Grupo
Krisis
Introdução
O
ponto aporético e sem retorno:
As
razões de um "Manifesto Contra o Trabalho"
Por Cláudio Roberto Duarte
"Não basta que as condições
de trabalho apareçam num pólo como capital e no outro pólo, pessoas que nada
têm para vender a não ser sua força de trabalho. Não basta também forçarem-nas
a se venderem voluntariamente. Na evolução da produção capitalista,
desenvolve-se uma classe trabalhadora que, por educação, tradição, costume,
reconhece as exigências daquele modo de produção como leis naturais evidentes"
(Marx, O capital).
"O
trabalho é a mediação fundamental na relação homem e natureza, pois só através
dele o homem sobrevive". Quantas vezes usamos este teorema, esta
identidade antropológica, para fundar positivamente nossas análises ? Mas que é
isso de "Manifesto Contra o Trabalho" desses alemães do Grupo Krisis
?
Antes de
tudo é preciso reconhecer a historicidade específica de tal mediação, o que
quer dizer limitá-la no espaço-tempo, não admiti-la como fundamento
"natural e verdadeiro" da sociedade. Agora bem, o trabalho é ainda
hoje, e mais do que nunca, a mediação radical: no processo de imposição da
modernização o trabalho define a vida dos homens - "Quem não trabalha
não deve comer ! " – dizia certeiramente o lema surgido na fase
chamada "comunismo de guerra" da Revolução Russa. Porém, a moral
proletária contra o burguês embutida em tal lema volta-se contra os próprios
trabalhadores. Pois quando a própria modernização nega profundamente aos homens
essa condição em que os colocou, trata-se de uma contradição objetiva. É a crise.
Krísis (em grego) é o momento em que o júri proferia seu juízo no
tribunal, avaliando uma situação emperrada – o que corresponderia à crítica
que a própria modernização capitalista faz a si mesma. Nos termos da lógica
social imperante, suprime tempo de trabalho necessário enquanto se baseia nele
como fonte para criar valor, duma só vez institui e extingue a necessidade do
tempo de trabalho vivo. Hoje, o momento negativo passa a prevalecer, e os
custos improdutivos do capital social conjunto ultrapassam os ganhos do
trabalho produtivo. De modo que o valor, como forma histórica de expressão de
riqueza, torna-se obsoleto. "E ninguém pode afirmar seriamente que este
processo pode ser freado ou invertido". Mas, tal razão objetiva
não está ao alcance dos homens. De modo que vive-se essa negatividade como irracionalidade.
É o que vemos em nosso cotidiano sob a forma estrutural de desemprego,
(sub)proletarização, miséria, violência, desespero, por um lado, e mobilização
total, angústia, simulação de trabalho e competência, por outro. Centralização
de capital, privatizações, mais-valia absoluta e principalmente o capital
fictício são modos de "ultrapassar" a base existente em crise. Tal
negativo é hoje a destruição nua e crua em ato, o curso do asselvajamento das
relações sociais face à riqueza historicamente acumulada, representada nas
possibilidades da ciência e da técnica conquistadas na história do homem.
Por
conseguinte, o Manifesto não é uma crítica de "fantasistas" ou
"preguiçosos". A negação do trabalho, isto é, sua crítica, acontece
objetivamente, através da racionalidade dialética desta sociedade. Um manifesto
contra o trabalho é a crítica desta crítica, crítica dos limites que a
dialética puramente imanente ao capitalismo possui. Pois tal imanência é o
inferno das relações sociais fetichistas: ela não é primordialmente a história
de uma substância que é sujeito em formação, mas antes de um sujeito formado e
em auto-movimento - o capital, "sujeito automático" (Marx) -
que impõe o trabalho como "um fim em si mesmo". Um sujeito que
erige-se a partir das relações sociais reais, só que autonomizadas e
transfiguradas em "curso das coisas". Uma "razão", enfim,
que forma um "mundo" ("o trabalho forma", dizia
Hegel na Fenomenologia do Espírito), cria uma cultura (no sentido alemão
de Kultur/Bildung) e uma civilização material, produz seu espaço,
determinando a realidade e a consciência de classes como seus "suportes"
funcionais (Marx). A modernização, assentada no trabalho social abstrato, pode
ser entendida como esse processo de formação que tende a se expandir
pelo mundo, legitimada pelos ideais normativos, nascidos com as revolucões
burguesas, de liberdade e igualdade.
Desde
Th.W.Adorno sabe-se que a crítica imanente hegeliana clássica precisaria
criticar seus próprios conceitos - como identidade, totalidade, sujeito,
sentido, imanência ou trabalho - se a dialética quisesse se livrar de seu telos
afirmativo. O objetivo era "ir além do conceito através do
conceito" (Dialética Negativa). Pois bem, estendendo a
constelação formada por Hegel, Marx e os frankfurtianos, o Grupo Krisis quer ir
bem além de uma crítica moral contra o trabalho (pondo ideais humanistas
externos no lugar) ou puramente transcendente (o outro niilista e sem
mediação), ou ainda, estética e utópica (abstrata) como alguns
querem imputar-lhes. Ultrapassando a tão familiar simulação de crítica,
trata-se de uma crítica interna negativa: é categorial, e de início não aceita conceitos
como totalidade, valor, valor de uso ou trabalho como dados de base ontológica
positiva. Estes fazem parte, sim, face à possibilidade da emancipação, de uma
"ontologia do estado falso" (Adorno, Dialética Negativa).
Tal crítica negativa pretende mostrar o caráter contrário à verdade desta
condição histórica objetiva em que vivemos, que aparece como dominação
"racional" e o melhor dos mundos possíveis.
Esta
condição é cada vez mais evidente na saia justa que os diversos reformismos da
esquerda neokeynesiana e social-democrata necessariamente entram, presos ao
ideal político abstrato de administrar "melhor" o sistema e no
discurso historicamente necessário, mas limitado, da cidadania e do
distributivismo, sem poderem aguçar a crítica teórico-prática; e mais ainda no
cinismo político descarado da direita neoliberal autoritária – uma distinção
hoje até mesmo embaçada frente ao "totalitarismo econômico" e
o fim da ilusão real de que o político fosse pretensamente autonomizado e
predominante.
O ponto chave
parece ser que, para o marxismo tradicional, o valor enquanto tal foi sempre um
pressuposto neutro ou mesmo um dado positivo: o problema era só a mais-valia,
ou seja, "o escândalo não era o trabalho, mas apenas a sua exploração
pelo capital" (diz o Manifesto), e toda crítica decorrente desta visão
vem no sentido magro da crítica da burguesia empírica ou dos restos
pré-capitalistas na sociedade nacional, culminando na luta para uma melhor
"distribuição de renda" ou, na melhor das hipóteses, por uma realização
de direitos de cidadania e "igualdade". O marxismo da luta de classes
se põe, então, como "braço direito" e "cérebro" do processo
de modernização, não colocando em questão as categorias básicas que a
estruturam: a mercadoria, o valor, o trabalho, o dinheiro e o capital. Neste
sentido, o Manifesto é a retomada do Marx radical que pensava não em uma melhor
"distribuição do trabalho entre outras pessoas", nem
somente em superar a "divisão do trabalho", mas antes de tudo,
em "suprimir o trabalho" (A Ideologia Alemã),
estabelecendo sua identidade com o capital; e abolir com isso também o valor e
a propriedade, o Estado e a política, as classes e as demais separações "naturais"
funcionais da vida. Contudo, Marx permite entender também que tratar-se-ia
somente da superação do trabalho assalariado e alienado, e não do
trabalho per se. Aqui, o Grupo Krisis, refazendo a genealogia do
conceito em geral, quer mostrar que é só na modernidade que ele se põe, isto é,
se realiza e generaliza. Pois, como falar em "trabalho (sans phrase)"
(Marx), p.ex., numa comunidade primitiva ou antiga, quando plantar, cozinhar,
dançar ou cultuar não eram atividades fragmentadas de um todo e eram mais ou
menos dispostas segundo as necessidades internas (elas mesmas limitadas e
fetichizadas, é verdade) de um grupo e seu "gênero de vida" ? Por
trás do conceito de trabalho está um processo de homogeneização ou abstração
real de todas as atividades concretas sob o ditado de um tempo social
abstrato da concorrência, cuja finalidade já não é os homens, mas a imanência
da própria atividade, do próprio meio: a produção de valor (e mais-valia), que
passa por cima das necessidades e vontades de uma sociedade inteira, e a rigor,
de toda a vida do planeta. O sentido, se é que podemos nomeá-lo assim, é o
esforço tautológico, penoso e "desmesurado" de trabalho para acumular
mais trabalho ad infinitum, ele mesmo abstraído sob a forma quantitativa
do dinheiro.
Capital e
trabalho, portanto, são momentos reflexivos de uma relação social total,
presidida pelo valor. Simplesmente não entra no campo de visão daqueles que
argumentam do interior de uma "ontologia do trabalho" que a sociedade
atual é já, justamente, a realização cabal da "sociedade do trabalho"
(trabalho que, portanto, não é uma "essência" transhistórica que foi
desvirtuada e negada pelo capitalismo, e que portanto, deveríamos ainda
realizar positivamente). Só poderemos falar então de "ontologia" no
sentido negativo, isto é, da realização do que é falso: o trabalho constitui, é
verdade, assim como a mercadoria, uma determinação social da existência -
plenamente histórica. Por outro lado, o impulso histórico coercitivo do
trabalho para criar mais-valia desenvolveu gigantescamente as forças produtivas
enquanto riqueza material potencial da humanidade. Nos Grundrisse, Marx
escreve: "o trabalho já não aparece incluído no processo de produção,
mas o homem se apresenta como guardião e regulador desse mesmo processo"...
e isso abalaria e levaria ao abismo a "lei" do valor: "com
esta transformação nem o tempo de trabalho utilizado nem o trabalho imediato
efetuado pelo homem aparecem já como o principal fundamento da produção de
riqueza". O processo de produção social deixa, portanto, de ser um
processo de trabalho ! É por isso que Marx pressupunha, ainda nos Grundrisse,
que a "verdadeira riqueza social" consistiria em "tempo
disponível" (com redução e eliminação do trabalho) para o
"desenvolvimento livre das individualidades". Já na versão do
marxismo baseado na ontologia do trabalho, pelo contrário, a "lei do
valor" é tomada como intacta, como fonte transhistórica do valor e da
riqueza material, sem comportar negações e por isso, como algo
"objetivo" e "necessário", senão natural. Então a
"crise" vai para debaixo do tapete, como fenômeno "grave"
mas passageiro, e ninguém já quer discutir a gigantesca bolha de capital
fictício ou o endividamento sistêmico geral como mais uma negação do valor,
como índice da inviabilidade estrutural da produção em diversos setores que
exigem investimentos cada vez maiores (dado o nível de produtividade e
rentabilidade impostos socialmente no mundo globalizado) sob riscos de falência
também crescentes que se manifesta desde empresas, regiões, países até
continentes. Ao contrário, esperam ansiosamente um retorno à antiga
situação - um novo ciclo de expansão do capitalismo no centro e na periferia -
quando a bolha viria a se inverter em novos investimentos (que teriam de ser)
produtivos (a "nova economia"), com reversão do desemprego etc. Como
vimos, isto é negado pelo Manifesto Contra o Trabalho. Esta é a porta de acesso
para os outros temas.
Visto por um
certo ângulo, este Manifesto é uma crítica interna do tema hegeliano, tal como
interpretado pelo jovem Marx, da experiência formativa e da autoprodução do
Homem pelo trabalho (e por isso do sujeito com "consciência
revolucionária"), pois este foi pensado, a partir do modelo do trabalho
artesanal das cidades pré-modernas, como essência transhistórica (isto é,
atravessando toda a história). Mas, não se pode separar o trabalho concreto do
trabalho abstrato para salvar o primeiro: ambos tornam-se idênticos, ou seja,
termos opostos em determinação recíproca. Isto é, o trabalho concreto
(qualitativo) não é apenas materialmente abstraído sob a forma quantitativa do
valor e do dinheiro (trabalho abstrato), mas também "reduzido
realmente" (Marx) a "trabalho simples", dilacerado, sem sentido,
separado dos fins sociais sensíveis. O qualitativo já é abstrato, isto é, tende
a ganhar uma forma adequada à abstração: é quando se completa a subsunção real
do trabalho ao capital. E mesmo hoje, o tão afamado "trabalho
complexo" do pós-fordismo está longe de "transformar os homens em
poetas" e "formar consciência". Ao contrário, tende-se à
reprodução a enésima potência do mero sujeito ganhador de dinheiro e a perda de
referências coletivas oriundas da fábrica é apenas a conseqüência disso. Mas
seria preciso pensar, então, em toda a degradação do contexto social enquanto
possibilidade objetiva abortada de formação (Bildung): da cidade
estilhaçada pelo capital rentista até a escola burocratizada, da ciência
instrumental até a indústria cultural (e a idéia prefigurada já por Adorno de
"semi-formação") e o renascimento do misticismo religioso. O que,
desde pelo menos o jovem Lukács, se impõe para análise, é a potência do
fetichismo do "trabalho realmente existente", e no caso de Lukács
isto teve como conseqüência sua tomada de posição política
"ortodoxa", em última instância, a favor do partido de tipo
leninista, que "porta a consciência de classe" e a leva "de fora"
para o proletariado "malformado". Agora bem, no limite, vai ficando
impossibilitado, num processo histórico e geográfico desigual, qualquer
trabalho produtivo (e experiência formativa), substituídos pela simulação de
trabalho e riqueza via capitalismo de cassino (dinheiro sem substância real) e
pseudo-ocupações produtivas ! Portanto, a "formação pelo trabalho" há
muito colocou-se num impasse: "Trabalho forma a personalidade. É
verdade. Isto é, a personalidade de zumbis da produção de mercadorias, que não
conseguem mais imaginar a vida fora de sua Roda-Viva calorosamente amada, para
a qual eles próprios se preparam diariamente", diz o Manifesto.
Neste
sentido, refazendo sua genealogia, "trabalho" é um conceito que
mascara sua constituição na experiência burguesa, protestante e iluminista do
mundo - o ethos de dominação da natureza (e do feminino, do de cor, do
estrangeiro etc.) - do homem branco, viril, maníaco pela atividade, que tende a
perder a capacidade da própria experiência da diferença e da qualidade. E é
preciso reler a história a contrapelo desvendando o poder de sua imposição. Foi
o caminho da razão subjetiva ou instrumental, que tende a transformar o mundo
em sua coisa. Foi a extensão de um modo de produção, de um modo de agir e
pensar abstrato de acordo com fins irrefletidos, a todos os momentos da vida: o
social, a vida doméstica, a "cultura", o "tempo livre",
esferas separadas são anexadas e colonizadas pelo totalitarismo do trabalho,
não estão mais intactas. Eis o mundo da equivalência: o fetichismo implica na
produção de experiência (e consciência) social falsa - sob o império do modelo
do trabalho. E seu campo de aparição é o espetáculo da vida cotidiana
moderna, a "vida danificada" (Adorno). Assim, ao invés do proletário
"consciente de sua negatividade", eis o homem-mônada, isolado
socialmente, que vive as situações segundo padrões de utilidade, eficiência e
competição, orgulhoso de "ocupar" um "posto de trabalho",
vendo nos outros só a chance de trocar coisas ou de ganhar mais dinheiro, feliz
em poder comprar mercadorias e patriota enquanto "luta" por políticas
nacionais agressivas e pelo "direito ao trabalho" para seus
conterrâneos. O próprio movimento operário quer "libertar o
trabalho" e não "libertar do trabalho". Positiva-se
assim, uma vez mais, o alicerce liberal de "apropriação conforme o
trabalho", a base do direito natural e da equivalência geral. Ou seja,
afirma-se sorrateiramente o valor-trabalho, máscara invisível do sujeito
proprietário burguês, que, enfim, ainda calcula sua atividade, seu
"esforço pessoal", para poder trocar com um outro. A crítica do
"ponto de vista do trabalhador", reclama somente que esta condição é
uma "ideologia burguesa": o burguês não trabalha, mas explora e
acumula, logo todos deveriam trabalhar, ganhar "salário justo" etc.,
como se uma sociedade de "troca justa" não fosse já fetichista, ou
simplesmente fosse possível (sem conter sempre em germe o capital) !
