da qual todos que podem abusam, os mestres e os pais, ao determinarem arbitrariamente o porvir das crianças, interrogam mais seus próprios gostos do que as tendências naturais das crianças; como, por fim, os erros cometidos pelo despotismo são sempre mais funestos e menos reparáveis do que os erros cometidos pela liberdade, sustentamos, contra todos os tutores oficiais e oficiosos, paternais e pedantes do mundo, a liberdade plena e inteira das crianças para escolherem e determinarem sua própria carreira.
Na tempestade, respira-se mais facilmente; é somente no combate que se aprende o que um homem pode, o que ele deve, e, na verdade, uma tempestade semelhante é uma necessidade do mundo atual, que está bem perto de sufocar com seu ar empestado.
Sim, nossos primeiros ancestrais, foram senão gorilas, pelo menos primos muito próximos dos gorilas, dos onívoros, dos animais inteligentes e ferozes, dotados em grau maior do que os animais de todas outras espécies, de duas faculdades preciosas: a faculdade de pensar e a necessidade de se revoltar.
Fontes:
“Carta a Mathilde Reichel”. Königstein, fevereiro de 1850. In: Le Réveil, Genève, 3 de julho de 1926.
“Carta a seus irmãos e irmãs”. Fortaleza Pedro e Paulo, fevereiro de 1854. In: Aleksandr Aleksandrovich. Kornilov. Gody Stranstvij, Michaila Bakunina: Index. Leningrado, itd: Gosivdat, 1925.
“Founding of the Workers’ International. Mikhail Bakunin.” (1864). In: G.P. Maximoff. The Political Philosophy of Bakunin. New York: The Free Press, 1953.
“Power Corrupts the Best. Mikhail Bakunin” (1867). In: K.J. Kenafik (ed) Marxism, Freedom, and the State. New York: Freedom Press, 1987.
A instrução integral (1869). São Paulo: Imaginário/ Nu-Sol/ IEL: 2003.
“Os ursos de Berna e o urso de São Petersburgo”(1870). In: Os anarquistas e as eleições. São Paulo: Nu-Sol/Imaginário/ Soma, 2000.
“A ilusão do sufrágio universal” (1870). In: George Woodcock (org.) Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre, L&PM, 1981.
Deus e o Estado (1871). São Paulo: Nu-Sol/Soma/Imaginário, 2000.
“A Igreja e o Estado” (1871). In: George Woodcock. (org.). Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre: LP&M, 1981.
“O que é autoridade?” (1871). In: George Woodcock. (org.). Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre: LP&M, 1981.
“A Comuna de Paris e a noção de Estado” (1871). In: Revista verve, número 10. São Paulo, Nu-Sol, 2006.
“O princípio do Estado” (1871). In: Revista verve, número 11. São Paulo: Nu-Sol, 2007.
“Da liberdade” (1871) In: Revista Libertárias, n. 4 [Rebeldias]. São Paulo: Coletivo Libertárias, 1998.
"Carta aos redatores do boletim da Federação Internacional Do Jura" (1872). In: Escritos contra Marx. São Paulo: Nu-Sol/Imaginário/ Soma, 2001.
“Os perigos de um Estado marxista” (1872). In: George Woodcock. (org.). Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre: LP&M, 1981.
Estatismo e anarquia (1873). São Paulo: Nu-Sol/Imaginário/Ícone, 2003.
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