terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

flecheira.libertária.324

e-zinho
Janeiro do rolêzinho, ou do rolézinho, segundo o sotaque, espalhou-se pelo país. Muita conversa na mídia sobre o público e o privado. A convocação para o rolê(é)zinho só queria mostrar que a massa consumidora também tem estilo burguês e de shopping. Foi só assustá-los por instantes que o movimento passou a se deslocar para áreas públicas, ou seja parques, e obviamente com muito menos gente. Estes adolescentes somente queriam mostrar seus ídolos do facebook, suas vestimentas, dar uns beijos nas garotas, provocar um apavoramento momentâneo nos habitués com corre-corres pelos espaços dos shoppings. Eles se dizem moderados, como se espera. Estão distantes das contestações, só querem ser vistos pelos outros, tanto quanto o são no facebook e correlatos. O resto é conversa mole, pausada, repleta de boas intenções. Como sempre, seus líderes rapidamente são capturados pelos partidos políticos.
vândalos
A expressão pegou. Designa tudo o que os moderados não desejam. E as práticas de movimento de contestação se tornam rotina em protestos localizados. Queimam-se ônibus aqui e ali. A população pobre e conformada fica brava. Afinal, o transporte público é deficiente e cada manifestação é um atraso na hora de ir para o trabalho ou voltar para casa. A população pobre dá pouca atenção para o uso da força repressiva nas periferias. Ela deseja segurança a qualquer custo. Os protestos com queima de ônibus não notaram que essa tática entrou em baixa e que é preciso ser mais incisivos, inventivos e menos óbvios.a nova série Na primeira da série de manifestações marcadas contra a Copa do Mundo de Futebol a polícia exibiu sua covardia contumaz. Encurralou mais de 100 manifestantes em um hotel, prendeu 148 pessoas e feriu, quase mortalmente, um rapaz que voltava para casa. O secretário de segurança do estado de São Paulo alegou que os disparos foram em legítima defesa: três homens armados contra um rapaz com um estilete não deixa dúvida de quem estava se defendendo. Dois disparos foram deferidos, sendo um contra sua genitália. A brutalidade da polícia, embora tente, não vai conterá o tesão de quem se lança de corpo inteiro às ruas. É preciso escandalizar contra essa produção em série de amarildos, douglas e, agora, fabrícios.
inhas
Pedrinhas ganhou estrondosa manchete na mídia. A prisão maranhense expõe o lixo humano que a sociedade produz, os governantes administram e as forças organizadas dos prisioneiros disputam. Reabriu-se o festival de palavrório sobre direitos humanos, repressão e organização da prisão e suas necessárias reformas. Tudo vai se ajeitando para o governo compartilhado desta prisão entre governantes, empresários e força hegemônica dos encarcerados que os dominam. Este modelo paulista tende a se instituir com as devidas modulações. Nestas horas, uma força-tarefa do judiciário aparece para simular dar conta do que regularmente é incapaz, ou seja, rever processos, libertar os que já cumpriram penas, redefinir penalizações etc e tal. A coisa fervente fica morna até a próxima matança entre as forças de encarcerados em disputa. Isso é a prisão hoje. Seus resultados: prisão de segurança máxima, gestão público-privada, governo autoritário dos presos pelos próprios presos, promovendo a gestão democrática da segurança. 
sem ar
A empolgação de comentaristas com o fogo dos protestos por mais “democracia” em favor da aproximação da Ucrânia à União Europeia, cedeu lugar à atenção com o fortalecimento de inúmeros grupos fascistas. Entretanto, se a empolgação cedeu à recalcitrância, certos libertários afirmaram desde o início das manifestações que a construção da oposição entre a defesa do alinhamento com a União Europeia ou Rússia não passou de “falsa escolha”. Tanto a busca pelo “paraíso europeu” como a permanência do enredamento à Rússia se assentam na continuidade da velha política, isto é, das infindáveis violências do Estado. O fogo da Ucrânia, apesar das chamas, não empolga porque não possui ar.
trapaça
Em 18 de dezembro foi aprovada pelo parlamento russo uma proposta de anistia, em comemoração aos 20 anos da Constituição, que pretendia a soltura de cerca de 25 mil presos. Seriam anistiados: condenados quando eram menores de 18 anos; grávidas e mães de filhos menores de 18 anos; mulheres maiores de 55 e homens maiores de 60 anos; militares, soldados e veteranos de guerra; inválidos; e condenados sob o artigo 213 do Código Penal Russo – os vândalos. Dentre os anistiados, estavam duas integrantes da Pussy Riot, presas por “incitação ao ódio religioso” e “vandalismo” (as duas também têm filhos pequenos). Ao saírem da prisão, no dia 23 de dezembro, dispararam: não se trata de uma anistia, trata-se de uma “trapaça”. E alertaram frente às câmeras e aos microfones para o horror e a seletividade das prisões. Muitos dos milhares que seriam anistiados continuam encarcerados. Entre eles, jovens anarquistas como Alexei Polikhovich, Stepan Zimin e Irina Lipskava.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Paixões e químicas