Em Crítica
ao Programa de Gotha, Marx antevia no interior do movimento que se queria
emancipatório, a reprodução do direito burguês e do Estado, baseado na permuta
e na equivalência geral. Em contraponto a isso, a condição para o comunismo
era, então, a realização do lema: "a cada um segundo suas
necessidades", isto é, a não-submissão da possibilidade de participação do
indivíduo na sociedade ao cálculo, hoje tornado obsoleto, do trabalho
individual, lema contra a definição absolutista do trabalho como centro da vida
social. Como possibilidade aberta após séculos de uma sociedade do trabalho,
temos uma virtual sociabilidade das diferenças em que o indivíduo, finalmente,
se reconciliaria com a sociedade, sem adequação forçada, isto é, sem ser
subsumido à sociedade totalizada, como coisa ameaçadora. Ele se realizaria, de
fato, como o diferente sem a coerção da identidade. Agora bem, a experiência
social do trabalho é falsa pois indigna de seu conceito, pois neste queria
transcender o que simplesmente já existe, não ser uma prática dominada por
padrões alienados, queria, digamos assim, formar o homem consciente e
livre, "universal" em suas diferenças.
Neste
sentido, surge o diagnóstico do "colapso da modernização"(Kurz),
subentendido como o da formação, em amplo sentido: o capitalismo não
consegue efetivamente cumprir seus ideais de formação de liberdade, igualdade e
solidariedade, nem mesmo seus materiais (abstratos). Como Marx desvenda, há um
período em que as forças produtivas tornam-se destrutivas caso mantidas as
mesmas instituições e relações sociais que as coordenam. Contudo, ao invés do
momento da consciência disso, isto é, o desvendar das ideologias e a
transformação destas relações, a práxis torna-se materialista vulgar, ela mesma
a ideologia: a seleção "histórico-natural" dos mais aptos na
concorrência, o trabalho como único meio de sobreviver, sua extensão, através
da tutela do Estado, para todos os membros da sociedade, inflacionado para
todos os momentos da vida ! A luta de classes mostra-se emperrada e em seus
limites, pois dependeu o tempo todo da "forma-sujeito". O costume e a
vontade cega de uma falsa maioria, que quer ver o mundo meramente funcionar,
sem perguntar pelo sentido, passam como verdade. Aqui, o fetichismo alcança sua
realização máxima, na mera aceitação do curso realmente autônomo das coisas,
identificando esta relação anacrônica como verdadeira e natural. Se no passado
de acumulação primitiva, quando então "transformados em vagabundos",
o povo expropriado teve de ser, não sem resistência, "enquadrado por
leis grotescas e terroristas numa disciplina necessária ao sistema de trabalho"
(Marx, O capital), hoje estas leis tornam-se desnecessárias. A própria
formação prática - a "educação", a "tradição" e
o "costume" de uma classe trabalhadora - dora a pílula do
"trabalho forçado" (Marx). Evidencia-se aqui, enfim, os limites
de uma subjetividade formada no interior dessa "Roda-Viva do fim em
si mesmo" - subjetividade que clama hoje, em queda no abismo da pura
sobrevivência, mais e mais justamente por mais trabalho - o que coloca, enfim,
a aporia da emancipação.
Se a crítica
tem de ser interna, ela parte do reconhecimento da contradição social que é
tanto o coração lógico do sistema como a sua própria condição de possibilidade
histórica como crítica. Auto-contradição que não deve ser confundida com a
simples e má imediaticidade de conflitos sociais ou da luta de interesses
classistas, mas desvendada no movimento negativo da acumulação e da
concorrência do capital, através da posição e da negação do tempo de trabalho
como medida do valor. Reconhecer, portanto, a possibilidade aberta pelas forças
produtivas da microeletrônica, da sua junção no espaço urbano etc., na
liberação de uma reprodução da vida para além desta forma de relação social
obsoleta, nas brechas abertas pelo mercado em crise, através do uso
social consciente das forças produtivas cada vez mais paralisadas pela lei
da rentabilidade e da concorrência: terras, máquinas, galpões, conhecimento
técnico etc.
Contudo, tal
crítica tem, partindo dessa imanência, um momento interno-externo não
capturado - o da não-identidade - quando descrê que o Conceito tenha a medida
do Real, que o Capital como "Sujeito" e "Totalidade" tenha
a racionalidade que ele de fato não tem. O que implica também em desmitificar
criticamente todo a priori e toda identidade (posta ou em devir) das
"filosofias do sujeito": tanto o da superação automática do sistema,
por inércia ou pretenso destino mítico (note-se contudo que afirmar o
"colapso do sistema" ainda não é afirmar a superação do
sistema), como aquele da "classe operária" predestinada e
"portadora da dialética"; vale dizer, implica em historicizar a
própria dialética e não torná-la ontológica ou movida por termos
antropológicos, ou ainda ancorada em meros "sujeitos" realmente
existentes (como simples luta de classes). Neste sentido, para que o melhor
possível não se perca, a crítica dialética se conserva negativa.
Porém, há
pistas para se pensar, embora o Manifesto não aprofunde, que a questão não é de
mera consciência ("teórica" ou de classe e formas básicas atreladas,
revolução etc.), mas da criação de um amplo contexto material de reprodução
não-mercantil da vida comunicativamente organizado, isto é, uma produção social
baseada no acordo mútuo consciente (ninguém mais é simples "mão-de-obra
empregada"), contexto ele mesmo criador de "consciência" através
da interação social. Só daqui surge a possibilidade de reavaliar profundamente
as necessidades humanas e o uso do tempo e do espaço sociais (até hoje formados
de modo "irrefletido" no valor de uso capitalista). Obviamente, a
superação do trabalho não seria a eliminação do intercâmbio entre os homens e a
natureza. Porém, este não se daria mais por mediações abstratas herdadas que
eles próprios não escolheram. Aqui, apenas indica-se a chance de reatar, numa
práxis escorada em outra matriz de racionalidade (uma "razão
sensível" diz Kurz), o processo histórico com a velha idéia da experiência
formativa que visava à superação da "pré-história" do homem (Marx).
Abre-se
então a discussão das estratégias (sem "ativismo cego") para
"formas embrionárias" de emancipação social (que podem nascer como
cooperativas autogestionárias de educação, moradia, saúde, alimentação etc.)
"lutarem" - "antieconômica e antipoliticamente" -
contra a força sugadora do redemoinho da imanência do Capital e do Estado. As
lutas defensivas dos trabalhadores, ainda internas ao sistema, não deveriam ser
descartadas, mas interligadas num movimento de recusa do trabalho. O que joga
luz na ação daqueles que lutam, sem refletir, pela "inclusão social".
Em certo sentido, todos já estão "incluídos". O que se impõe agora,
de acordo com a melhor e mais "alta possibilidade" (Hegel, Ciência
da Lógica), é a auto-exclusão.
Além do
mais, resta a discussão sobre as possibilidades de reprodução social da
valorização e das relações sociais, cujo nó górdio, é o trabalho: embora cada
vez mais falhas, agora ameaçam, por isso mesmo talvez, para compensar sua
debilidade, provocar muito mais sofrimento aos homens, sob a forma da
precariedade e da inclusão ainda mais perversa, da simulação de trabalho, da
ficcionalização financeira e da violência total. Neste ponto em que estamos,
não criticar o trabalho é legitimá-lo como "segunda natureza",
aceitar o "protótipo da coação como se fosse a liberdade"
(Adorno, Três estudos sobre Hegel).
Manifesto contra
o Trabalho
1. O domínio do trabalho morto
Um cadáver domina a sociedade – o cadáver do trabalho. Todos os poderes
ao redor do globo uniram-se para a defesa deste domínio: o Papa e o Banco
Mundial, Tony Blair e Jörg Haider, sindicatos e empresários, ecologistas
alemães e socialistas franceses. Todos eles só conhecem um lema: trabalho,
trabalho, trabalho !
Os que ainda não desaprenderam a pensar reconhecem facilmente que esta
postura é infundada. Pois a sociedade dominada pelo trabalho não passa por uma
simples crise passageira, mas alcançou seu limite absoluto. A produção de
riqueza desvincula-se cada vez mais, na seqüência da revolução microeletrônica,
do uso de força de trabalho humano – numa escala que há poucas décadas só
poderia ser imaginada como ficção científica. Ninguém poderá afirmar seriamente
que este processo pode ser freado ou, até mesmo, invertido. A venda da
mercadoria força de trabalho será no século XXI tão promissora quanto a venda
de carruagens de correio no século XX. Quem, nesta sociedade, não consegue
vender sua força de trabalho é considerado "supérfluo" e é jogado no
aterro sanitário social.
Quem não trabalha, não deve comer ! Este fundamento cínico vale ainda
hoje – e agora mais do que nunca, exatamente porque tornou-se desesperançosamente
obsoleto. É um absurdo: a sociedade nunca foi tanto sociedade do trabalho como
nesta época em que o trabalho se faz supérfluo. Exatamente na sua fase
terminal, o trabalho revela, claramente, seu poder totalitário, que não tolera
outro deus ao seu lado. Até nos poros do cotidiano e nos íntimos da psique, o
trabalho determina o pensar e o agir. Não se poupa nenhum esforço para
prorrogar artificialmente a vida do deus-trabalho. O grito paranóico por
"emprego" justifica até mesmo acelerar a destruição dos fundamentos
naturais, já há muito tempo reconhecida. Os últimos impedimentos para a
comercialização generalizada de todas as relações sociais podem ser eliminados
sem crítica, quando é colocada em perspectiva a criação de alguns poucos e
miseráveis "postos de trabalho". E a frase, seria melhor ter
"qualquer" trabalho do que nenhum, tornou-se a profissão de fé
exigida de modo geral.
Quanto mais fica claro que a sociedade do trabalho chegou a seu fim
definitivo, tanto mais violentamente este fim é reprimido na consciência da
opinião pública. Os métodos desta repressão psicológica, mesmo sendo muito
diferentes, têm um denominador comum: o fato mundial de o trabalho ter
demonstrado seu fim em si mesmo irracional, que se tornou obsoleto. Este fato
vem redefinindo-se com obstinação em um sistema maníaco de fracasso pessoal ou
coletivo, tanto de indivíduos quanto de empresas ou "localizações". A
barreira objetiva ao trabalho deve aparecer como um problema subjetivo daqueles
que caíram fora do sistema.
Para uns, o desemprego é produto de exigências exageradas, falta de
disponibilidade, aplicação e flexibilidade dos desempregados, enquanto outros
acusam os "seus" executivos e políticos de incapacidade, corrupção,
ganância ou traição do interesse local. Mas enfim, todos concordam com o
ex-presidente alemão Roman Herzog: precisa-se de uma "sacudidela",
como se o problema fosse semelhante ao de motivação de um time de futebol ou de
uma seita política. Todos têm, "de alguma maneira", que mandar brasa,
mesmo que brasa não haja mais, e todos têm, "de alguma maneira", que
pôr mãos à obra com toda vigor, mesmo que não haja nenhuma obra a ser feita, ou
somente obras sem sentido. As entrelinhas dessa mensagem infeliz deixam muito
claro: quem, apesar disso, não desfruta da misericórdia do deus-trabalho, é por
si mesmo culpado e pode ser excluído, ou até mesmo descartado, com boa
consciência.
A mesma lei do sacrifício humano vale em escala mundial. Um país após o
outro é triturado sob as rodas do totalitarismo econômico, o que comprova
sempre a mesma coisa: não atendeu às assim chamadas leis do mercado. Quem não
se "adapta" incondicionalmente ao percurso cego da concorrência
total, não levando em consideração qualquer perda, é penalizado pela lógica da
rentabilidade. Os portadores de esperança de hoje são o ferro-velho econômico
de amanhã. Os psicóticos econômicos dominantes não se deixam perturbar em suas
explicações bizarras do mundo. Aproximadamente três quartos da população
mundial já foram declarados como lixo social. Uma "localização" após
a outra cai no abismo. Depois dos desastrosos países "em
desenvolvimento" do Hemisfério Sul e após o departamento do capitalismo de
Estado da sociedade mundial de trabalho no Leste, também os discípulos
exemplares da economia de mercado no Sudeste Asiático desapareceram no orco do
colapso. Também na Europa se espalha há muito tempo o pânico social. Os
cavaleiros da triste figura da política e do gerenciamento continuam em sua
cruzada ainda mais ferrenha em nome do deus-trabalho.
"Cada um deve poder viver de seu trabalho: é o principio posto.
Assim, o poder-viver é determinado pelo trabalho e não há nenhuma lei onde esta
condição não foi realizada. " Johann Gottieb Fichte, Fundamentos do
Direito Natural segundo os Princípios da Doutrina-da-Ciência 1797.
2. A Sociedade Neoliberal de
Apartheid
Uma sociedade centralizada na abstrata irracionalidade do trabalho
desenvolve, obrigatoriamente, a tendência ao apartheid social quando o êxito da
venda da mercadoria "força de trabalho" deixa de ser a regra e passa
a exceção. Todas as facções do campo de trabalho, trespassando todos os
partidos, já aceitaram dissimuladamente essa lógica e ainda a reforçam. Eles
não brigam mais sobre se cada vez mais pessoas são empurradas para o abismo e
excluídas da participação social, mas apenas sobre como impor a seleção.
A facção neoliberal deixa, confiantemente, o negócio sujo e
social-darwinista na "mão invisível" do mercado. Neste sentido, estão
sendo desmontadas as redes sócio-estatais para marginalizar, de preferência sem
ruído, todos aqueles que não conseguem se manter na concorrência. Só são
reconhecidos como seres humanos os que pertencem à irmandade dos ganhadores
globais com seus sorrisos cínicos. Todos os recursos do planeta são usurpados
sem hesitação para a máquina capitalista do fim em si mesmo. Se esses recursos
não são mobilizados de uma maneira rentável eles ficam em "pousio",
mesmo quando, ao lado, grandes populações morrem de fome.
O incômodo do "lixo humano" fica sob a competência da polícia,
das seitas religiosas de salvação, da máfia e dos sopões para pobres. Nos
Estados Unidos e na maioria dos países da Europa Central, já existem mais
pessoas na prisão do que na média das ditaduras militares. Na América Latina,
são assassinadas diariamente mais crianças de rua e outros pobres pelo
esquadrão da morte da economia de mercado do que oposicionistas nos tempos da
pior repressão política. Aos excluídos só resta uma função social: a de ser um
exemplo aterrorizante. O destino deles deve incentivar a todos os que ainda
fazem parte da corrida de "peregrinação a Jerusalém" da sociedade do
trabalho na luta pelos últimos lugares. Este exemplo deve ainda incitar às
massas de perdedores a manterem-se em movimento apressado, para que não tenham
a idéia de se revoltarem contra as vergonhosas imposições.
Mas, mesmo pagando o preço da auto-resignação, o admirável mundo novo da
economia de mercado totalitária deixou para a maioria das pessoas apenas um
lugar, como homens submersos numa economia submersa. Submissos aos ganhadores
bem remunerados da globalização, eles têm de ganhar sua vida como trabalhadores
ultra baratos e escravos democratas na "sociedade de prestação de
serviços". Os novos "pobres que trabalham" têm o direito de
engraxar o sapato dos businessmen da sociedade do trabalho ou de vender-lhes
hambúrguer contaminado, ou então, de vigiar o seu shopping center. Quem deixou
seu cérebro na chapeleira da entrada até pode sonhar com uma ascensão ao posto
de milionário prestador de serviços.
Nos países anglo-saxônicos, este mundo de horror já é realidade para
milhões, no Terceiro Mundo e na Europa do Leste, nem se fala; e o continente do
euro mostra-se decidido a superar, rapidamente, esse atraso. As gazetas
econômicas não fazem mais nenhum segredo sobre como imaginam o futuro ideal do
trabalho: as crianças do Terceiro Mundo, que limpam os pára-brisas dos
automóveis nos cruzamentos poluídos, são o modelo brilhante da "iniciativa
privada", que deveria servir de exemplo para os desempregados do deserto
europeu da prestação de serviço. "O modelo para o futuro é o indivíduo
como empresário de sua força de trabalho e de sua própria previdência
social", escreve a "Comissão para o Futuro dos Estados Livres da
Baviera e da Saxônia". E ainda: "a demanda por serviços pessoais
simples é tanto maior quanto menos custam, isto é, quanto menos ganham os
prestadores de serviço". Num mundo em que ainda existisse auto-estima
humana, uma frase deste tipo deveria provocar uma revolta social. Porém, num
mundo de animais de trabalho domesticados, ela apenas provoca um resignado
balançar de cabeça.