por Sandra Djambolakdjian Torossian1

As paixões são moradas da juventude. Há paixões maduras que rejuvenesce quem avança na idade. Apaixonamo-nos pelas pessoas, pelo trabalho, pelos livros, pelo esporte, pelo ócio. Apaixonamo-nos, também, pelo que conseguimos consumir. Aliás, é esse um modo contemporâneo da paixão. Somos capazes, e cada vez mais incentivados, a apaixonar-nos pelas coisas, por objetos de mercado. Vislumbramos aí espectros da felicidade.
Fórmulas e pílulas mágicas nos indicam o caminho do sucesso e da realização. Tristezas, decepções e frustrações, comuns à vida de qualquer um, são rapidamente remediadas com medicações ou objetos a consumir. O fármaco, lembram os filósofos, é remédio e veneno. Remédio e veneno se alternam na dança do consumo. Qualquer medicação, prescrita para a cura, pode se tornar nociva dependendo do uso que dela se faça. E qualquer fármaco antecipadamente “nocivo” pode ser usado como medicação para os males da alma.
A química é um dos nomes da droga. Mas a química é, também, um dos nomes da atração. Não tem química, diz quem busca explicações para a falta de paixão.
Há vários modos de se ligar passionalmente ao outro. Há o ficar eventual, o ficar habitual e o ficar mais constante. Há, também, vários modos de se ligar às drogas.
A experimentação eventual é um início de exploração que pode durar uma vida inteira. Como há quem se relacione eventualmente com a mesma pessoa durante anos.
O hábito nas relações é, por outro lado, um tipo de relação comumente encontrada no amor e em quem consome drogas. Hábito para momentos ou circunstâncias específicas, de lazer, trabalho, ansiedade, solidão.
“Ficar” habitualmente com alguém em festas; consumir drogas para aproveitar a balada. Sair com alguém nos momentos de solidão; usar alguma substância que faça companhia. Sair rapidamente com o(a) colega de trabalho; dar uma “cheiradinha” para enfrentar uma árdua jornada.
Compartilhar com alguém um casamento; casar com alguma droga.
Não se assuste caro leitor, amor e consumo não são equivalentes. São relações. Relações amorosas, relações de consumo. Por vezes o amor torna-se relação de consumo. O inverso é também verdadeiro.
Uma paixão ou um amor se cura com outra/o, diz a sabedoria popular. Raramente sugerimos a alguém que sofre um “mal de amor” que restrinja suas relações. Ao contrário, oferecemos várias outras possibilidades. Apresentamos-lhe novas pessoas, o convidamos para eventos, atividades. Tentamos abrir outras possibilidades de escolha.
Curiosamente, até agora, temos feito diferente com as paixões químicas. Temos achado que a única solução para ela está na restrição das atividades. Temos fechado as pessoas em hospitais ou clínicas, limitando suas possibilidades de amizade, limitado suas outras relações. E muitas vezes sem sequer saber qual é mesmo o modo de relação no qual se encontra. Internamos trabalhadores consumidores de droga, quando muitas vezes o trabalho é uma das únicas relações que mantém a pessoa com um laço comunitário. Decretamos um casamento com a droga quando se trata simplesmente de um ficar eventual.
Do mesmo modo que um amor se cura com outro, a saída para as paixões químicas está na criação de outras relações passionais. E não na limitação das possibilidades de se apaixonar.
Há vezes em que um casamento intenso ou de longa duração implica em recaídas. Idas e vindas comuns a quem viveu um amor intenso ou uma relação de hábitos comuns. Especialmente para quem estabeleceu relações de dependência com seu parceiro ou parceira.
Idas e vindas no consumo e dependência às drogas são também comuns. Há que suportá-los.
Às vezes os casais em processo de separação precisam se distanciar, sem manter qualquer tipo de contato. Também isso acontece com as paixões químicas. Mas precisa ser uma escolha e não uma imposição. Na imposição, o efeito é breve. Uma escolha acompanhada pela amizade, pela paciência e pela parceria de quem disponibiliza um suporte abre caminho para novas escolhas.
Internações compulsórias e repressão exclusiva da oferta são lógica exclusiva da limitação, uma política de restrição, sem a criação simultânea de outras possibilidades. Precisamos urgentemente de soluções que abram possibilidades de novas paixões e não que limitem ainda mais os recursos dos apaixonados.

Psicóloga, psicanalista. Membro da APPOA. Profa. do Instituto de Psicologia da UFRGS/ Departamento de Psicanálise e Psicopatologia. E-mail: djambo.sandra@gmail.com.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Daquilo que não me interessa