"O gatuno destruiu o trabalho e, apesar disso, tirou o salário de um
trabalhador: agora, deve trabalhar sem salário, mas, mesmo no cárcere, deve
pressentir a benção do êxito e do ganho(..) Ele deve ser educado para o
trabalho moral enquanto um ato pessoal livre através do trabalho forçado."
Wilhelm Heinrich Riehl,
O trabalho alemão, 1861
3. O Apartheid do Neo-Estado
Social
As facções antineoliberais do campo de trabalho social podem não gostar
muito desta perspectiva, mas exatamente para elas está definitivamente
confirmado que um ser humano sem trabalho não é um ser humano. Fixados
nostalgicamente no período pós-guerra fordista de trabalho em massa, eles não
pensam em outra coisa a não ser em revitalizar os tempos passados da sociedade
do trabalho. O Estado deveria endireitar o que o mercado não consegue mais. A
aparente normalidade da sociedade do trabalho deve ser simulada através de
"programas de ocupação", trabalhos comunitários obrigatórios para
pessoas que recebem auxílio social, subvenções de localizações, endividamento
estatal e outras medidas públicas. Este estatismo de trabalho, agora requentado
e hesitante, não tem a menor chance, mas continua como o ponto de referência
ideológico para amplas camadas populacionais ameaçadas pela queda. Exatamente
nesta total ausência de esperança, a práxis que resulta disso é tudo menos
emancipatória.
A metamorfose ideológica do "trabalho escasso" em primeiro
direito da cidadania exclui necessariamente todos os não-cidadãos. A lógica de
seleção social não está sendo posta em questão, mas só redefinida de uma outra
maneira: a luta pela sobrevivência individual deve ser amenizada por critérios
étnico-nacionalistas. "Roda-Viva do trabalho nacional só para nativos"
clama a alma popular que, no seu amor perverso pelo trabalho, encontra mais uma
vez a comunidade nacional. O populismo de direita não esconde essa conclusão
necessária. Na sociedade de concorrência, sua crítica leva apenas à limpeza
étnica das áreas que encolhem em termos de riqueza capitalista.
Em oposição a isso, o nacionalismo moderado de cunho social-democrata ou
verde quer aceitar os antigos trabalhadores imigrantes como se fossem do país,
e, quando estes se comportam bem, de maneira reverente e inofensiva, fazê-los
cidadãos. Mas a acentuada e reforçada rejeição de refugiados do Leste e do Sul
pode, assim, ser legitimada de uma forma mais populista e silenciosa – o que
fica, obviamente, sempre escondido por trás de um palavrório de humanidade e
civilidade. A caça aos "ilegais", que pleiteiam postos de trabalho
nacionais, não deve deixar, se possível, nenhuma mancha indigna de sangue e
fogo em solo europeu. Para isso existe a polícia, a fiscalização militar de
fronteira e os países tampões da "Schengenlândia", que resolvem tudo
conforme o direito e a lei e, de preferência, longe das câmeras de televisão.
A simulação estatal de trabalho é, por princípio, violenta e repressiva.
Ela significa a manutenção da vontade de domínio incondicional do deus-trabalho,
com todos os meios disponíveis, mesmo após sua morte. Este fanatismo
burocrático de trabalho não deixa em paz nem os que caíram fora – os
sem-trabalho e sem-chances – nem todos aqueles que com boas razões rejeitam o
trabalho, nos seus já horrivelmente apertados nichos do demolido Estado Social.
Eles são arrastados para os holofotes do interrogatório estatal por assistentes
sociais e agenciadoras do trabalho e são obrigados a prestar uma reverência
pública perante o trono do cadáver-rei.
Se na justiça normalmente vigora o princípio "em dúvida, a favor do
réu", agora isso se inverteu. Se os que caíram fora futuramente não
quiserem viver de ar ou de caridade cristã, precisam aceitar qualquer trabalho
sujo ou de escravo e qualquer programa de "ocupação", mesmo o mais
absurdo, para demonstrar a sua disposição incondicional para com o trabalho. Se
aquilo que eles devem fazer tem ou não algum sentido, ou é o maior absurdo, de
modo algum interessa. O que importa é que eles fiquem em movimento permanente
para que nunca esqueçam a que lei obedece sua existência.
Outrora, os homens trabalhavam para ganhar dinheiro. Hoje, o Estado não
poupa gastos e custos para que centenas de milhares de pessoas simulem
trabalhos em estranhas "oficinas de treinamento" ou "empresas de
ocupação", para que fiquem em forma para "postos de trabalho
regulares" que nunca ocuparão. Inventam-se cada vez mais novas e mais
estúpidas "medidas" só para manter a aparência da roda-viva do
trabalho social que gira em falso funcionando ad infinitum. Quanto menos
sentido tem a coerção do trabalho, mais brutalmente inculca-se nos cérebros
humanos que não haverá mais nenhum pãozinho de graça.
Neste sentido, o "New Labour" e todos os seus imitadores
demonstram-se, em todo o mundo, inteiramente compatíveis com o modelo
neoliberal de seleção social. Pela simulação de "ocupação" e pelo
fingimento de um futuro positivo da sociedade do trabalho, cria-se a
legitimação moral para tratar de uma maneira mais dura os desempregados e os
que recusam trabalho. Ao mesmo tempo, a coerção estatal de trabalho, as
subvenções salariais e os trabalhos assim chamados "cívicos e
honoríficos" reduzem cada vez mais os custos de trabalho. Desta maneira,
incentiva-se maciçamente o setor canceroso de salários baixos e trabalhos
miseráveis.
A assim chamada política ativa do trabalho, segundo o modelo do "New
Labour", não poupa nem mesmo doentes crônicos e mães solteiras com
crianças pequenas. Quem recebe auxílio estatal só se livra do estrangulamento
institucional quando pendura a plaquinha prateada no dedão do pé. O único
sentido desta impertinência está em evitar-se o máximo possível que pessoas
façam qualquer solicitação ao Estado e, ao mesmo tempo, demonstrar aos que
caíram fora que, diante de tais instrumentos terríveis de tortura, qualquer
trabalho miserável parece agradável.
Oficialmente, o Estado paternalista só chicoteia por amor, com intenção
de educar severamente os seus filhos que foram denunciados como
"preguiçosos", em nome de seu próprio progresso. Na realidade, essas
medidas "pedagógicas" só têm como objetivo afastar os fregueses de
sua porta. Qual seria o sentido de obrigar os desempregados a trabalharem na
colheita de aspargos? O sentido é afastar os trabalhadores sazonais poloneses,
que só aceitam os salários de fome dadas as relações cambiais, que os
transformam em um pagamento aceitável. Mas, aos trabalhadores forçados essa
medida é inútil e tampouco abre qualquer "perspectiva" profissional.
E mesmo para os produtores de aspargos, os acadêmicos mal-humorados e os trabalhadores
qualificados que lhes são enviados só significam um estorvo. Mas, se após a
jornada de doze horas nos campos alemães, de repente aparecer sob uma luz mais
agradável a idéia maluca de ter, por desespero, um carrinho de cachorro-quente,
então a "ajuda para a flexibilização" demonstrou seu efeito
neobritânico desejável.
"Qualquer emprego é melhor do que
nenhum"
Bill
Clinton. 1998
"Nenhum emprego é tão duro como
nenhum”
Lema de uma exposição de cartazes da Divisão
de Coordenação Federal da iniciativa dos Desempregados da Alemanha. 1998
"Trabalho civil deve ser gratificado e não remunerado... mas quem
atua no trabalho civil também perde a mácula do desemprego da recepção de
auxilio social".
Ulrich
Beck - A alma da democracia. 1997
4. O agravamento e o desmentido da
religião do trabalho
O novo fanatismo do trabalho, com o qual esta sociedade reage à morte de
seu deus, é a continuação lógica e a etapa final de uma longa história. Desde
os dias da Reforma, todas as forças basilares da modernização ocidental
pregaram a santidade do trabalho. Principalmente durante os últimos 150 anos,
todas as teorias sociais e correntes políticas estavam possuídas, por assim
dizer, pela idéia do trabalho. Socialistas e conservadores, democratas e
fascistas combateram até a última gota de sangue, mas, apesar de toda a
animosidade, sempre levaram, em conjunto, sacrifícios ao altar do
deus-trabalho. "Afastai os ociosos", dizia o Hino Internacional do
Trabalho – e "o trabalho liberta" ecoava aterrorizantemente sobre os
portões de Auschwitz. As democracias pluralistas do pós-guerra se professaram
ainda mais a favor da ditadura eterna do trabalho. Mesmo a Constituição do
Estado da Baviera, arquicatólico, ensina aos seus cidadãos partindo do sentido
da tradição luterana: "o trabalho é a fonte do bem-estar do povo e está
sob proteção especial do Estado". No final do século XX, quase todas as
diferenças ideológicas desapareceram. Sobrou o dogma impiedoso segundo o qual o
trabalho é a determinação natural do homem.
Hoje, a própria realidade da sociedade do trabalho desmente este dogma.
Os sacerdotes da religião do trabalho sempre pregaram que o homem, por sua
suposta natureza, seria um "animal laborans". Somente se tornaria ser
humano na medida em que submetesse, como Prometeu, a matéria natural à sua
vontade, realizando-se através de seus produtos. Este mito de explorador do
mundo e demiurgo que tem sua vocação foi desde sempre um escárnio em relação ao
caráter do processo moderno de trabalho, embora na época dos
capitalistas-inventores, do tipo Siemens ou Edison e seus empregados
qualificados, tivesse ainda um substrato real. Hoje, este gesto é totalmente
absurdo.
Quem hoje ainda se pergunta pelo conteúdo, sentido ou fim de seu trabalho
torna-se louco – ou um fator de perturbação do funcionamento do fim em si da
máquina social. O "homo faber", antigamente orgulhoso de seu trabalho
e com seu jeito limitado levando a sério o que fazia, hoje é tão fora de moda
quanto a máquina de escrever mecânica. A Roda tem que girar de qualquer jeito, e
ponto final. Para a invenção de sentido são responsáveis os departamentos de
publicidade e exércitos inteiros de animadores e psicólogas de empresa,
consultores de imagem e traficantes de drogas. Onde se balbucia continuamente
um blablablá sobre motivação e criatividade, disso nada sobrou, a não ser
auto-engano. Por isso, contam hoje as habilidades de auto-sugestão,
auto-representação e simulação de competência como as virtudes mais importantes
de executivos e trabalhadoras especializadas, estrelas da mídia e
contabilistas, professoras e guardas de estacionamento.
Também a afirmação de que o trabalho seria uma necessidade eterna,
imposta ao homem pela natureza, tornou-se, na crise da sociedade do trabalho,
ridícula. Há séculos está sendo pregado que o deus-trabalho precisaria ser
adorado porque as necessidades não poderiam ser satisfeitas sozinhas, isto é,
sem o suor da contribuição humana. E o fim de todo este empreendimento de
trabalho seria a satisfação de necessidades. Se isto fosse verdade, a crítica ao
trabalho teria tanto sentido quanto a crítica da lei da gravidade. Pois, como
uma "lei natural" efetivamente real pode entrar em crise ou
desaparecer ? Os oradores do campo de trabalho social – da socialite engolidora
de caviar, neoliberal e maníaca por eficiência até o sindicalista
barriga-de-chope – ficam em maus lençóis com a sua pseudo-natureza do trabalho.
Afinal, como eles querem nos explicar que hoje três quartos da humanidade
estejam afundando no estado de calamidade e miséria somente porque o sistema
social de trabalho não precisa mais de seu trabalho ?
Não é mais a maldição do Velho Testamento – "comerás teu pão com o
suor da tua face" – que pesa sobre os que caíram fora, mas uma nova e
implacável condenação: "tu não comerás porque o teu suor é supérfluo e
invendável". E será isto uma lei natural ? Não é nada mais que o princípio
social irracional que aparece como coerção natural porque destruiu, ao longo
dos séculos, todas as outras formas de relação social ou as submeteu e se impôs
como absoluto. É a "lei natural" de uma sociedade que se considera
muito "racional", mas que, em verdade, apenas segue a racionalidade
funcional de seu deus-trabalho, a cujas "coerções objetivas" está
disposta a sacrificar o último resto de humanidade.
"Trabalho está, por mais baixo e mamonístico que seja, sempre em
relação com a natureza. Só desejo de executar trabalho já conduz cada vez mais
à verdade e às leis e prescrições da natureza, que são a verdade." Thomas Carlyle – Trabalhar e não desesperar,
1843
5. Trabalho é um princípio
coercitivo social
Trabalho não é, de modo algum, idêntico ao fato de que os homens
transformam a natureza e se relacionam através de suas atividades. Enquanto
houver homens, eles construirão casas, produzirão vestimentas, alimentos, tanto
quanto outras coisas, criarão filhos, escreverão livros, discutirão, cultivarão
hortas, farão música etc. Isto é banal e se entende por si mesmo. O que não é
óbvio é que a atividade humana em si, o puro "dispêndio de força de
trabalho", sem levar em consideração qualquer conteúdo e independente das
necessidades e da vontade dos envolvidos, torne-se um princípio abstrato, que
domina as relações sociais.
Nas antigas sociedades agrárias existiam as mais diversas formas de
domínio e de relações de dependência pessoal, mas nenhuma ditadura do
abstractum trabalho. As atividades na transformação da natureza e na relação
social não eram, de forma alguma, autodeterminadas, mas também não eram
subordinadas a um "dispêndio de força de trabalho" abstrato: ao
contrário, integradas no conjunto de um complexo mecanismo de normas
prescritivas religiosas, tradições sociais e culturais com compromissos mútuos.
Cada atividade tinha o seu tempo particular e seu lugar particular; não existia
uma forma de atividade abstrata e geral.
Somente o moderno sistema produtor de mercadorias criou, com seu fim em
si mesmo da transformação permanente de energia humana em dinheiro, uma esfera
particular, "dissociada" de todas as outras relações e abstraída de
qualquer conteúdo, a esfera do assim chamado trabalho – uma esfera da atividade
dependente incondicional, desconectada e robótica, separada do restante do
contexto social e obedecendo a uma abstrata racionalidade funcional de
"economia empresarial", para além das necessidades. Nesta esfera
separada da vida, o tempo deixa de ser tempo vivido e vivenciado; torna-se
simples matéria-prima que precisa ser otimizada: "tempo é dinheiro".
Cada segundo é calculado, cada ida ao banheiro torna-se um transtorno, cada
conversa é um crime contra o fim autonomizado da produção. Onde se trabalha,
apenas pode ser gasto energia abstrata. A vida se realiza em outro lugar, ou
não se realiza, porque o ritmo do tempo de trabalho reina sobre tudo. As
crianças já são domadas pelo relógio para terem algum dia "capacidade de
eficiência". As férias também só servem para a reprodução da "força
de trabalho". E mesmo na hora da refeição, na festa e no amor o ponteiro
dos segundos toca no fundo da cabeça.
Na esfera do trabalho não conta o que se faz, mas que se faça algo
enquanto tal, pois o trabalho é justamente um fim em si mesmo, na medida em que
é o suporte da valorização do capital-dinheiro – o aumento infinito de dinheiro
por si só. Trabalho é a forma de atividade deste fim em si mesmo absurdo. Só
por isso, e não por razões objetivas, todos os produtos são produzidos como
mercadorias. Pois somente nesta forma eles representam o abstractum dinheiro,
cujo conteúdo é o abstractum trabalho. Nisto consiste o mecanismo da Roda-Viva
social autonomizada, ao qual a humanidade moderna está presa.
E é justamente por isso que o conteúdo da produção é tão indiferente
quanto a utilização dos produtos e as conseqüências sociais e naturais. Se
casas são construídas ou campos minados produzidos, se livros são impressos, se
tomates transgênicos são cultivados, se pessoas adoecem, se o ar está poluído
ou se "apenas" o bom gosto é prejudicado – tudo isso não interessa. O
que interessa, de qualquer modo, é que a mercadoria possa ser transformada em
dinheiro e dinheiro em novo trabalho. Que a mercadoria exija um uso concreto, e
que seja ele mesmo destrutivo, não interessa à racionalidade da economia
empresarial, para ela o produto só é portador de trabalho pretérito, de
"trabalho morto".
A acumulação de "trabalho morto" como capital, representado na
forma-dinheiro, é o único "sentido" que o sistema produtor de
mercadorias conhece. "Trabalho morto"? Uma loucura metafísica ! Sim,
mas uma metafísica que se tornou realidade palpável, uma loucura
"objetivada" que a sociedade com mão férrea. No eterno comprar e
vender, os homens não intercambiam na condição de seres sociais conscientes,
mas apenas executam como autômatos sociais o fim em si mesmo preposto a eles.