Não quero saber das regras brutas da língua pensada e falada.
Não quero saber das absolutas cientificidades.
Não quero saber das vãs formalidades e nem das liturgias inócuas.
Não quero saber de copa do mundo e nem do mundo da copa
                (não me interessa saber dos milhares de milhões que valem uma dupla de pés e outra de pernas correndo atrás de uma bola)
                (não me interessa saber de uma bola pensadinha e desenhadinha especialmente para a copa)
                (não me interessa saber de mascotes e nem de adereços)
                (não me interessa saber de uniformes feitos ao gosto da publicidade que pinta o sete nas coxas, na bunda, nos ombros, no cangote, nos braços, na barriga, nas costas e onde mais couber coisas para vender os falidos espaços e deterioradas subjetividades)
                (não me interessa saber quem financiou o quê e nem quem roubou, superfaturou, amealhou, explorou, juntou as granas que foram tão bem calculadas nos impávidos papeis dos burocratas)
                (aliás, não precisam ficar me explicando o que saiu de onde... na verdade tenho medo de me imbecilizar e acabar entendendo a coisa exatamente como me explicaram, mesmo sabendo que não seja bem assim)
Quero saber bem pouco.
Quero saber de pouca coisa.
A vida que bate nos singelos passos de quem vive noutros mundos, que não o da copa.
É disso que quero saber e sei.
                (é coisa pouca, porque a bola que amorteço em meu peito é feita de vida de verdade... o campo em que corro, não tem margens precisas, pois pode me levar a qualquer descampado... as camisas rotas não tem patrocínio além do suor)
Ah! E ainda tem mais umas coisas (que talvez sejam as mais importantes aqui) que me interessam!
                (interessa-me a vida, a força, a alegria, a fluidez com que vivemos, com copas ou sem copas)

Enfim! A vida pode sempre ser outra coisa!

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

SONHOS À BEIRA DO CAMINHO

outro escrito de idos tempos... com data de 29. 06. 2000... nesse tempo eu ainda falava de sonhos...
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            À beira do caminho deixamos todos aqueles sonhos que para sempre perseguiremos... o sonho de ser alguma coisa/ de ser alguém quando crescer, o sonho de ter uma letra mais bonita, de saber fazer poesia, de conseguir escrever um texto com introdução/desenvolvimento/conclusão, como nos ensinaram, incansavelmente, nossas professoras de português; o sonho de conhecer um daqueles cientistas de que nos falavam os professores... um daqueles que, no imaginário de nossa infância, faziam o mundo acontecer porque renunciavam a tudo para passar o tempo a decifrar os segredos do mundo!
          Abandonamos alguns sonhos para inventar outros, para podermos viver, para buscarmos a promessa do encontro sempre adiado daquilo que possa nos sustentar... esquecemos, um pouco, as misérias do mundo, porque estamos lidando com nossas próprias misérias, isso se torna maior que a nossa capacidade de ver o mundo.
            E queremos ser humanos quando os humanos demonstram tudo o que pode vir de um humano... queremos explicar porque as pessoas não podem ser feitas todas da mesma fôrma ... queremos fazer poesia quando o mundo cai e ficamos, ainda tentando segurar... e cantamos alguma canção enquanto disfarçamos a alegria de ter encontrado alguma coisa que procurávamos muito... nos apaixonamos pelas pessoas erradas... erradas? Ou pelas pessoas certas e que nunca teremos coragem de assumir?
        Inventamos formas de poder/ inventamos formas de ver a vida, criamos recheio para a nossa existência e, muitas vezes, esquecemos que há muitas outras existências a serem recheadas!
            Seguimos formas assépticas de viver a vida... alimentação saudável e na hora certa... mínimo de oito horas diárias de sono, com quarto arejado e cama confortável... roupas confortáveis... banhos diários... exercícios físicos regulare ... trabalhar  num lugar que nos garanta as condições, pelo menos mínimas, para o exercício profissional, com salário regular e justo, com ambiente saudável e construtivo!
            Somos assépticos/ de uma assepsia burguesa surpreendente até que nos damos por achados, em meio ao meio/ ao eixo de nosso trabalho asséptico, lidando com um mundo completamente diferente do nosso, um mundo que a academia não nos avisou que encontraríamos, um mundo de pessoas que não têm o que comer, nem hora, nem dia para fazê-lo; um mundo de pessoas que não têm onde dormir, e quando têm... não queremos nem imaginar como seja... e das roupas, nem se fale... muitas vezes são roupas de marca, dessas marcadas por campanhas do agasalho realizadas por pessoas que acham que amontoar seres humanos num ginásio seja um fato de dar inveja; um mundo de pessoas que já não vêem diferença em estar ou não banhado e que fazem exercícios físicos regulares porque andar é o mais comum quando já não temos mais sonhos para deixar à beira do caminho; um mundo onde a maioria das pessoas não têm trabalho e o nosso próprio trabalho é precário diante a dimensão da precariedade do mundo daqueles que não têm trabalho.
             E quando ainda queremos sonhar algum sonho, nem que seja para deixar à beira do caminho, deparamo-nos com a crueza da vida de cada um... como de uma senhora que, morando sozinha, fechada em sua casa, já alucinando depois de passar vários dias sem comer, expelindo todos os produtos que seu corpo ainda conseguia produzir, escamando a pele envelhecida e desidratada, sem banho, com seus olhos remelentos, com sua urina ressequida em sua roupa sem marca e suja... aquela senhora, que não estava conseguindo articular suas idéias, pede um tempinho à mais para organizar seu pensamento e diz que necessita de um companheiro ... não um companheiro para fazer “aquilo”, mas para poder espantar a solidão, para poder acordar sedo, conversar e ter alguém com quem pudesse “fazer planos”... já dizia alguém que morremos um pouco quando perdemos a capacidade de sonhar... mas podemos viver um pouco se tivermos lugar em nossos sonhos para aqueles que também ainda sonham... nem que seja para fazer planos ou para encher nossos caminhos de sonhos que nos levam a outros sonhos e à vida!

ABRE AS PERNAS MULHER!

outra composição vinda de um tempo ido... também veiculada no jornal estilo, antanho...
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“As pessoas escrevem a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os outros, para denunciar aquilo que machuca e compartilhar o que traz alegria. As pessoas escrevem contra sua própria solidão dos demais –porque supõe que a literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe, e nos ajuda a nos conhecermos melhor, para nos salvarmos juntos.” Eduardo Galeano
Desculpe-me, quem lê estas mal traçadas, se às vezes trago muito mais tristezas do que alegrias/ muito mais solidão do que solidariedade/ muito mais ignorância do que conhecimento... desculpem-me por às vezes ser vulgar... desculpem-me se às vezes tenho uns desatinos, porque acontece de eu ser assim tão desatinada quando vejo o encontro da realidade com o absurdo/ tenho essas coisas de sair fervendo, mesmo enquanto muitos saem somente a balançar a cabeça como que dizendo que o mundo e as pessoas são assim mesmo, do jeito que são... a esperança me brota em minhas veias sempre que tenho a impressão de que vou morrer quando dobrar a próxima esquina da existência... com essas coisa vou lidando, tranquila e no passo da vida, mas há outras que simplesmente me fazem gritar e espernear, e uma delas é a  opressão... porque quem é feito de carne, osso e vida não pode rastejar enquanto outros lhes pisam a cabeça!
“Abre as pernas mulher!” é uma frase que condensa dois raios de opressão, um de sua própria enunciação e outro do enunciado “fecha as pernas mulher” , e talvez ainda um outro vindo das convenções que reproduz aquele que os enuncia... hoje já vou falando, assim de cara, dessas coisa de mulher abrir as pernas, porque dia desses eu não vi, mas minha amiga Beth viu, ouviu e lambanciou (sic!) comigo sobre uma entrevista exibida, não lembro em que canal de televisão, com o cantor e compositor Tom Zé, brasileiro que acho que ainda está radicado nos Estados Unidos... lamento que tenha tido que ir pra lá para ser visto por aqui... gosto muito desse sujeito, não só por ser ele um sobrevivente da sociedade, da subjetividade e na luta permanente com o mercado, mas principalmente por ser um sobrevivente cultural.
E entre muitas coisas bonitas e interessantes que ele falou nessa entrevista, quando estava vestido com as provocativas roupas com que se orna em seu mais recente show, foi do dilema da mulher resultante da opressão... perguntava-se como é que a mulher vai gozar/ vai ter orgasmo se foi criada ouvindo a determinação “fecha as pernas menina/ fecha as pernas mulher” e passa a vida tendo que se recolher e negando sua própria sexualidade, para de repente lhe aparecer o mesmo sujeito que a oprime, dizendo abre as pernas mulher” e ela tem que abrir como condição que lhe és dada e posta... por essas e outras demoramos anos e séculos para construir o conhecimento sobre o orgasmo, enquanto muitos pensam que é apenas uma questão de abrir as pernas e muitas passam anos a evitar inclusive pensar sobre o assunto, logo, passam somente abrindo as pernas, quando o cansaço, ou a dor de cabeça, ou o mal-estar, ou qualquer outra coisa seja maior para impedir o trágico momento de abrir as pernas!
Isso me faz pensar na opressão em sentido amplo, por exemplo, algumas pessoas tem o estranho poder de oprimir aqueles que em seu imaginário lhes representam perigo/ algumas pessoas produzem o estranho efeito de desmobilização dos outros seres humanos... tipo as pessoas que trazem acorrentado em seus calcanhares imensas e inúmeras coisas e questões mal resolvidas, mal conduzidas e mal elaboradas em suas vidas... essas pessoas tem o incrível poder de transformar tudo o que tocam em titica ou algo assemelhado... elas tem o poder quase absoluto de sempre encontrar, em qualquer situação que lhes apareça, um motivo para brigar, para falar mal, para detonar, para resmungar ou para aumentar a incrível e visível carga que carregam, com a qual ocupam todo o espaço em que estejam, física ou imaginariamente.
Nos encantamos, por exemplo, com um olhar vivo, intenso e brilhante, que porta em si a vida que pulsa dentro que ser que o expressa, mas também recuamos e entristecemos com o olhar opaco daqueles cuja visão não consegue transcender o contido limite do próprio entristecimento que a vida (ou a falta de vida) lhes causa!
Num outro dia ouvi uma Supervisora (daquelas que têm a SUPER visão) orientando os educadores de uma certa escola, no sentido de estarem atentos às formas de tratamento entre os seus pares, sendo que deveriam se referir uns aos outros como “professor fulano de tal” e as Diretoras não poderiam ser chamadas por seus apelidos, mas sim pela profissão, seguido do cargo e do nome... como se isso garantisse qualquer respeito da parte dos alunos e dos colegas... só faltou implantar o regime militar dentro da escola!
Concluo com Rubem Alves e Galeano “A solidão é para poucos. Não é democrática. Não é um direito universal. Para ser um direito de todos teria de ser desejada por todos. Mas são poucos os que a desejam. A maioria prefere a agitação das procissões, dos comícios, das praias, da torcida: lugares onde se fala o que todos entendem. A democracia é um jogo que se faz com coisas que podem ser ditas. Na democracia os segredos são proibidos. É um jogo do qual todos devem participar. É coisa boa, ideal político bonito que deve ser buscado para o bem-estar de todos. Nela, porem, não há, nem poderia haver, lugar para a solidão e o segredo. A democracia é ave que nada na superfície do mar. Não é peixe das funduras. Ela vive do jornal, da informação, do que é público...” (...) “A gente escreve para despistar a morte e destruir os fantasmas que nos afligem, por dentro; mas aquilo que a gente escreve só pode ser útil quando coincide de alguma maneira com a necessidade coletiva de conquista da identidade.”
“Ao fugir, salvei mas também perdi minha vida. Durante anos só soube que existia porque enxergava os outros vivendo.”... esta frase é de um angolano, mas pode ser de qualquer um de nós! 