"O trabalhador só se sente consigo mesmo fora do trabalho, enquanto
que no trabalho se sente fora de si Ele está em casa quando não trabalha,
quando trabalha não está em casa. Seu trabalho, por isso, não é voluntário, mas
constrangido, é trabalho forçado. Por isso, não é a satisfação de uma
necessidade, mas apenas um meio de satisfazer necessidades exteriores a ele
mesmo. A estranheza do trabalho revela sua forma pura no fato de que, desde que
não exista nenhuma coerção física ou outra qualquer; foge-se dele como se fosse
uma peste."
Karl Marx, Manuscritos
Económico-Filosóficos, 1844
6. Trabalho e capital são os dois
lados da mesma moeda
A esquerda política sempre adorou entusiasticamente o trabalho. Ela não
só elevou o trabalho à essência do homem, mas também mistificou-o como pretenso
contra-princípio do capital. O escândalo não era o trabalho, mas apenas a sua
exploração pelo capital. Por isso, o programa de todos os "partidos de
trabalhadores" foi sempre "libertar o trabalho" e não
"libertar do trabalho". A oposição social entre capital e trabalho é
apenas uma oposição de interesses diferenciados (é verdade que de poderes muito
diferenciados) internamente ao fim em si mesmo capitalista. A luta de classes
era a forma de execução desses interesses antagônicos no seio do fundamento
social comum do sistema produtor de mercadorias. Ela pertencia à dinâmica
interna da valorização do capital. Se se tratava de luta por salários,
direitos, condições de trabalho ou postos de trabalho: o pressuposto cego
continuava sempre sendo a Roda-Viva dominante com seus princípios irracionais.
Tanto do ponto de vista do trabalho quanto do capital, pouco importa o
conteúdo qualitativo da produção. O que interessa é apenas a possibilidade de
vender de forma otimizada a força de trabalho. Não se trata da determinação em
conjunto sobre o sentido e o fim da própria atividade. Se houve algum dia a
esperança de poder realizar uma tal autodeterminação da produção dentro das
formas do sistema produtor de mercadorias, hoje as "forças de
trabalho" já perderam, e há tempos, esta ilusão. Hoje interessa apenas o "posto
de trabalho", a "ocupação" – já esses conceitos comprovam o
caráter de fim em si mesmo de todo esse empreendimento e a menoridade dos
envolvidos.
O que, para que e com que conseqüências se produz, no fundo não
interessa, nem ao vendedor da mercadoria força de trabalho, nem ao comprador.
Os trabalhadores das usinas nucleares e das indústrias químicas protestam ainda
mais veementemente quando se pretende desativar as suas bombas-relógio. E os
"ocupados" da Volkswagen, Ford e Toyota são os defensores mais
fanáticos do programa suicida automobilístico. Não só porque eles precisam
obrigatoriamente se vender só para "poder" viver, mas porque eles se
identificam realmente com a sua existência limitada. Para sociólogos,
sindicalistas, sacerdotes e outros teólogos profissionais da "questão
social", este fato é a comprovação do valor ético-moral do trabalho.
Trabalho forma a personalidade. É verdade. Isto é, a personalidade de zumbis da
produção de mercadorias, que não conseguem mais imaginar a vida fora de sua Roda-Viva
fervorosamente amada, para a qual eles próprios se preparam diariamente.
Assim como não era a classe trabalhadora enquanto tal a contradição
antagônica ao capital e o sujeito da emancipação humana, assim também, por
outro lado, os capitalistas e executivos não dirigem a sociedade seguindo a
maldade de uma vontade subjetiva de explorador. Nenhuma casta dominante viveu,
em toda a história, uma vida tão miserável e não livre como os acossados
executivos da Microsoft, Daimler-Chrysler ou Sony. Qualquer senhorio medieval
teria desprezado profundamente essas pessoas. Pois, enquanto ele podia se
dedicar ao ócio e gastar sua riqueza em orgias, as elites da sociedade do
trabalho não podem se permitir nenhum intervalo. Mesmo fora da Roda-Viva, eles
não sabem fazer outra coisa consigo mesmos a não ser infantilizarem-se. Ócio,
prazer intelectual e sensual lhes são tão estranhos quanto o seu material
humano. Eles mesmos são servos do deus-trabalho, meras elites funcionais do fim
em si mesmo social irracional.
O deus dominante sabe impor sua vontade sem sujeito através da
"coerção silenciosa" da concorrência, à qual precisam se curvar
também os poderosos, sobretudo quando administram centenas de fábricas e
transferem somas milionárias pelo globo. Se eles não fizerem isso, são
colocados de lado do mesmo modo brutal como as "forças de trabalho"
supérfluas. Mas é justamente sua menoridade que faz com que os funcionários do
capital sejam tão incomensuravelmente perigosos, e não a sua vontade subjetiva
de exploração. Eles são quem têm menos direito de perguntar pelo sentido e
pelas conseqüências de suas atividades ininterruptas, não podem permitir a si
mesmos sentimentos nem considerações. Por isso eles falam de realismo quando
devastam o mundo, tornam as cidades cada vez mais feias e deixam os homens
empobrecerem no meio da riqueza.
"O trabalho tem cada vez mais a boa consciência ao seu lado: atualmente
a inclinação para a alegria chama-se ‘necessidade de recreação’ e começa a ter
vergonha de si mesma. ‘Deve-se fazer isto pela saúde’ assim se diz quando se é
surpreendido num passeio pelo campo. Pois logo poder-se-á chegar ao ponto em
que a gente não mais ceda a uma inclinação para a vida contemplativa (isto é, a
um passeio com pensamentos e amigos) sem má consciência e desprezo de si."
Friedrich Nietzsche,
Ócio e Ociosidade, 1882
7. Trabalho é domínio patriarcal
Mesmo que a lógica do trabalho e de sua metamorfose em matéria-dinheiro
insista, nem todas as esferas sociais e atividades necessárias deixam-se
embutir sob pressão na esfera do tempo abstrato. Por isso, surgiu junto com a
esfera "separada" do trabalho, de certa forma como seu avesso, também
a esfera privada doméstica, da família e da intimidade.
Nesta esfera definida como "feminina" restam as numerosas e
repetidas atividades da vida cotidiana que não podem ser, salvo
excepcionalmente, transformadas em dinheiro: da faxina à cozinha, passando pela
educação das crianças e a assistência aos idosos até o "trabalho de
amor" da dona de casa típica ideal, que reconstrói seu marido trabalhador
esgotado e que lhe permite "abastecer seus sentimentos". A esfera da
intimidade, como avesso do trabalho, é declarada pela ideologia burguesa da
família como o refúgio da "vida verdadeira" – mesmo se na realidade
ela é, antes, um inferno da intimidade. Trata-se justamente não de uma esfera
de vida melhor e verdadeira, mas de uma forma de existência tão reduzida quanto
limitada, só com os sinais invertidos. Essa esfera é ela própria um produto do
trabalho, cindida dele, mas só existente em relação a ele. Sem o espaço social
cindido das formas de atividade "femininas", a sociedade do trabalho
nunca poderia ter funcionado. Este espaço é seu pressuposto silencioso e ao
mesmo tempo seu resultado específico.
Isto vale também para os estereótipos sexuais que foram generalizados no
decorrer do desenvolvimento do sistema produtor de mercadorias. Não é por acaso
que se fortaleceu o preconceito em massa da imagem da mulher dirigida
irracional e emocionalmente, natural e impulsiva, juntamente com a imagem do homem
trabalhador, produtor de cultura, racional e autocontrolado. E também não é por
acaso que o auto-adestramento do homem branco para as exigências insolentes do
trabalho e para sua administração humana estatal foi acompanhado por seculares
e enfurecidas "caças às bruxas". Simultaneamente a estas, inicia-se a
apropriação do mundo pelas ciências naturais, desde já contaminadas em suas
raízes pelo fim em si mesmo da sociedade do trabalho e pelas atribuições de
gênero. Dessa maneira, o homem branco, para poder "funcionar" sem
atrito, expulsou de si mesmo todos os sentimentos e necessidades emocionais
que, no reino do trabalho, só contam como fatores de perturbação.
No século XX, em especial nas democracias fordistas do pós-guerra, as
mulheres foram cada vez mais integradas no sistema de trabalho, mas o resultado
disso foi apenas a consciência feminina esquizóide. Pois, de um lado, o avanço
das mulheres na esfera de trabalho não poderia trazer nenhuma libertação, mas
apenas o ajuste ao deus-trabalho, como entre os homens. De outro lado,
persistiu incólume a estrutura de "cisão", e assim também as esferas
das atividades ditas "femininas", externas ao trabalho oficial. As
mulheres foram submetidas, desta maneira, à carga dupla e, ao mesmo tempo,
expostas a imperativos sociais totalmente antagônicos. Dentro da esfera do
trabalho elas ficaram até hoje, na sua grande maioria, em posições mal pagas e
subalternas.
Nenhuma luta, inerente ao sistema, por cotas femininas de carreira e
oportunidades pode mudar alguma coisa disso. A visão burguesa miserável de
"unificação da profissão e família" deixa totalmente intocada a
separação de esferas do sistema produtor de mercadorias, e com isso também a
estrutura de "cisão" de gênero. Para a maioria das mulheres esta
perspectiva não é vivenciável, para a minoria daquelas que "ganham
melhor" ela torna-se uma posição pérfida de ganhador no apartheid social,
na medida em que pode-se delegar o trabalho doméstico e a criação dos filhos a
empregadas mal pagas (e "obviamente" femininas).
Na sociedade como um todo, a sagrada esfera burguesa da assim chamada
vida privada e de família é, na verdade, cada vez mais minada e degradada,
porque a usurpação da sociedade do trabalho exige da pessoa inteira o
sacrifício completo, a mobilidade e a adaptação temporal. O patriarcado não é
abolido, mas passa por um asselvajamento na crise inconfessa da sociedade do
trabalho. Na mesma medida em que o sistema produtor de mercadorias entra em
colapso, as mulheres tornam-se responsáveis pela sobrevivência em todos os
níveis, enquanto o mundo "masculino" prolonga simulativamente as
categorias da sociedade do trabalho.
"A humanidade teve que se submeter a terríveis provações até que se
formasse o eu, o carácter idêntico, eterminado e viril do homem, e toda infância
ainda é de certa forma a repetição disso". (Max Horkheimer & Theodor
W. Adorno, Dialéctica do Esclarecimento)
8. Trabalho é a atividade da
menoridade
Não só de fato, mas também conceitualmente, demonstra-se a identidade
entre trabalho e menoridade. Até há poucos séculos, os homens tinham
consciência do nexo entre trabalho e coerção social. Na maioria das línguas
européias, o termo "trabalho" relaciona-se originalmente apenas com a
atividade de uma pessoa juridicamente menor, do dependente, do servo ou do
escravo. Nos países de língua germânica, a palavra "Arbeit" significa
trabalho árduo de uma criança órfã e, por isso, serva. No latim,
"laborare" significava algo como o "cambalear do corpo sob uma
carga pesada", e em geral é usado para designar o sofrimento e o mau trato
do escravo. As palavras latinas "travail", "trabajo" etc.
derivam-se do latim, "tripalium", uma espécie de jugo utilizado para
a tortura e o castigo de escravos e outros não livres. A expressão idiomática
alemã – "jugo do trabalho" ("Joch der Arbeit") – ainda faz
lembrar este sentido.
"Trabalho", portanto, pela sua origem etimológica também não é
sinônimo de uma atividade humana autodeterminada, mas aponta para um destino
social infeliz. É a atividade daqueles que perderam sua liberdade. A ampliação
do trabalho a todos os membros da sociedade é, por isso, nada mais que a
generalização da dependência servil, e sua adoração moderna apenas a elevação
quase religiosa deste estado.
Esta relação pôde ser reprimida com êxito e a impertinência social
interiorizada, porque a generalização do trabalho foi acompanhada pela sua
"objetivação" por meio do moderno sistema produtor de mercadorias: a
maioria das pessoas não está mais sob o chicote de um senhor pessoal. A
dependência social tornou-se uma relação abstrata do sistema e, justamente por
isso, total. Ela pode ser sentida em todos os lugares, mas não é palpável.
Quando cada um tornou-se servo, tornou-se ao mesmo tempo senhor, o seu próprio
traficante de escravo e feitor. Todos obedecem ao deus invisível do sistema, o
"Grande Irmão" da valorização do capital, que os subjugou sob o
"tripalium".
9. A história sangrenta da
imposição do trabalho
A história da modernidade é a história da imposição do trabalho que
deixou seu rastro amplo de devastação e horror em todo o planeta. Nunca a
impertinência de gastar a maior parte de sua energia vital para um fim em si
mesmo determinado externamente foi tão interiorizada como hoje. Vários séculos
de violência aberta em grande escala foram precisos para torturar os homens a
fim de fazê-los prestar serviço incondicional ao deus-trabalho.
O início, ao contrário do que se diz comumente, não foi a ampliação das
relações de mercado com um conseqüente "crescimento do bem-estar",
mas sim a fome insaciável por dinheiro dos aparelhos do Estado absolutista,
para financiar as primeiras máquinas militares modernas. Somente pelo interesse
desses aparelhos, que pela primeira vez na história sufocaram toda uma
sociedade burocraticamente, acelerou-se o desenvolvimento do capital mercantil
e financeiro urbano, ultrapassando as formas comerciais tradicionais. Somente
desta maneira o dinheiro tornou-se o motivo social central, e o abstractum
trabalho uma exigência social central, sem levar em consideração as
necessidades.
Não foi voluntariamente que a maioria dos homens passou a uma produção
para mercados anônimos e assim a uma economia monetária generalizada, mas antes
porque a fome absolutista por dinheiro monetarizou os impostos, aumentando-os
simultaneamente de forma exorbitante. Eles não precisavam "ganhar
dinheiro" para si mesmos, mas sim para o militarizado Estado de armas de
fogo, protomoderno, para sua logística e sua burocracia. Assim, e não de outra
forma, nasceu o fim em si mesmo absurdo da valorização do capital e do trabalho.
Não demorou muito para que os impostos monetários e as taxas não fossem
mais suficientes. Os burocratas absolutistas e os administradores do capital
financeiro começaram a organizar coercitivamente os homens diretamente como
material de uma máquina social para a transformação de trabalho em dinheiro. O
modo tradicional de vida e de existência da população foi destruído; não porque
esta população estava se "desenvolvendo" voluntariamente e de maneira
autodeterminada, mas porque ela precisava servir como material humano para uma
máquina de valorização já acionada. Os homens foram expulsos de suas roças à
força de armas para dar lugar à criação de ovinos para as manufaturas de lã.
Direitos antigos como a liberdade de caça, pesca e coleta de lenha nas florestas
foram extintos. E quando as massas pauperizadas perambularam mendigando e
roubando pelo território, foram, então, internadas em casas de trabalho e
manufaturas para serem maltratadas com máquinas de tortura de trabalho e para
adquirirem a pauladas uma consciência de escravos, a fim de se tornarem animais
de trabalho obedientes.
Mas, também a transformação por etapas de seus vassalos em material do
deus-trabalho fazedor de dinheiro não foi suficiente para os Estados
absolutistas monstruosos. Eles ampliaram suas pretensões também a outros
continentes. A colonização interna da Europa foi acompanhada pela colonização
externa, primeiro nas duas Américas e em partes da África. Ali, os feitores do
trabalho perderam definitivamente seus pudores. Em campanhas militares de
roubo, destruição e extermínio sem precedentes, eles assaltaram os mundos
recentemente "descobertos" – lá as vítimas nem eram consideradas
seres humanos. Em sua aurora, o Poder europeu antropófago da sociedade do
trabalho definiu as culturas estrangeiras subjugadas como "selvagens"
e antropófagas.
Com isso, foi criada a lei de legitimação para eliminá-los ou
escravizá-los aos milhões. A escravidão em sentido literal, que nas economias
coloniais de plantation de matérias-primas ultrapassou em dimensões a
escravidão antiga, faz parte dos crimes fundadores do sistema produtor de
mercadorias. Ali foi utilizado em grande estilo, pela primeira vez, a
"destruição através do trabalho". Isso foi a segunda fundação da
sociedade do trabalho. Com os "selvagens", o homem branco, que já era
marcado pelo autodisciplinamento, podia liberar o ódio de si próprio reprimido
e seu complexo de inferioridade. Os "selvagens" equivaliam para eles
às "mulheres", isto é, semi-seres entre o homem e o animal,
primitivos e naturais. Immanuel Kant supunha, com precisão lógica, que o
babuíno saberia falar se quisesse, só não falava porque temia ser recrutado
para o trabalho.
Este raciocínio grotesco joga uma luz reveladora sobre o Iluminismo. O
ethos repressivo do trabalho da modernidade, que se baseou, em sua versão
protestante original, na misericórdia divina e, a partir do Iluminismo, na lei
natural, foi mascarado como "missão civilizatória". Cultura, neste
sentido, é submissão voluntária ao trabalho; e trabalho é masculino, branco e
"ocidental". O contrário, o não-humano, a natureza disforme e sem
cultura, é feminino, de cor e "exótico", portanto, a ser colocado sob
coerção. Numa palavra: o "universalismo" da sociedade do trabalho já
é totalmente racista desde sua raiz. O abstractum trabalho universal só pode se
autodefinir pelo distanciamento de tudo o que não está fundido a ele.
Não foram os pacíficos comerciantes das antigas rotas mercantis – de onde
nasceu a burguesia moderna que, finalmente, herdou o absolutismo – que formaram
o húmus social do "empresariado" moderno, mas sim os condottieri das
ordas mercenárias da protomodernidade, os administradores do trabalho e das
cadeias, os arrendatários do direito de coleta de impostos, os feitores de
escravos e os agiotas. As revoluções burguesas do século XVIII e XIX não têm
nenhuma relação com a emancipação; elas apenas reorganizaram as relações de
poder internamente ao sistema de coerção criado, separaram as instituições da
sociedade do trabalho dos interesses dinásticos ultrapassados e impulsionaram a
sua objetivação e despersonalização. Foi a gloriosa Revolução Francesa que
declarou com pathos específico o dever ao trabalho e introduziu, numa "lei
de eliminação da mendicância", novas prisões de trabalho.
Isto foi exatamente o contrário daquilo que pretendiam os movimentos
sociais rebeldes, que cintilaram à margem das revoluções burguesas sem a elas
se integrarem. Já muito antes, houve formas autônomas de resistência e rejeição
com as quais a historiografia oficial da sociedade do trabalho e da
modernização não soube como lidar. Os produtores das antigas sociedades
agrárias, que nunca concordaram completamente sem atritos com as relações de
poder feudais, não queriam, de modo algum, conformar-se como "classe
trabalhadora" de um sistema externo. Das guerras camponesas do século XV e
XVI, até os levantes posteriormente denunciados como Ludditas, ou destruidores
de máquinas, e a revolta dos tecelões da Silésia de 1844, ocorre uma seqüência
de lutas encarniçadas de resistência contra o trabalho. A imposição da
sociedade do trabalho e uma guerra civil – às vezes aberta, às vezes latente –
no decorrer dos séculos, foram idênticas.
As antigas sociedades agrárias eram tudo menos paradisíacas. Mas a
coerção monstruosa da invasão da sociedade do trabalho foi vivenciada, pela
maioria, como uma piora e como um "período de desespero". Com efeito,
apesar do estreitamento das relações, os homens ainda tinham algo a perder. O
que, na falsa consciência do mundo moderno aparece inventado como uma calamitosa
Idade Média de escuridão e praga foi, na realidade, o terror de sua própria
história. Nas culturas pré e não-capitalistas, dentro e fora da Europa, o tempo
de atividade de produção diária ou anual era muito mais reduzido do que hoje,
para os "ocupados" modernos em fábricas e escritórios. Aquela
produção estava longe de ser intensificada como na sociedade do trabalho, pois
estava permeada por uma nítida cultura de ócio e de "lentidão"
relativa. Excetuando-se catástrofes naturais, as necessidades básicas materiais
estavam muito mais asseguradas do que em muitos períodos da modernização, e
melhor também do que nas horríveis favelas do atual mundo em crise. Além disso,
o poder não entrava tanto nos poros como nas sociedades do trabalho totalmente
burocratizadas.
Por isso, a resistência contra o trabalho só poderia ser quebrada
militarmente. Até hoje, os ideólogos da sociedade do trabalho dissimulam,
afirmando que a cultura dos produtores pré-modernos não era
"desenvolvida", e que ela teria se afogado em seu próprio sangue. Os
atuais esclarecidos democratas do trabalho responsabilizam por essas
monstruosidades, preferencialmente, as "condições pré-democráticas"
de um passado soterrado, com o qual eles não teriam nada a ver. Eles não querem
admitir que a história terrorista originária da modernidade revela também a
essência da atual sociedade do trabalho. A administração burocrática do
trabalho e a integração estatal dos homens nas democracias industriais nunca
puderam negar suas origens absolutistas e coloniais. Sob a forma de objetivação
de uma relação impessoal do sistema, cresceu a administração repressiva dos
homens em nome do deus-trabalho, penetrando em todas as esferas da vida.
Exatamente hoje, na agonia do trabalho, sente-se novamente a mão férrea
burocrática, como nos primórdios da sociedade do trabalho. A administração do
trabalho revela-se como o sistema de coerção que sempre fora, na medida em que
organiza o apartheid social e procura banir, em vão, a crise através da
democrática escravidão estatal. De modo semelhante, o absurdo colonial regressa
na administração econômica coercitiva dos países seqüencialmente já arruinados
da periferia através do Fundo Monetário Internacional. Após a morte de seu
deus, a sociedade do trabalho relembra, em todos os aspectos, os métodos de
seus crimes de fundação, que, mesmo assim, não a salvarão.
"O bárbaro é preguiçoso e diferencia-se do homem culto na medida em
que fica mergulhado em seu embrutecimento, pois a formação prática consiste
justamente no hábito e na necessidade de ocupação". Georg W.F. Hegel, Princípios da Filosofia do Direito, 1821
"No fundo agora se sente... que um tal trabalho é a melhor polícia,
pois detém qualquer um e sabe impedir fortemente o desenvolvimento da razão, da
voluptuosidade e do desejo de independência. Pois ele faz despender
extraordinariamente muita força de nervos, e despoja esta força da reflexão, da
meditação, do sonhar, do inquietar-se, do amar e do odiar:" Friedrich Nietzsche, Os apologistas do
trabalho, 1881.
10. O movimento dos trabalhadores
era um movimento a favor do trabalho.
O clássico movimento dos trabalhadores, que viveu a sua ascensão somente
muito tempo depois do declínio das antigas revoltas sociais, não lutou mais
contra a impertinência do trabalho, mas desenvolveu uma verdadeira
hiperidentificação com o aparentemente inevitável. Ele só visava a
"direitos" e melhoramentos internos à sociedade do trabalho, cujas
coerções já tinha amplamente interiorizado. Em vez de criticar radicalmente a
transformação de energia em dinheiro como fim em si irracional, ele mesmo
assumiu "o ponto de vista do trabalho" e compreendeu a valorização
como um fato positivo e neutro.
Desta maneira, o movimento dos trabalhadores assumiu a herança do
absolutismo, do protestantismo e do Iluminismo burguês. A infelicidade do
trabalho tornou-se orgulho falso do trabalho, redefinindo como "direito
humano", o seu próprio adestramento enquanto material humano do deus
moderno. Os hilotas domesticados do trabalho viraram ideologicamente, por assim
dizer, o feitiço contra o feiticeiro, empenhando-se feito missionários para, de
um lado, reclamar o "direito ao trabalho" e, de outro, reivindicar o
"dever de trabalho para todos". A burguesia não foi combatida como
suporte funcional da sociedade do trabalho, mas ao contrário, insultada como
parasitária exatamente em nome do trabalho. Todos os membros da sociedade, sem
exceção, deveriam ser recrutados coercivamente pelos "exércitos de
trabalho".
O próprio movimento dos trabalhadores tornou-se, assim, o marca-passo da
sociedade do trabalho capitalista. Era ele que impunha os últimos degraus de
objetivação contra os suportes funcionais burgueses limitados do século XIX e
do início do século XX no processo de desenvolvimento do trabalho; de modo
semelhante ao que a burguesia havia herdado do absolutismo um século antes.
Isso só foi possível porque os partidos de trabalhadores e sindicatos
relacionavam-se, no percurso de sua divinização do trabalho, também
positivamente com o aparelho do Estado e com as instituições repressivas da
administração do trabalho, que, afinal, eles não queriam suprimir, mas sim,
numa certa "marcha através das instituições", ocupar. Deste modo,
assumiram, como anteriormente fizera a burguesia, as tradições burocráticas da
administração de homens na sociedade do trabalho que vem desde o absolutismo.
Mas a ideologia de uma generalização social do trabalho exigia também uma
nova relação política. Em lugar da divisão de estamentos com
"direitos" políticos diferenciados (por exemplo, direito eleitoral
censitário), na sociedade do trabalho apenas parcialmente imposta foi
necessário que aparecesse a igualdade democrática geral do "Estado de
trabalho" consumado. E os descompassos no percurso da máquina de
valorização, a partir do momento em que esta passou a determinar toda a vida
social, precisavam ser equilibrados por um "Estado Social". Também
para isso, o movimento dos trabalhadores forneceu o paradigma. Sob o nome de
"social-democracia", ele tornar-se-ia o maior movimento civil na
história que, todavia, não poderia senão cavar sua própria cova. Pois na
democracia tudo se torna negociável, menos as coerções da sociedade do trabalho
que são axiomaticamente pressupostas. O que pode ser debatido são apenas as
modalidades e os percursos destas coerções, sempre há apenas uma escolha entre
Omo e Minerva em pó, entre peste e cólera, entre burrice e descaramento, entre
Kohl e Schröder.
A democracia da sociedade do trabalho é o sistema de dominação mais
pérfido da história – é um sistema de auto-opressão. Por isso, esta democracia
nunca organiza a livre autodeterminação dos membros da sociedade sobre os
recursos coletivos, mas sempre apenas a forma jurídica das mônadas de trabalho
socialmente separadas entre si, que, na concorrência, arriscam sua pele no mercado
de trabalho. Democracia é o oposto de liberdade. E assim, os seres humanos de
trabalho democráticos dividem-se, necessariamente, em administradores e
administrados, empresários e empreendidos, elites funcionais e material humano.
Os partidos políticos, em particular os partidos dos trabalhadores, refletem
fielmente essa relação na sua própria estrutura. Condutor e conduzidos, VIPs e
o povão, militantes e simpatizantes apontam para uma relação que não tem mais
nada a ver com um debate aberto e tomadas de decisão. Faz parte desta lógica
sistêmica que as próprias elites só possam ser funcionárias dependentes do
deus-trabalho e de suas orientações cegas.
No mínimo desde o nazismo, todos os partidos são partidos dos
trabalhadores e, ao mesmo tempo, partidos do capital. Nas "sociedades em
desenvolvimento" do Leste e do Sul, o movimento dos trabalhadores
transformou-se num partido de terrorismo estatal de modernização retardatária;
no Ocidente, num sistema de "partidos populares" com programas
facilmente substituíveis e figuras representativas na mídia. A luta de classes
está no fim porque a sociedade do trabalho também está. As classes se mostram
como categorias sociais funcionais do mesmo sistema fetichista, na mesma medida
em que este sistema vai esmorecendo. Se sociais-democratas, verdes e
ex-comunistas destacam-se na administração da crise desenvolvendo programas de
repressão especialmente infames, mostram-se, com isto, como os legítimos
herdeiros do movimento dos trabalhadores, que nunca quis nada além de trabalho
a qualquer preço.
"Conduzir
o cetro, deve o trabalho,
servo só deve
ser quem no ócio insistir;
Governar o
mundo, deve o trabalho,
pois só por ele
pode o mundo existir "
Friedrich Stampfer, 1903.
11. A crise do trabalho
Após a Segunda Guerra Mundial, por um curto momento histórico pôde
parecer que a sociedade do trabalho nas indústrias fordistas tivesse se
consolidado num sistema de "prosperidade eterna", no qual a
insuportabilidade do fim em si coercitivo tivesse sido pacificada duradouramente
pelo consumo de massas e pelo Estado Social. Apesar desta idéia sempre ter sido
uma idéia hilótica e democrática, que só se referiria a uma pequena minoria da
população mundial, nos centros ela também necessariamente fracassou. Na
terceira revolução industrial da microeletrônica, a sociedade mundial do
trabalho alcança seu limite histórico absoluto.
Que este limite seria alcançado mais cedo ou mais tarde, era logicamente
previsível. Pois o sistema produtor de mercadorias sofre, desde seu nascimento,
de uma autocontradição incurável. De um lado, ele vive do fato de sugar
maciçamente energia humana através do gasto de trabalho para sua maquinaria:
quanto mais, melhor. De outro lado, contudo, impõe, pela lei da concorrência
empresarial, um aumento de produtividade, no qual a força de trabalho humano é
substituída por capital objetivado cientificizado.
Esta autocontradição já foi a causa profunda de todas as crises
anteriores, entre elas a desastrosa crise econômica mundial de 1929-33. Porém,
estas crises podiam sempre ser superadas por um mecanismo de compensação: num
nível cada vez mais elevado de produtividade, foram absorvidas em termos
absolutos – após um certo tempo de incubação e através da ampliação de mercados
integradora de novas camadas de consumidores – maiores quantidades de trabalho
do que aquele anteriormente racionalizado. Reduziu-se o dispêndio de força de
trabalho por produto, mas foram produzidos em termos absolutos mais produtos,
de modo que a redução pôde ser compensada. Enquanto as inovações de produtos
superaram as inovações de processos, a autocontradição do sistema pôde ser
traduzida em um movimento de expansão.
O exemplo histórico de destaque é o automóvel: através da esteira e
outras técnicas de racionalização da "ciência do trabalho" (primeiramente
na fábrica de Henry Ford, em Detroit), reduziu-se o tempo de trabalho para cada
automóvel em uma fração. Simultaneamente, o trabalho intensificou-se de maneira
gigantesca, isto é, no mesmo intervalo de tempo foi absorvido material humano
de forma multiplicada. Principalmente o automóvel, até então um produto de luxo
para a alta sociedade, pôde ser incluído no consumo de massa por seu
conseqüente barateamento.
Desta maneira, apesar da racionalização da produção em linha, a fome
insaciável do deus-trabalho por energia humana foi satisfeita em nível
superior. Ao mesmo tempo, o automóvel é um exemplo central para o caráter
destrutivo do modo de produção e consumo altamente desenvolvido da sociedade do
trabalho. No interesse de produção em massa de automóveis e de transporte
individual em massa, a paisagem é asfaltada, impermeabilizada e torna-se feia,
o meio ambiente é empesteado e aceita-se, de maneira resignada, que nas
estradas mundiais, ano após ano, seja desencadeada uma terceira guerra mundial não
declarada com milhões de mortos e mutilados.
Na terceira revolução industrial da microeletrônica finda o mecanismo de
compensação pela expansão, até então vigente. É verdade que, obviamente,
através da microeletrônica muitos produtos também são barateados e novos são
criados (principalmente na esfera da mídia). Mas, pela primeira vez, a
velocidade de inovação do processo ultrapassa a velocidade de inovação do
produto. Pela primeira vez, mais trabalho é racionalizado do que o que pode ser
reabsorvido pela expansão dos mercados. Na continuação lógica da
racionalização, a robótica eletrônica substitui a energia humana, ou as novas
tecnologias de comunicação tornam o trabalho supérfluo. Setores inteiros e
níveis da construção civil, da produção, do marketing, do armazenamento, da
distribuição e mesmo do gerenciamento são excluídos. Pela primeira vez o
deus-trabalho submete-se, involuntariamente, a uma ração de fome permanente.
Com isso, provoca sua própria morte.
Uma vez que a sociedade democrática do trabalho é um sistema com o fim em
si mesmo amadurecido e auto-reflexivo, não é possível dentro das suas formas
uma alteração para uma redução da jornada geral. A racionalidade empresarial
exige que massas cada vez maiores tornem-se "desempregadas" permanentemente
e, assim, sejam cortadas da reprodução de sua vida imanente ao sistema. De
outro lado, um número cada vez mais reduzido de "ocupados" são
submetidos a uma caça cada vez maior de trabalho e eficiência. Mesmo nos
centros capitalistas, no meio da riqueza voltam a pobreza e a fome, meios de
produção e áreas agrícolas intactos ficam maciçamente em "pousio",
habitações e prédios públicos ficam maciçamente vazios, enquanto o número dos
sem-teto cresce incessantemente.