A VIDA A GENTE INVENTA, A HISTÓRIA A GENTE CONTA, O MUNDO A GENTE TRAÇA

este é um escrito já publicado no jornal estilo, em tempos idos (há uns dez anos, mais ou menos)... estou re-olhando essas letras, para juntá-las em outras composições...
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            Quero fazer uma homenagem, neste escrito, a uma idosa que, mesmo com ares de guria, completa, por esses dias, seus setenta e poucos anos, e, por extensão, relembrar uma data comemorativa com relação ao idoso, que ocorre também por esses dias ... Juracema Fontoura, essa guria de setenta e poucos anos -viúva de um velho comunista que já encilhou seu pingo e foi campear em outras veredas de nosso imaginário, mas deixou na parede de sua casa a foice e o martelo, símbolos de suas crenças e de seus ideais-, chamo-a por borboleta porque, junto com sua irmã -outra borboleta de setenta e poucos anos-, dá suas revoadas tranquilas e breves, e retorna ao ponto de onde saiu ... fazem isso com freqüência, tanta que sua bisneta, com suas asinhas em aprendizagem já é a borboletinha ... mal sai do casulo e já dá muito trabalho.
            Uma sua filha perguntava-me: teremos os mesmos desígnios quando chegarmos a tal idade? E isso me fez lembrar que, quando criança, sonhava com os tempos da adolescência que logo chegariam; e seguindo o que é próprio da condição humana, de nunca alcançar a completude e o que efetivamente se quer, quando adolescente, almejava, sedenta, a idade adulta, pensando que poderia nunca perder as coisas que a infância me permitia ver e fazer; chegada à condição de adulta, vi que teria muito por amadurecer, e agora, quanto mais cresço subjetivamente, mais almejo ficar velha, sonhando que então, com toda a experiência da caminhada da vida, possa viver e agir com mais maturidade!
            Sempre mantive relações de amizade com pessoas mais velhas do que eu, principalmente pela precocidade granjeada no convívio no moinho e no balcão do bolicho do meu pai... tenho uma amiga que vai mais de duas décadas à minha frente, e às vezes, quando ela tece censuras ou considerações pertinentes à algumas experimentações por mim feitas, tenho que lembrar-lhe que quando eu nasci ela já estava domando boi a unha!
Relembro com carinho os velhos que habitaram a minha infância e que viverão para sempre em meu imaginário... o seu Pedro Rosa, que me benzia contra cobreiro, anemia, tristeza e quebranto... o compadre Mário, preto velho que picava o fumo em corda para fazer o seu palheiro, enquanto contava histórias de forma tão convincente que acreditei por muito tempo na veracidade das lendas que ele reinventava para me entreter; fui visitá-lo quando já chegava ao fim da vida, estava cego, bastou a minha presença para saber que eu tinha chegado; eu dava-lhe um pedaço de fumo sempre que ia ao bolicho, pois lhe associava à figura do saci pererê... o compadre Homero, que visitei há pouco tempo e me recebeu com um literal quebra-costelas, contava-me histórias de lobisomem de forma que ainda hoje acredito que possam existir, e ensinou-me o apreço pelos bancos de madeira -aqueles de três pés-, assim como moer a cana para tomar a garapa e fazer melado... a comadre Maria, que me contava os segredos das plantas e me ensinou a esperar amadurecer aquele casulinho que guarda as sementes do beijo para então estourá-los, e me disse, também, que um pé de butiá (uma das minhas frutas preferidas) demoraria sete anos para dar frutos, desde então conto ciclos pensando em plantar butiá e desistindo, pois demoraria muito tempo para colher a fruta, quando vejo que se passaram mais sete anos, penso que poderia ter plantado, acho que a minha vida mudará radicalmente no dia em que plantar um pé de butiá... e tantos outros velhos, que aqui não cabe!

            Prestamos aqui a homenagem a todos os idosos -tanto aqueles que estão na "melhor idade", como aqueles que sofrem o malogro do abandono, da falta de sentido para a vida, da tristeza, da falta de respeito de seus familiares-... idosos que, na forma que lhes foi possível, ajudaram a construir o mundo em que vivemos e, se deixaram problemas, seguimos a sina do ser humano lutando para construir um mundo melhor... enfim, a vida a gente inventa, a história a gente conta e o mundo a gente traça!

SOBRE GILLES DELEUZE (1925-1995)

Entrada del diccionario de Filosofía Herder.
 
Filósofo francés contemporáneo cuyo pensamiento se inscribió inicialmente en el movimiento estructuralista y en las llamadas filosofías de la muerte del sujeto, aunque su pensamiento, creador e iconoclasta, es inclasificable. De él dijo Michel Foucault que era “el único espíritu filosófico de Francia”, y que el siglo XX sería deleuziano. Estudió filosofía con F.Alquié, G. Canguilhem, M. Merleau-Ponty y J. Hyppolite en la Sorbona. Ejerció como profesor de filosofía en varias ciudades de provincias, y posteriormente simultaneó su docencia en París y en Lyon.
Desde 1969 fue profesor de filosofía en la universidad París VIII - Vincennes, hasta su jubilación en 1987, fecha en la que pasó a ser profesor emérito. Una de sus últimas actividades fue la de colaborar con la cadena de televisión ARTE narrando su visión del mundo a partir del abecedario. Afectado por una grave insuficiencia respiratoria, se suicidó el sábado 4 de noviembre de 1995 lanzándose por la ventana de su apartamento de la avenida de Niel en París. Esta muerte trágica se suma a la muerte de Foucault (que murió en 1984 víctima del sida), al suicidio de Guy Debord y de Nikos Poulantzas y a la muerte de Althusser (murió en 1990 ingresado en un psiquiátrico después de haber asesinado a su mujer), y cierra un sombrío destino de la llamada escuela de París de los años 60-80.
Según Deleuze, la tarea de la filosofía actual es la de pensar las condiciones que hacen posible la aparición de las nociones mismas de ser y de sujeto que están en la base de la filosofía moderna, la cual, a su vez, surgió por la necesidad de fundamentar el ser en el sujeto debido al fin de las metafísicas del ser que se produjo al final de la Edad Media. Esta investigación sobre la aparición de las características de la modernidad entendidas a partir de la aparición de la noción de sujeto, Deleuze la comparte con autores como Foucault, por ejemplo, y la efectúa bajo la inspiración de Nietzsche (y, en parte, de Heidegger, aunque Deleuze considera que el pensamiento heideggeriano sobre la diferencia ontológica es un retroceso respecto de Nietzsche). Se trata de mostrar que hay un fundamento anterior al ser y al sujeto, y al ser como sujeto. Se trata, pues, de desconstruir (aunque esta terminología no es deleuziana) la subjetividad y criticar la idea según la cual el sujeto y su representación son el punto de partida y el fundamento. Con ello aborda una nueva forma de pensar, en tanto que se trata de pensar lo no-pensado y velado por la lógica de la identidad.
Esta forma de pensar, que en Deleuze se desarrolla a partir del estudio minucioso de grandes filósofos (su primera producción filosófica son una serie de monografías sobre el materialismo de Lucrecio, el panteísmo de Spinoza, el empirismo de Hume, el vitalismo de Bergson, el pensamiento de Kant y el de Nietzsche), se desarrolla a partir de la crítica de la línea de pensamiento que va desde Platón a Hegel pasando por el cristianismo y Descartes, y que se ha basado en el dualismo entre materia y espíritu. Contra este dualismo Deleuze reivindica el proyecto nietzscheano de la inversión del platonismo, y una concepción de lo real entendido como formado por una multiplicidad de planos sin cabida para aquel dualismo ni para un pretendido privilegio del sujeto como polo de referencia. Esta crítica del dualismo la sustenta Deleuze en el vitalismo de Bergson (hasta el punto de que puede considerarse a Deleuze como el desarrollador del bergsonismo), y en el vitalismo de Nietzsche (que Deleuze contribuyó a su revitalización como pensador, y fue uno de los grandes impulsores del renovado interés por este pensador). El élan vital de Bergson, como el eterno retorno nietzscheano aparecen como afirmaciones incondicionales de la vida frente al pensamiento negativo de raíz platónica, cristiana y que culmina en las nociones de alienación y dialéctica en Hegel. En lugar de la negación de la negación, Deleuze, siguiendo la crítica nietzscheana al hegelianismo, sustenta la afirmación de la afirmación. Por ello la filosofía no puede limitarse a ser crítica, sino que ha de ser creadora de valores nuevos, y efectuar aquella tarea de pensar lo no pensado, así como pensar las bases de la aparición del privilegio metafísico del ser entendido como identidad, y el privilegio del sujeto. Si en la demolición del dualismo de raíz platónica Deleuze se inspira en Nietzsche, la puesta en cuestión del principio de identidad y del papel del sujeto se inspira en sus estudios sobre el empirismo de Hume (que, a su vez, es uno de los puntos de partida de la filosofía de Bergson).