Capitalismo torna-se um espetáculo global para minorias. Em seu
desespero, o deus-trabalho agonizante tornou-se canibal de si mesmo. Em busca
de sobras para alimentar o trabalho, o capital dinamita os limites da economia
nacional e se globaliza numa concorrência nômade de repressão. Regiões mundiais
inteiras são cortadas dos fluxos globais de capital e mercadorias. Numa onda de
fusões e "integrações não amistosas" sem precedentes históricos, os
trustes se preparam para a última batalha da economia empresarial. Os Estados e
nações desorganizados implodem, as populações empurradas para a loucura da
concorrência pela sobrevivência assaltam-se em guerras étnicas de bandos.
"O próprio capital é a contradição em processo, pois tende a reduzir
o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto põe, por outro lado, o tempo de
trabalho como única medida e fonte de riqueza. (...) Assim, por um lado, evoca
para a vida todos os poderes da ciência e da natureza, assim como da combinação
e do intercâmbio social para fazer com que a criação da riqueza seja
(relativamente) independente do tempo de trabalho empregado nela. Por outro
lado, pretende medir estas gigantescas forças sociais, assim criadas, pelo
tempo de trabalho, e as conter nos limites exigidos para manter como valor o
valor já criado." Karl Marx
"Grundrisse 1857/ 58
"O princípio moral básico é o direito do homem ao seu trabalho (···)
a meu ver não há nada mais detestável que uma vida ociosa. Nenhum de nós tem
direito a isto. A civilização não tem lugar para ociosos. "
Henry Ford
12. O fim da política
Necessariamente, a crise do trabalho tem como conseqüência a crise do
Estado e, portanto, a da política. Por princípio, o Estado moderno deve a sua
carreira ao fato de que o sistema produtor de mercadorias necessita de uma
instância superior que lhe garanta, no quadro da concorrência, os fundamentos
jurídicos normais e os pressupostos da valorização – incluindo um aparelho de
repressão para o caso de o material humano insubordinar-se contra o sistema. Na
sua forma amadurecida de democracia de massa, o Estado no século XX precisava
assumir, de forma crescente, tarefas sócio-econômicas: a isso não só pertence a
rede social, mas também a saúde e a educação, a rede de transporte e
comunicação, infra-estruturas de todos os tipos que são indispensáveis ao
funcionamento da sociedade do trabalho industrial e que não podem ser
propriamente organizadas como processo de valorização industrial. Pois as
infra-estruturas precisam estar permanentemente à disposição no âmbito da
sociedade total e cobrindo todo o território. Portanto, não podem seguir as
conjunturas do mercado de oferta e demanda.
Como o Estado não é uma unidade de valorização autônoma, ele próprio não
transforma trabalho em dinheiro, precisando retirar dinheiro do processo real
da valorização. Esgotada a valorização esgotam-se também as finanças do Estado.
O suposto soberano social apresenta-se totalmente dependente frente à economia
cega e fetichizada da sociedade do trabalho. Ele pode legislar o quanto quiser;
quando as forças produtivas ultrapassam o sistema de trabalho, o direito
estatal positivo, o qual sempre só pode relacionar-se com sujeitos do trabalho,
se esvai.
Com o crescente desemprego de massas, secam as rendas estatais
provenientes dos impostos sobre os rendimentos do trabalho. As redes sociais se
rompem logo que se alcança uma massa crítica de "supérfluos", que
apenas podem ser alimentados de modo capitalista através da redistribuição de
outros rendimentos monetários. Na crise, com o processo acelerado de
concentração do capital, que ultrapassa as fronteiras das economias nacionais,
são excluídas também as rendas estatais provenientes dos impostos sobre os
lucros das empresas. Os trustes transnacionais obrigam os Estados que concorrem
por investimentos a fazer dumping fiscal, social e ecológico.
É exatamente este desenvolvimento que permite ao Estado democrático
transformar-se em mero administrador de crises. Quanto mais ele se aproxima da
calamidade financeira, tanto mais se reduz ao seu núcleo repressivo. As
infra-estruturas se reduzem às necessidades do capital transnacional. Como
antigamente nos territórios coloniais, a logística se limita, crescentemente, a
alguns centros econômicos, enquanto o resto fica abandonado. O que dá para ser
privatizado é privatizado, mesmo que cada vez mais pessoas fiquem excluídas dos
serviços de abastecimento mais elementares. Onde a valorização do capital
concentra-se em um número cada vez mais reduzido de ilhas do mercado mundial,
não interessa mais o abastecimento cobrindo todo o território.
Enquanto não atinge diretamente esferas relevantes para a economia, não
interessa se trens andam e as cartas chegam. A educação torna-se um privilégio
dos vencedores da globalização. A cultura intelectual, artística e teórica é
remetida aos critérios de mercado e padece aos poucos. A saúde não é
financiável e se divide em um sistema de classes. Primeiro devagar e
disfarçadamente, depois abertamente, vale a lei da eutanásia social: porque
você é pobre e "supérfluo", tem de morrer antes.
Após entrar em vigor a lei irracional da sociedade do trabalho,
objetivada como "restrição financeira", todos os conhecimentos,
habilidades e meios da medicina, educação e cultura que se achavam
abundantemente à disposição como infra-estrutura geral são trancados a sete
chaves, sendo desmobilizados e jogados no ferro-velho – a exemplo dos meios de
produção industriais e agrários que não são mais considerados rentáveis. O
Estado democrático, transformado num sistema de apartheid, não tem mais nada a
oferecer aos seus ex-cidadãos de trabalho além da simulação repressiva do
trabalho, sob formas de trabalho coercitivo e barato, com redução de todos os
benefícios. Num momento mais avançado, o Estado desmorona totalmente. O
aparelho de Estado asselvaja-se sob a forma de uma cleptocracia corrupta, os
militares sob a de um bando bélico mafioso e a polícia sob a de assaltante de
estradas.
Este desenvolvimento não pode ser parado através de qualquer política do
mundo e ainda menos ser revertido. Pois política é em sua essência uma ação
relacionada ao Estado que torna-se, sob as condições de desestatização, sem
objeto. A fórmula da democracia esquerdista da "configuração
política" torna-se, dia após dia, mais ridícula. Fora a repressão
infinita, a destruição da civilização e o auxílio ao "terror da economia",
não há mais nada a "configurar". Como o fim em si mesmo da sociedade
do trabalho é o pressuposto axiomático da democracia política, não pode haver
nenhuma regulação política democrática para a crise do trabalho. O fim do
trabalho torna-se o fim da política.
13. A simulação
cassino-capitalista da sociedade do trabalho
A consciência social dominante engana-se, sistematicamente, sobre a
verdadeira situação da sociedade do trabalho. As regiões de colapso são
ideologicamente excomungadas, as estatísticas do mercado de trabalho são
descaradamente falsificadas, as formas de pauperização são dissimuladas pela
mídia. Simulação é, sobretudo, a característica central do capitalismo em
crise. Isto vale também para a própria economia. Se pelo menos nos países
centrais ocidentais até agora parecia que o capital seria capaz de acumular
mesmo sem trabalho, e que a forma pura do dinheiro sem substância poderia
garantir a contínua valorização do valor, então esta aparência deve-se a um
processo de simulação nos mercados financeiros. Como reflexo da simulação do
trabalho através de medidas coercitivas da administração democrática do
trabalho, formou-se uma simulação da valorização do capital através da
desconexão especulativa do sistema creditício e dos mercados acionários da
economia real.
A utilização de trabalho presente é substituída pela usurpação da
utilização de trabalho futuro, o qual nunca realizar-se-á. Trata-se, de certo
modo, de uma acumulação de capital num fictício "futuro do
subjuntivo". O capital-dinheiro, que não pode mais ser reinvestido de
forma rentável na economia real e que, por isso, não pode absorver mais
trabalho, precisa se desviar, forçosamente, para os mercados financeiros.
Já o impulso fordista da valorização, nos tempos do "milagre
econômico" após a Segunda Guerra, não era totalmente auto-sustentável.
Muito além de suas receitas fiscais, o Estado tomou crédito em quantidades até
então desconhecidas, pois as condições estruturais da sociedade do trabalho não
eram mais financiáveis de outra maneira. O Estado penhorou todas as suas
receitas reais futuras. Desta maneira surgiu, de um lado, uma possibilidade de
investimento capitalista financeiro para o capital-dinheiro
"excedente" – emprestava-se ao Estado com juros. O Estado pagava os
juros com novos empréstimos e reenviava o dinheiro emprestado imediatamente
para o circuito econômico. De outro lado, ele financiava, então, os custos
sociais e os investimentos de infra-estrutura, criando uma demanda artificial,
no sentido capitalista, pois sem a cobertura de nenhum dispêndio produtivo de
trabalho. O boom fordista foi, assim, prolongado além de seu próprio alcance,
na medida em que a sociedade do trabalho sangrava o seu próprio futuro.
Este momento simulativo do processo de valorização, aparentemente ainda
intacto, já alcançou seus limites junto com o endividamento estatal. Não só no
Terceiro Mundo, mas também nos centros, as "crises da dívida"
estatais não permitiram mais a expansão deste procedimento. Este foi o
fundamento objetivo para a caminhada vitoriosa da desregulação neoliberal que,
conforme sua ideologia, seria acompanhada de uma redução drástica da cota
estatal no produto social. Na verdade, desregulamentação e redução das
obrigações do Estado são compensadas pelos custos da crise, mesmo que seja em
forma de custos estatais de repressão e simulação. Em muitos Estados, a cota
estatal até aumenta.
Mas a acumulação subseqüente do capital não pôde mais ser simulada
através do endividamento estatal. Por isso, transfere-se, desde os anos 80, a
criação complementar do capital fictício para os mercados de ações. Ali, há
tempos, não se trata mais de dividendos, da participação nos ganhos da produção
real, mas antes, de ganhos de cotação, por aumento especulativo do valor dos
títulos de propriedade em escalas astronômicas. A relação entre a economia real
e o movimento especulativo do mercado financeiro foi virada de ponta-cabeça. O
aumento especulativo da cotação não antecipa mais a expansão da economia real,
mas ao contrário, a alta da criação fictícia de valor simula uma acumulação
real que já não existe mais.
O deus-trabalho está clinicamente morto, mas recebe respiração artificial
através da expansão aparentemente autonomizada dos mercados financeiros. Há
tempos, empresas industriais têm ganhos que já não resultam da produção e da
venda de produtos reais – o que já se tornou um negócio deficitário – mas, sim,
da participação feita por um departamento financeiro "esperto" na
especulação de ações e divisas. Os orçamentos públicos demonstram entradas que
não resultam de impostos ou tomadas de créditos, mas da participação aplicada
da administração financeira nos mercados de cassino. Os orçamentos privados,
nos quais as entradas reais de salários reduziram-se dramaticamente, conseguem
manter ainda um consumo elevado através dos empréstimos dos ganhos nos mercados
acionários. Cria-se, assim, uma nova forma de demanda artificial que, por sua
vez, tem como conseqüência uma produção real e uma receita estatal real
"sem chão para os pés".
Desta maneira, a crise econômica mundial está sendo adiada pelo processo
especulativo; mas, como o aumento fictício do valor dos títulos de propriedade
só pode ser a antecipação de utilização ou futuro dispêndio real de trabalho
(em escala astronômica correspondente) – o que nunca mais será feito – então, o
embuste objetivado será desmascarado, necessariamente, após um certo tempo de
encubação. O colapso dos "emerging markets" na Ásia, na América
Latina e no Leste Europeu forneceu apenas o primeiro gostinho. É apenas uma
questão de tempo para que entrem em colapso os mercados financeiros dos centros
capitalistas dos EUA, União Européia e Japão.
Este contexto é percebido de uma forma totalmente distorcida na
consciência fetichizada da sociedade do trabalho e, principalmente, na dos
"críticos do capitalismo" tradicionais da esquerda e da direita.
Fixados no fantasma do trabalho, que foi enobrecido enquanto condição
existencial suprahistórica e positiva, eles confundem, sistematicamente, causa
e efeito. O adiamento temporário da crise, pela expansão especulativa dos
mercados financeiros, aparece, assim, de forma invertida, como suposta causa da
crise. Os "especuladores malvados", assim chamados na hora do pânico,
arruínam toda a sociedade do trabalho porque gastam o "bom dinheiro"
que "existe de sobra" no cassino, ao invés de investirem de uma
maneira sólida e bem comportada em maravilhosos "postos de trabalho",
a fim de que uma humanidade louca por trabalho possa ter o seu "pleno
emprego".
Simplesmente não entra nestas cabeças, de modo algum, que a especulação
fez os investimentos reais pararem, mas estes já se tornaram não rentáveis em
decorrência da terceira revolução industrial, e a alta especulativa é apenas um
sintoma disso. O dinheiro que aparentemente circula em quantidades infinitas já
não é, mesmo no sentido capitalista, um "bom dinheiro", mas apenas
"ar quente" com o qual a bolha especulativa foi levantada. Cada
tentativa de estourar esta bolha, por meio de qualquer projeto de medida fiscal
(imposto Tobin etc.) para dirigir o capital-dinheiro novamente para as Rodas
pretensamente "corretas" e reais da sociedade do trabalho, só pode
levá-la a estourar mais rapidamente.
Em vez de compreenderem que nós todos nos tornaremos, incessantemente,
não rentáveis, e que por isso, precisam ser atacados tanto o próprio critério
da rentabilidade quanto os fundamentos da sociedade do trabalho, eles preferem
satanizar os "especuladores". Esta imagem barata de inimigo é
cultivada em uníssono pelos radicais da direita e autônomos da esquerda,
funcionários sindicalistas pequenos burgueses e nostálgicos keynesianos,
teólogos sociais e apresentadores de talk-shows, enfim, todos os apóstolos do
"trabalho honrado". Poucos estão conscientes de que, deste ponto até
a remobilização da loucura anti-semita, existe apenas um pequeno passo. Apelar
ao capital real "produtivo" e "de sangue nacional" contra o
capital-dinheiro "judaico", internacional e "usurário" –
esta ameaça ser a última palavra da "esquerda dos postos de
trabalho", intelectualmente perdida. De qualquer maneira, esta já é a
última palavra da "direita dos postos de trabalho", desde sempre
racista, anti-semita e antiamericana.
"Tão logo o trabalho, na sua forma imediata, tiver deixado de ser a
grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem de deixar de ser a
sua medida, e, por isso, o valor de troca (a medida) do valor de uso.(...) Em
virtude disso, a produção fundada no valor de troca desmorona e o próprio
processo de produção material imediato se despoja da forma do carecimento e da
oposição."
Karl Marx "Grundrisse",
1857/58
14. Trabalho não se deixa
redefinir
Após séculos de adestramento, o homem moderno simplesmente não consegue
imaginar uma vida além do trabalho. Como princípio imperial, o trabalho domina
não só a esfera da economia no sentido estrito, mas permeia toda a existência
social até os poros do cotidiano e da existência privada. O "tempo
livre", que por sua própria semântica já é um termo de presídio, serve, há
tempos, para "trabalhar" mercadorias e, assim, garantir a venda
necessária.
Mas, mesmo além do dever interiorizado do consumo de mercadorias como fim
em si mesmo, a sombra do trabalho projeta-se sobre o indivíduo moderno também
fora do escritório e da fábrica. Tão somente por levantar-se da poltrona da TV
e tornar-se ativo, qualquer ação efetuada transforma-se em algo semelhante ao
trabalho. O jogger substitui o relógio de ponto pelo cronômetro. Nas academias
reluzentes, a Roda-Viva vivencia o seu renascimento pós-moderno, e os
motoristas nas férias fazem tantos e tantos quilômetros como se fossem alcançar
a cota anual de um caminhoneiro. E mesmo o trepar se orienta pelas normas DIN
(ISO 9000) da pesquisa sexual e pelos padrões de concorrência das fanfarronices
dos talk-shows.
Se o rei Midas ao menos ainda vivenciava como maldição o fato de que tudo
em que tocava virava ouro, o seu companheiro de sofrimento moderno já
ultrapassou esse estado. O homem do trabalho nem nota mais que, pela adaptação
ao padrão do trabalho, cada atividade perde sua qualidade sensível específica e
torna-se indiferente. Ao contrário, ele dá sentido, razão de existência e
significado social a alguma atividade somente através desta adaptação à
indiferença do mundo da mercadoria. Com um sentimento como o luto, o sujeito do
trabalho não sabe o que fazer; todavia, a transformação do luto em
"trabalho de luto" faz desse corpo estranho emocional algo conhecido,
através do qual se pode intercambiar com seus semelhantes. Até mesmo sonhar
torna-se "trabalho de sonho", o conflito com a pessoa amada torna-se
"trabalho de relação" e o trato de crianças é desrealizado e
indiferenciado como "trabalho de educação". Sempre que o homem
moderno insiste em fazer algo com "seriedade", tem na ponta da língua
a palavra "trabalho".