Deleuze muestra que lo que aparece tras la subjetividad no es la antigua noción de el ser, sino la diferencia; el ser como diferencia, el ser como tiempo. El tema de la diferencia es el núcleo del pensamiento de Deleuze, el cual considera que la noción imperante de subjetividad y de identidad es la que ha imposibilitado el pensamiento de la diferencia. La elaboración de un pensamiento de la diferencia, no subordinado a la identidad, implica una relectura de la historia de la filosofía ya que, según Deleuze, en filósofos tales como Lucrecio, Spinoza, Leibniz, Hume, Kant, Nietzsche y Bergson ; en literatos como Proust, Sacher-Masoch o Kafka; en determinados aspectos de la noción psicológica de inconsciente y en pintores como Bacon, se definen implícita o explícitamente aspectos clave del ámbito de la pre-subjetividad (la duración bergsoniana, por ejemplo, que es constitutiva del sujeto). De ahí la serie de estudios monográficos que Deleuze elabora sobre los autores mencionados. Así, por ejemplo, analiza la filosofía de Hume y con él se pregunta ¿cómo es posible que a partir de lo dado pueda construirse el sujeto? Como Hume, considera que son los hábitos quienes lo constituyen pero, entonces, son éstos los que nos tienen a nosotros y no nosotros a ellos. En lugar de una teoría de lo que hacemos debe elaborarse una teoría de lo que nos hace. Como Bergson, afirmará que todo organismo es un conjunto de contracciones, retenciones y esperas; un pliegue de la materia-imagen, del tiempo-duración, pliegue que aparece como diferencia.
La filosofía del ser y del sujeto basada en el ocultamiento de la diferencia ha considerado dos tipos de diferencias: a) la diferencia conceptual e intrínseca (según la cual x e y son diferentes cuando no pueden definirse de la misma manera) y b) la diferencia no conceptual o extrínseca (según la cual x y x' son diferentes por el hecho de no ocupar el mismo espacio, aunque puedan definirse de la misma manera). En ese caso, la diferencia no conceptual es concebida como repetición de lo idéntico, pero Deleuze niega que la repetición sea la reproducción de una realidad originaria: no puede haber una repetición no conceptual, de manera que la repetición no es nunca una repetición de un modelo originario. De esta manera, pone en cuestión las teorizaciones del principio de identidad y de la noción clásica de sujeto que, para Deleuze, es siempre necesariamente heterogéneo, y su pensamiento, de raíz bergsoniana, es el de lo cualitativo, fuera de toda cuantificación. Ello no invalida la necesidad del estudio matemático, pero Deleuze señala dos estructuras topológicas diferentes del espacio: la estructura estriada, que procede de un punto de vista fijo, y la estructura lisa, que es el lugar del devenir, del flujo y de las multiplicidades intensivas, que se correspondería al mundo de un cuerpo sin órganos.
El conjunto de las investigaciones y resultados de sus estudios los expone Deleuze en sus obras fundamentales, tales como Diferencia y repetición (1968); La lógica del sentido (1969, obra que trata una diversidad temática, y en la que estudia autores como L. Carroll, los estoicos, Klosowski, Gombrowicz, Joyce, etc.); El pliegue; Cine 1: la imagen movimiento (1981); Cine 2: la imagen-tiempo (1985). Obras, todas ellas, que han tenido una gran influencia en el pensamiento contemporáneo, en autores como Foucault o Paul Virilio, por ejemplo. En Diferencia y repetición Deleuze aborda la “cuádruple raíz de la representación”: la identidad, la analogía, la oposición y la semejanza, y el panorama ontológico que surge de este estudio no es ya el de un mundo poblado por sujetos u objetos, sino por singularidades libres, asubjetivas y preindividuales; intensidades virtuales bergsonianas, esencias espinozianas y fuerzas nietzscheanas. En El anti-Edipo (1972), escrito en colaboración con el ex psiquiatra Félix Guattari (nacido en 1930 y muerto en 1992), estudia otra de las condiciones de la pre-subjetividad, la noción de inconsciente, y aborda la relación del psicoanálisis con la política y la historia. En esta obra se afirma que el psicoanálisis, en tanto que se sustenta en un modelo familiarista tradicional (lo que se manifiesta en la misma importancia otorgada al complejo de Edipo), no es más que un instrumento de represión, entre otros, incapaz de comprender la realidad del deseo individual, que Deleuze y Guattari muestran multiforme, creador e imposible de canalizar. De hecho la misma noción del complejo de Edipo es, según Deleuze-Guattari, una manifestación de aquella noción viciada de la repetición: es el deseo actual del sujeto como repetición alienada de una catexis originaria que lo sigue atando a la madre e instituye el deseo como negatividad, de manera que todo deseo ulterior será concebido como una repetición imperfecta de aquel primer deseo originario. En contra de ello Deleuze y Guattari sustentan el carácter plenamente afirmativo del deseo, y señalan que las repeticiones no son reproducción de ninguna relación originaria fundante: no hay repetición de un primer término. Por ello, contrariamente a los análisis clásicos que insisten en la relación del deseo con la carencia (ésta es la interpretación de Platón en El Banquete y Freud en el complejo de Edipo), Deleuze lo presenta como orientado, de hecho, hacia la producción y la articulación de soluciones inéditas: desear es transgredir las normas y hacer aflorar flujos profundos. Por otra parte, no es el deseo el que se convierte en necesidad, es todo lo contrario: son las necesidades las que se convierten en deseo. En Mil mesetas (1980, segundo tomo de “Capitalismo y esquizofrenia”, obra de la cual el Anti-Edipo es la primera parte), se prolonga esta concepción del deseo y de la máquina deseante, el estudio de las estructuras lisas y estriadas del espacio, y se dirige fundamentalmente a sus consecuencias políticas.
buscado em: cooperação.sem.mando