O imperialismo do trabalho tem seus reflexos na linguagem cotidiana. Não
só temos o hábito de inflacionar a palavra "trabalho", mas a usamos
em dois níveis de significância totalmente diferentes. Faz tempo que o
"trabalho" não significa mais (como seria adequado) a forma de
atividade capitalista da Roda do fim em si mesmo, antes este conceito torna-se,
apagando seus rastros, sinônimo de qualquer atividade com objetivo.
A falta de foco conceitual prepara o solo para uma crítica à sociedade do
trabalho tão corriqueira e de meia-tigela que opera exatamente de modo oposto,
isto é, toma como ponto de partida uma interpretação positiva do imperialismo
do trabalho. Por incrível que pareça, a sociedade do trabalho é acusada de
ainda não dominar suficientemente a vida com a sua forma de atividade, porque,
pretensamente, ela definiria o conceito de trabalho de modo "muito
estreito", isto é, excomungando moralmente o "trabalho para si
mesmo" ou o trabalho enquanto "auto-ajuda não-remunerada"
(trabalho doméstico, ajuda da vizinhança etc.). Ela aceita, como
"efetivo", apenas o trabalho-emprego, conforme a dinâmica do mercado.
Uma reavaliação e uma ampliação do conceito de trabalho deveria eliminar esta
fixação unilateral e as hierarquizações ligadas a ela.
Este pensamento não trata da emancipação das coerções dominantes, mas somente
de uma correção semântica. A ilimitada crise da sociedade do trabalho deveria
ser solucionada pela consciência social através da elevação "efetiva"
das formas de atividade até então inferiores e marginais à esfera da produção
capitalista ao estado do nobre trabalho. Mas a inferioridade destas atividades
não é somente resultado de uma determinada maneira ideológica de perceber, mas
pertence à estrutura fundamental do sistema capitalista e não pode ser superada
por redefinições morais simpáticas.
Numa sociedade dominada pela produção de mercadorias como fim em si
mesmo, só vale como riqueza propriamente dita o que é representável na forma
monetária. O conceito de trabalho, assim determinado, brilha de modo imperial
sobre todas as outras esferas, mas apenas negativamente, à medida que revela
estas esferas como dependentes de si. Assim, as esferas externas à produção de
mercadorias ficam necessariamente na sombra da esfera da produção capitalista,
porque não são absorvidas pela lógica abstrata empresarial de economia de tempo
– mesmo, e exatamente, quando elas são necessárias para a vida, como no caso da
esfera de atuação cindida e definida como feminina, doméstica privada, de
dedicação pessoal etc.
Ao invés de sua crítica radical, uma ampliação moralizante do conceito de
trabalho não só vela o imperialismo social real da economia produtora de
mercadorias, mas integra-se também perfeitamente às estratégias autoritárias da
administração estatal da crise. A reivindicação feita desde os anos 70 para que
o "trabalho doméstico" e as atividades do "terceiro setor"
também fossem reconhecidos socialmente como trabalhos válidos, especulou, desde
o primeiro momento, uma remuneração estatal em dinheiro. O Estado em crise vira
o feitiço contra o feiticeiro e mobiliza o ímpeto moral desta reivindicação no
sentido do afamado "princípio de subsídio", exatamente contra as suas
expectativas materiais.
O cântico dos cânticos da "função honorífica" e do
"trabalho voluntário" não trata da permissão de mexer nas panelas
financeiras quase vazias do Estado, mas torna-se um álibi para o recuo do
Estado aos programas, agora em marcha, de trabalho coercitivo e para a
tentativa sórdida de passar o peso da crise, principalmente, para as mulheres.
As instituições sociais oficiais abandonam a sua responsabilidade social com o
apelo tão amigável quanto gratuito para que "nós todos" combatamos,
por iniciativa privada, tanto a própria miséria quanto a dos outros, sem fazer
nenhuma reivindicação material. Assim, confundido como programa de emancipação,
o malabarismo definidor do santificado conceito de trabalho abre as portas à
tentativa estatal de suprimir o trabalho assalariado através da eliminação do
salário com a simultânea manutenção do trabalho no deserto da economia de
mercado. Comprova-se, assim, involuntariamente, que a emancipação social não
pode ter como conteúdo a revalorização do trabalho, mas unicamente a consciente
desvalorização do trabalho.
"Ao lado dos serviços materiais, também os serviços pessoais e
simples podem elevar o bem-estar imaterial. Assim, pode-se elevar o bem-estar
de um cliente quando um prestador de serviço retira-lhe trabalho que ele
próprio teria de fazer. Ao mesmo tempo eleva-se o bem-estar dos prestadores de
serviço quando o seu sentimento de auto-estima se eleva através da actividade.
Exercer um serviço simples e relacionado a uma pessoa é melhor à psique que
estar desempregado."
Relatório da Comissão para Questões
do Futuro dos Estado Livres da Baviera e da Saxónia, 199
"Preserve o conhecimento comprovado no trabalho, pois a própria
natureza confirma este conhecimento, diz sim a ele. No fundo, voçê não tem
outro conhecimento a não ser aquele que foi adquirido através do trabalho, o resto
é uma hipótese do saber”
Thomas Carlyle,
Trabalhar e não desesperar, 1843.
15. A crise da luta de interesses
Mesmo que a crise fundamental do trabalho seja reprimida ou transformada
em tabu, ela impregna todos os conflitos sociais atuais. A transição de uma
sociedade de integração de massas para uma ordem de seleção e apartheid não
levou a uma nova rodada da velha luta de classes entre capital e trabalho, mas
a uma crise categorial da própria luta de interesses imanente ao sistema. Já na
época da prosperidade, após a Segunda Guerra Mundial, a antiga ênfase da luta
de classes empalideceu. Mas não porque o sujeito revolucionário "em
si" foi "integrado" ao questionável bem-estar através de
manipulações e corrupção, mas ao contrário, porque veio à tona, no estágio de
desenvolvimento fordista, a identidade lógica de capital e trabalho enquanto
categorias sociais funcionais de uma forma fetichista social comum. O desejo
imanente ao sistema de vender a mercadoria força de trabalho em melhores
condições possíveis perdeu qualquer momento transcendente.
Se, até os anos 70, tratava-se ainda da luta pela participação de camadas
mais amplas possíveis da população nos frutos venenosos da sociedade do
trabalho, este impulso foi apagado sob as novas condições de crise da terceira
revolução industrial. Somente enquanto a sociedade do trabalho expandiu-se foi
possível desencadear a luta de interesses de suas categorias sociais funcionais
em grande escala. Porém, na mesma medida em que a base comum desapareceu, os
interesses imanentes ao sistema não puderam mais ser reunidos ao nível da
sociedade geral. Inicia-se uma dessolidarização generalizada. Os assalariados
desertam dos sindicatos, as executivas desertam das confederações empresariais.
Cada um por si e o deus-sistema capitalista contra todos: a individualização
sempre suplicada é nada mais do que um sintoma de crise da sociedade do
trabalho.
Enquanto interesses ainda podiam ser agregados, o mesmo só se dava em
escala microeconômica. Pois, na mesma medida em que, ironicamente, a permissão
para inserir a própria vida no âmbito econômico empresarial desdobrou-se de
libertação social em quase um privilégio, as representações de interesse da
mercadoria força de trabalho degeneraram numa política inescrupulosa de lobbies
de segmentos sociais cada vez menores. Quem aceita a lógica do trabalho tem, agora,
de aceitar a lógica do apartheid. Ainda trata-se somente de assegurar a
venalidade de sua própria pele para uma clientela restrita, às custas de todos
os outros. Há tempos, empregados e membros de conselhos das empresas não
encontram mais seus verdadeiros adversários entre os executivos de sua empresa,
mas entre os assalariados de empresas e de "localizações"
concorrentes, tanto faz se na cidade vizinha ou no Extremo Oriente. E, quando
se coloca a questão: quem será sacrificado no próximo impulso da racionalização
econômica empresarial, também o departamento vizinho e o colega imediato
tornam-se inimigos.
A dessolidarização radical atinge não apenas o conflito empresarial e
sindical. Mas, justamente quando na crise da sociedade do trabalho todas as
categorias funcionais insistem ainda mais fanaticamente na sua lógica inerente,
isto é, que todo o bem-estar humano só pode ser o mero produto residual da
valorização rentável, então o princípio de São Floriano domina todos os
conflitos de interesse. Todos os lobbies conhecem as regras do jogo e agem
conforme tais regras. Cada dólar que a outra clientela recebe, é um dólar
perdido para a sua própria clientela. Cada ruptura do outro lado da rede social
aumenta a chance de prolongar o seu próprio prazo para a forca. O aposentado
torna-se o adversário natural do contribuinte, o doente o inimigo de todos os
assegurados e o imigrante objeto de ódio de todos os nativos enfurecidos.
A pretensão de querer utilizar a luta de interesses imanentes ao sistema
como alavanca de emancipação social esgota-se irreversivelmente. Assim, a
esquerda clássica está no seu fim. O renascimento de uma crítica radical do
capitalismo pressupõe a ruptura categorial com o trabalho. Unicamente quando se
põe um novo objetivo da emancipação social além do trabalho e de suas
categorias fetichistas derivadas (valor, mercadoria, dinheiro, Estado, forma
jurídica, nação, democracia etc.), é possível uma ressolidarização a um nível
mais elevado e na escala da sociedade como um todo. Somente nesta perspectiva
podem ser reagregadas lutas defensivas imanentes ao sistema contra a lógica da
lobbização e da individualização; agora, contudo, não mais na relação positiva,
mas na relação negadora estratégica das categorias dominantes.
Até agora, a esquerda tenta fugir desta ruptura categorial com a
sociedade do trabalho. Ela rebaixa as coerções do sistema a meras ideologias e
a lógica da crise a um mero projeto político dos "dominantes". Em
lugar da ruptura categorial, aparece a nostalgia social-democrata e keynesiana.
Não se pretende uma nova universalidade concreta da formação social além do
trabalho abstrato e da forma-dinheiro, bem ao contrário, a esquerda tenta
manter forçosamente a antiga universalidade abstrata dos interesses imanentes
ao sistema. Essas tentativas continuam abstratas e não conseguem mais integrar
nenhum movimento social de massas porque passam despercebidas nas relações
reais de crise.
Em particular, isto vale para a reivindicação de renda mínima ou de
dinheiro para subsistência. Em vez de ligar as lutas sociais concretas
defensivas contra determinadas medidas do regime de apartheid com um programa
geral contra o trabalho, esta reivindicação pretende construir uma falsa
universalidade de crítica social, que se mantém em todos os aspectos abstrata,
desamparada e imanente ao sistema. A concorrência social de crise não pode ser
superada assim. De uma maneira ignorante, continua-se a pressupor o
funcionamento eterno da sociedade global do trabalho, pois, de onde deveria
provir o dinheiro para financiar a renda mínima garantida pelo Estado senão dos
processos de valorização com bom êxito? Quem conta com este "dividendo
social" (o termo já explica tudo) precisa apostar, ao mesmo tempo, e
disfarçadamente, na posição privilegiada de "seu próprio país" na
concorrência global, pois só a vitória na guerra global dos mercados poderia
garantir provisoriamente o alimento de alguns milhões de "supérfluos"
na mesa capitalista – obviamente excluindo todas as pessoas sem carteira de
identidade nacional.
Os reformistas "amadores" da reivindicação de renda mínima
ignoram a configuração capitalista da forma-dinheiro em todos os aspectos. No
fundo, entre os sujeitos do trabalho e os sujeitos do consumo de mercadorias
capitalistas, eles apenas querem salvar este último. Em vez de pôr em questão o
modo de vida capitalista em geral, o mundo continuaria, apesar da crise do
trabalho, a ser enterrado debaixo de uma avalanche de latas fedorentas, de
horrorosos blocos de concreto e do lixo de mercadorias inferiores, para que aos
homens reste a última e triste liberdade que eles ainda podem imaginar: a
liberdade de escolha ante às prateleiras do supermercado.
Mas mesmo esta perspectiva triste e limitada é totalmente ilusória. Seus
protagonistas esquerdistas e analfabetos teóricos esqueceram que o consumo
capitalista de mercadorias nunca serve simplesmente para a satisfação de
necessidades, mas tem sempre apenas uma função no movimento de valorização.
Quando a força de trabalho não pode mais ser vendida, mesmo as necessidades mais
elementares são consideradas pretensões luxuosas e desavergonhadas, que
deveriam ser reduzidas ao mínimo. E, justamente por isso, o programa de renda
mínima funciona como veículo, isto é, como instrumento da redução de custos
estatais e como versão miserável da transferência social, que substitui os
seguros sociais em colapso. Neste sentido, o guru do neoliberalismo, Milton
Friedman, originalmente desenvolveu a concepção da renda mínima antes que a
esquerda desarmada a descobrisse como a pretensa âncora de salvação. E com este
conteúdo ela será realidade – ou não.
"Foi comprovado que conforme as leis inevitáveis da natureza humana
alguns homens estão expostos à necessidade. Estes são as pessoas infelizes que
na grande loteria da vida tiraram a má sorte."
Thomas Robert Malthus
16. A superação do trabalho
A ruptura categorial com o trabalho não encontra nenhum campo social
pronto e objetivamente determinado, como no caso da luta de interesses limitada
e imanente ao sistema. Trata-se da ruptura com uma falsa normatividade
objetivada de uma "segunda natureza", portanto não da repetição de
uma execução quase automática, mas de uma conscientização negadora – recusa e
rebelião sem qualquer "lei da história" como apoio. O ponto de
partida não pode ser algum novo princípio abstrato geral, mas apenas o nojo
perante a própria existência enquanto sujeito do trabalho e da concorrência, e
a rejeição categórica do dever de continuar "funcionando" num nível
cada vez mais miserável.
Apesar de sua predominância absoluta, o trabalho nunca conseguiu apagar
totalmente a repugnância contra as coerções impostas por ele. Ao lado de todos
os fundamentalismos regressivos e de todos os desvarios de concorrência da
seleção social, existe também um potencial de protesto e resistência. O
mal-estar no capitalismo está maciçamente presente, mas é reprimido para o
subsolo sócio-psíquico. Não se apela a este mal-estar. Por isso, precisa-se de
um novo espaço livre intelectual para poder tornar pensável o impensável. O
monopólio de interpretação do mundo pelo campo do trabalho precisa ser rompido.
A crítica teórica do trabalho ganha, assim, um papel de catalisador. Ela tem o
dever de atacar, frontalmente, as proibições dominantes do pensar; e expressar,
aberta e claramente, aquilo que ninguém ousa saber, mas que muitos sentem: a
sociedade do trabalho está definitivamente no seu fim. E não há a menor razão
para lamentar sua agonia.
Somente a crítica do trabalho formulada expressamente e um debate teórico
correspondente podem criar aquela nova contra-esfera pública, que é um
pressuposto indispensável para construir um movimento de prática social contra
o trabalho. As disputas internas ao campo de trabalho esgotaram-se e
tornaram-se cada vez mais absurdas. É, portanto, mais urgente, redefinir as linhas
de conflitos sociais nas quais uma união contra o trabalho possa ser formada.
Precisam ser esboçadas em linhas gerais quais são as diretrizes possíveis
para um mundo além do trabalho. O programa contra o trabalho não se alimenta de
um cânon de princípios positivos, mas a partir da força da negação. Se a
imposição do trabalho foi acompanhada por uma longa expropriação do homem das
condições de sua própria vida, então a negação da sociedade do trabalho só pode
consistir em que os homens se reapropriem da sua relação social num nível
histórico superior. Por isso, os inimigos do trabalho almejam a formação de
uniões mundiais de indivíduos livremente associados, para que arranquem da
máquina de trabalho e valorização que gira em falso os meios de produção e
existência, tomando-os em suas próprias mãos. Somente na luta contra a
monopolização de todos os recursos sociais e potenciais de riqueza pelas forças
alienadoras do mercado e Estado podem ser ocupados os espaços sociais de
emancipação.
Também a propriedade privada precisa ser atacada de um modo diferente e
novo. Para a esquerda tradicional, a propriedade privada não era a forma
jurídica do sistema produtor de mercadorias, mas apenas um poder de
"disposição" ominoso e subjetivo dos capitalistas sobre os recursos.
Assim, pode aparecer a idéia absurda de querer superar a propriedade privada no
terreno da produção de mercadorias. Então, como oposição à propriedade privada
aparecia, em regra, a propriedade estatal ("estatização"). Mas o
Estado não é outra coisa senão a associação coercitiva exterior ou a
universalidade abstrata de produtores de mercadorias socialmente atomizados, a
propriedade estatal é apenas uma forma derivada da propriedade privada, tanto
faz se com ou sem o adjetivo socialista.
Na crise da sociedade do trabalho, tanto a propriedade privada quanto a
propriedade estatal ficam obsoletas porque as duas formas de propriedade
pressupõem do mesmo modo o processo de valorização. É por isso que os
correspondentes meios materiais ficam crescentemente em "pousio" ou
reclusos. De maneira ciumenta, funcionários estatais, empresariais e jurídicos
vigiam para que isto continue assim e para que os meios de produção antes
apodreçam do que sejam utilizados para um outro fim. A conquista dos meios de
produção por associações livres contra a administração coercitiva estatal e
jurídica só pode significar que esses meios de produção não sejam mais
mobilizados sob a forma da produção de mercadorias para mercados anônimos.
Em lugar da produção de mercadorias, entra a discussão direta o acordo e
a decisão conjunta dos membros da sociedade sobre o uso sensato de recursos. A
identidade institucional social entre produtores e consumidores, impensável
sobre o ditado do fim em si mesmo capitalista, será construída. As instituições
alienadas pelo mercado e pelo Estado serão substituídas pelo sistema em rede de
conselhos, nos quais as livres associações, da escala dos bairros até a
mundial, determinam o fluxo de recursos conforme pontos de vista da razão
sensível social e ecológica.
Não é mais o fim em si mesmo do trabalho e da "ocupação" que
determina a vida, mas a organização da utilização sensata de possibilidades
comuns, que não serão dirigidas por uma "mão invisível" automática,
mas por uma ação social consciente. A riqueza produzida é apropriada
diretamente segundo as necessidades, não segundo o "poder de compra".
Junto com o trabalho, desaparece a universalidade abstrata do dinheiro, tal
como aquela do Estado. Em lugar de nações separadas, uma sociedade mundial que
não necessita mais de fronteiras e na qual todas as pessoas podem se deslocar
livremente e exigir em qualquer lugar o direito de permanência universal.
A crítica do trabalho é uma declaração de guerra contra a ordem
dominante, sem a coexistência pacífica de nichos com as suas respectivas
coerções. O lema da emancipação social só pode ser: tomemos o que necessitamos
! Não nos arrastemos mais de joelhos sob o jugo dos mercados de trabalho e da
administração democrática da crise! O pressuposto disso é o controle feito por
novas formas sociais de organização (associações livres, conselhos) sobre as
condições de reprodução de toda a sociedade. Esta pretensão diferencia
fundamentalmente os inimigos do trabalho de todos os políticos de nichos e de
todos os espíritos mesquinhos de um socialismo de colônias de pequenas hortas.
O domínio do trabalho cinde o indivíduo humano. Separa o sujeito
econômico do cidadão, o animal de trabalho do homem de tempo livre, a esfera
pública abstrata da esfera privada abstrata, a masculinidade produzida da
feminilidade produzida, opondo assim ao indivíduo isolado sua própria relação
social como um poder estranho e dominador. Os inimigos do trabalho almejam a
superação dessa esquizofrenia através da apropriação concreta da relação social
por homens conscientes, atuando auto-reflexivamente.
"O 'trabalho' é, em sua essência, a atividade não livre, não humana,
não social, determinada pela propriedade privada e criando a propriedade
privada. A superação da propriedade privada se efetivará somente quando ela for
concebida como superação do 'trabalho'."
Karl Marx, Sobre o
livro "O sistema nacional da economia política" de Friedrich List,
1845.
17. Um programa de abolições
contra os amantes do trabalho
Os inimigos do trabalho serão acusados de não serem outra coisa que
fantasistas. A história teria comprovado que uma sociedade que não se baseia
nos princípios do trabalho, da coerção da produção, da concorrência de mercado
e do egoísmo individual, não poderia funcionar. Vocês, apologistas do status quo,
querem afirmar que a produção de mercadorias capitalistas trouxe, realmente,
para a maioria dos homens, uma vida minimamente aceitável ? Vocês dizem
"funcionar", quando justamente o crescimento saltitante de forças
produtivas expulsa milhões de pessoas da humanidade, que podem então ficar
felizes em sobreviver nos lixões ? Quando outros milhões suportam a vida
corrida sob o ditado do trabalho no isolamento, na solidão, no doping sem
prazer do espírito e adoecendo física e psiquicamente ? Quando o mundo se
transforma num deserto só para fazer do dinheiro mais dinheiro ? Pois bem. Este
é realmente o modo como o seu grandioso sistema de trabalho
"funciona". Estes resultados não queremos alcançar !
Sua auto-satisfação se baseia na sua ignorância e na fraqueza de sua
memória. A única justificativa que encontram para seus crimes atuais e futuros
é a situação do mundo que se baseia em seus crimes passados. Vocês esqueceram e
reprimiram quantos massacres estatais foram necessários para impor, com
torturas, a "lei natural" da sua mentira nos cérebros dos homens,
tanto que seria quase uma felicidade ser "ocupado", determinado
externamente, e deixado que se sugasse a energia de vida para o fim em si mesmo
abstrato de seu deus-sistema.
Precisavam ser exterminadas todas as instituições da auto-organização e
da cooperação autodeterminada das antigas sociedades agrárias, até que a
humanidade fosse capaz de interiorizar o domínio do trabalho e do egoísmo.
Talvez tenha sido feito um trabalho perfeito. Não somos otimistas exagerados.
Não sabemos se existe ainda uma libertação desta existência condicionada. Fica
em aberto a questão se o declínio do trabalho leva à superação da mania do
trabalho ou ao fim da civilização.
Vocês argumentarão que com a superação da propriedade privada e da
coerção de ganhar dinheiro, todas as atividades acabam e que se iniciará então
uma preguiça generalizada. Vocês confessam portanto que todo seu sistema
"natural" se baseia em pura coerção ? E que, por isso, vocês teimam
ser a preguiça um pecado mortal contra o espírito do deus-trabalho ? Os
inimigos do trabalho não têm nada contra a preguiça. Um dos nossos objetivos
principais é a reconstrução da cultura do ócio, que antigamente todas as
sociedades conheciam e que foi destruída para impor uma produção infatigável e
vazia de sentido. Por isso, os inimigos do trabalho irão paralisar, sem
compensação, em primeiro lugar, os inúmeros ramos de produção que apenas servem
para manter, sem levar em conta quaisquer danos, o alucinado fim em si mesmo do
sistema produtor de mercadorias.
Não falamos apenas das áreas de trabalho claramente inimigas públicas,
como a indústria automobilística, a de armamentos e a de energia nuclear, mas
também a da produção de múltiplas próteses de sentido e objetos ridículos de
entretenimento que devem enganar e fingir para o homem do trabalho uma
substituição para sua vida desperdiçada. Também terá de desaparecer o número
monstruoso de atividades que só aparecem porque as massas de produtos precisam
ser comprimidas para passar pelo buraco da agulha da forma-dinheiro e da
mediação do mercado. Ou vocês acham que serão ainda necessários contadores e
calculistas de custo, especialistas de marketing e vendedores, representantes e
autores de textos de publicidade quando as coisas forem sendo produzidas
conforme a necessidade, ou quando todos simplesmente tomarem o que for preciso
? Por que então ainda existir funcionários de secretaria de finanças e
policiais, assistentes sociais e administradores de pobreza, quando não houver
mais nenhuma propriedade privada a ser protegida, quando não for preciso
administrar nenhuma miséria social e quando não for preciso domar ninguém para
a coerção alienada do sistema ?
Já estamos ouvindo o grito: quantos empregos! Sim senhor. Calculem com
calma quanto tempo de vida a humanidade se rouba diariamente só para acumular
"trabalho morto", administrar pessoas e azeitar o sistema dominante.
Quanto tempo nós todos poderíamos deitar ao sol, em vez de nos esfolar para
coisas cujo caráter grotesco, repressivo e destruidor já se encheu bibliotecas
inteiras. Mas não tenham medo. De forma alguma acabarão todas as atividades
quando a coerção do trabalho desaparecer. Porém, toda a atividade muda seu
caráter quando não está mais fixada na esfera de tempos de fluxo abstratos,
esvaziada de sentido e com fim em si, podendo seguir, ao contrário o seu
próprio ritmo, individualmente variado e integrado em contextos de vida
pessoais; quando em grandes formas de organização os homens por si mesmos
determinarem o curso, em vez de serem determinados pelo ditado da valorização
empresarial. Por que deixar-se apressar pelas reivindicações insolentes de uma
concorrência imposta? É o caso de redescobrir a lentidão.
Obviamente, também não desaparecerão as atividades domésticas e de assistência
que a sociedade do trabalho tornou invisível, cindiu e definiu como
"femininas". Cozinhar é tão pouco automatizável quanto trocar fraldas
de bebê. Quando, junto com o trabalho, a separação das esferas sociais for
superada, estas atividades necessárias podem aparecer sob organização social
consciente, ultrapassando qualquer definição sexual. Elas perdem seu caráter
repressivo quando pessoas não mais subsumem-se entre si, e quando são
realizadas segundo as necessidades de homens e mulheres da mesma forma.
Não estamos dizendo que qualquer atividade torna-se, deste modo, prazer.
Algumas mais, outras menos. Obviamente há sempre algo necessário a ser feito.
Mas a quem isso poderia assustar se a vida não será devorada por isso ? E
haverá sempre muito o que possa ser feito por decisão livre. Pois a atividade,
assim como o ócio, é uma necessidade. Nem mesmo o trabalho conseguiu apagar
totalmente esta necessidade, apenas a instrumentalizou e a sugou
vampirescamente.
Os inimigos do trabalho não são fanáticos de um ativismo cego, nem de uma
também cega madraçaria. Ócio, atividades necessárias e atividades livremente
escolhidas devem ser colocados numa relação que se oriente pelas necessidades e
pelos contextos de vida. Uma vez despojadas das coerções objetivas capitalistas
do trabalho, as forças produtivas modernas podem ampliar enormemente o tempo
livre disponível para todos. Por que passar, dia após dia, tantas horas em
fábricas e escritórios se autômatos de todos os tipos podem assumir uma grande
parte destas atividades ? Para que deixar suar centenas de corpos humanos
quando algumas poucas ceifadoras resolvem ? Para que gastar o espírito com uma
rotina que o computador, sem nenhum problema, executa ?
Todavia, para esses fins só podem ser utilizados a mínima parte da
técnica na sua forma capitalista dada. A grande parte dos agregados técnicos
precisa ser totalmente transformada porque foi construída segundo os padrões
limitados da rentabilidade abstrata. Por outro lado, muitas possibilidades
técnicas não foram ainda nem desenvolvidas pela mesma razão. Apesar da energia
solar poder ser produzida em qualquer canto, a sociedade do trabalho põe no
mundo usinas nucleares centralizadas e de alta periculosidade. E apesar de
serem conhecidos métodos não agressivos na produção agrária, o cálculo abstrato
do dinheiro joga milhares de venenos na água, destrói os solos e empesteia o
ar. Só por razões empresariais, materiais de construção e alimentos estão sendo
transportados três vezes em volta do globo, apesar de poderem ser produzidos
sem grandes custos localmente. Uma grande parte da técnica capitalista é tão
vazia de sentido e supérflua quanto o dispêndio de energia humana relacionada a
ela.
Não estamos dizendo-lhes nada de novo. Mas mesmo assim, vocês sabem que
nunca tirarão as conseqüências disto tudo, pois recusam qualquer decisão
consciente sobre a aplicação sensata de meios de produção, transporte e
comunicação e sobre quais deles são maléficos ou simplesmente supérfluos.
Quanto mais apressados vocês rezam seu mantra da liberdade democrática, tanto
mais aferradamente rejeitam a liberdade de decisão social mais elementar,
porque querem continuar servindo ao cadáver dominante do trabalho e às suas
pseudo "leis naturais".
"Que o trabalho, não somente nas condições atuais, mas em geral, na
medida em que sua finalidade é a simples ampliação da riqueza, quer dizer, que
o trabalho por si só seja prejudicial e funesto - isto sucede, sem que o
economista nacional o saiba (Adam Smith), de suas própria exposições".
Karl Marx, Manuscritos
Econômicos-Filosóficos,
1844.
"A nossa vida é o assassinato pelo trabalho, durante sessenta anos
ficamos enforcados e estrebuchando na corda, mas não a cortamos."
Georg Büchner, A Morte
de Danton, 1835.
18. A luta contra o trabalho é
antipolítica.
A superação do trabalho é tudo menos uma utopia nas nuvens. A sociedade
mundial não pode continuar na sua forma atual por mais cinqüenta ou cem anos. O
fato de os inimigos do trabalho estarem às voltas com um deus-trabalho
clinicamente morto não quer dizer que sua tarefa torna-se necessariamente mais
fácil. Quanto mais a crise da sociedade do trabalho se agrava e quanto mais
falham todas as tentativas de consertá-la, tanto mais cresce o abismo entre o
isolamento de mônadas sociais abandonadas e as reivindicações de um movimento
de apropriação da sociedade como um todo. O crescente asselvajamento das
relações sociais em grandes partes do mundo demonstra que a velha consciência
do trabalho e da concorrência desce a níveis cada vez mais baixos. A descivilização
por etapas parece, apesar de todos os impulsos de um mal-estar no capitalismo,
a forma do percurso natural da crise.
Justamente, face a perspectivas tão negativas, seria fatal colocar a
crítica prática do trabalho ao cabo de um programa amplo em relação à sociedade
como um todo e se limitar a construir uma economia precária de sobrevivência
nas ruínas da sociedade do trabalho. A crítica do trabalho só tem uma chance
quando luta contra a corrente da dessocialização, ao invés de se deixar levar
por ela. Os padrões civilizatórios não podem ser mais defendidos com a política
democrática, mas apenas contra ela.
Quem almeja a apropriação emancipatória e a transformação de todo o
contexto social dificilmente pode ignorar a instância que até então organizou as
condições gerais deste contexto. É impossível se revoltar contra a apropriação
das próprias potencialidades sociais sem o confronto com o Estado. Pois o
Estado não administra apenas cerca de metade da riqueza social, mas assegura
também a subordinação coercitiva de todos os potenciais sociais sob o
mandamento da valorização. Se tampouco os inimigos do trabalho podem ignorar o
Estado e a política, tampouco podem fazer Estado e política com eles.
Quando o fim do trabalho é o fim da política, um movimento político para
a superação do trabalho seria uma contradição em si. Os inimigos do trabalho
dirigem reivindicações ao Estado, mas não formam nenhum partido político, nem
nunca formarão. A finalidade da política só pode ser a conquista do aparelho do
Estado para dar continuidade à sociedade do trabalho. Os inimigos do trabalho,
por isso, não querem ocupar os painéis de controle do poder, mas sim
desligá-los. A sua luta não é política, mas sim antipolítica.
Na modernidade, Estado e política são inseparavelmente ligados ao sistema
coercitivo do trabalho e, por isso, precisam desaparecer junto com ele. O
palavreado sobre um renascimento da política é apenas a tentativa de reduzir a
crítica do terror econômico a uma ação positiva referente ao Estado.
Auto-organização e autodeterminação, porém, são simplesmente o oposto exato de
Estado e política. A conquista de espaços livres sócio-econômicos e culturais
não se realiza no desvio político, na via oficial, nem no extravio, mas através
da constituição de uma contra-sociedade.
Liberdade quer dizer não se deixar embutir pelo mercado, nem se deixar
administrar pelo Estado, mas organizar as relações sociais sob direção própria
– sem a interferência de aparelhos alienados. Neste sentido, interessa aos
inimigos do trabalho encontrar novas formas de movimentos sociais e ocupar
pontos estratégicos para a reprodução da vida, para além do trabalho. Trata-se
de juntar as formas de uma práxis de oposição social, com a recusa ofensiva do
trabalho.
Os poderes dominantes podem declarar-nos loucos porque arriscamos a
ruptura com seu sistema coercitivo irracional. Não temos nada a perder senão a
perspectiva da catástrofe para a qual eles nos conduzem. Temos a ganhar um
mundo além do trabalho.
Proletários de todo mundo... ponham um fim nisto!
buscado em: cooperação.sem.mando
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