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

de 2013 para 2014

a vida acontece e desacontece... e eu sigo não gostando de balanços pontuais... a vida não tem balanços pontuais... a vida está em permanente balanço... a vida, quando acontece, perde o contorno de exatidão das existências prontas e acabadas!
viver, para mim, é ter coragem de experimentar aquilo que nos desacomoda... é, um dia compor poesia com a alegria e, noutro, lidar com as tristezas que nos fazem (des)acontecer... é, ora rir, ora chorar, ou mesmo fazer tudo ao mesmo tempo... é saber se desfazer das velhas certezas e produzir novas (in)certezas... é cair, andar, tropeçar, rastejar, deitar um pouco, voar, levitar... é cansar, parar um pouco e seguir em frente, para os lados, para baixo, para cima e em muitas direções descardealizadas... é andar e desandar... é sorrir de canto e também gargalhar... é dar de ombros às efemeridades que sustentam vaidades... é inventar a paz e desinventar a guerra... é pisar um passo leve, pra não espantar as coisas poucas que nos alimentam... é compor silêncios... é fazer a coisa do seu jeito, sem seguir ou inventar receitas... vida tem disso... tem fissuras e sulcos, dobras e irregularidades, continuidades e descontinuidades... tem conexões que fazem fluir a existência e inventar movimentos... a vida é também outras coisas... talvez rir de bobagens e de não bobagens... puxar o facão para as ameaças que nos batem à porta... reconhecer quando vale e quando não vale a pena uma peleia... cantarolar no meio de protocolos... sorrir para a hipocrisia... pegar pela mão e ajudar a andar, a quem cambaleia das pernas e dos quereres... é pedir a mão quando cambaleamos...
enfim, 2013 trouxe-me muitas coisas... nada pequeno... nenhuma coisa pouca... desterritorializou-me por completo... trouxe-me empreitadas nunca dantes vividas, das quais tenho o maior orgulho... trouxe-me a desterritorialização de 2012 e exige-me que em 2014 eu re-cartografe a vida... trouxe-me os teares do cuidado de uma forma absolutamente ampliada... ensinou-me a cuidar e proteger com muito mais carinho e amorosidade... me fez outra, que não a que por tanto tempo conheci... ainda, neste instante, me faz outra!
hoje recolho as baterias, porque já faz um tempo que pedem recarga... porque em 2013, além de lidar com a vida, lidei também -e bastante- com a morte... com a morte provocada nos viveres alheios por gente hipócrita, pequena e rasa... por gente arrogante... por gente desvairada pelo alucinatório poder (efêmero poder)... por gente putrefata... mas, enquanto isso, também lidei com muita gente linda... gente feito gente... gente que inventa a vida a cada desacontecer... gente que se alegra com alegrias... gente que não se importa com efêmeros poderes... gente que produz bons encontros e boas intensidades... gente que luta e rala pra viver, e que não rouba os viveres dos outros... gente que faz poesia em cada dobra da existência... gente que desiste e gente que segue andando... gente que vacila... gente que não se assusta com fragilidades... gente que se encoraja, fica pelado de si e inventa um outro para viver...
assimassim, entro 2014 de idade e de energia nova... porque a vida me precisa... porque a poesia é nossa... porque a minha toada não é só minha... porque vida que reverbera não para de acontecer... e faço isso porque reverbera em mim, também a vida das pessoas lindas da minha vida, dos amigos lindos e de todas as pessoas lindas com quem transverso minha existência... nomais, nomais, que venham também aqueles que, daninhos, nos ajudam a nos tornarmos melhores e mais gente!
um abraço grande a todos aqueles que transversam a minha vida e em cujas existências também transverso meus versos... porque a vida segue... e a alegria é uma invenção permanente...

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Memorial descritivo do percurso profissional e acadêmico

hoje a colega e amiga sabrina corrêa me chamou pra uma conversa que me jogou nuns pensamentos que fizeram com que retomasse algumas coisas que tem poucos dias se desenharam em minhas letras... interessada em fazer um curso de doutorado, fui juntar minhas ideias para a candidatura e eis que das muitas coisas que me faltavam para as formalidades acadêmicas uma era a boia que se deve tratar regularmente ao césar lattes... faltou boia... faltou tempo pra fazer a boia e tratar... faltou disponibilidade para fazer e tratar a boia ao lattes... mas não faltou tempo e nem disponibilidade para fazer boia com as gentes que não comem da mesma coisa que o lattes... sempre fico a pensar sobre as importâncias e (des)importâncias daquilo que tecemos nos teares dos dias e nas tramas das vidas... aquilo que possibilita outras escrevinhaduras nas vidas e nas existências das pessoas com quem transversamos nossas existências... isso... essas coisas não aparecem e não dão boia ao lattes... essas coisas pulsam nas vidas e as fazem potentes... não são boia pra coisa pouca!

Maria Luiza Diello[1]

Tínhamos também, possivelmente, uma concepção comum de filosofia. (...) Nossa tarefa era analisar estados mistos, agenciamentos, aquilo que Foucault chamava de dispositivos. Era preciso não remontar aos pontos, mas seguir e desemaranhar as linhas: uma cartografia, que implicava numa microanálise (o que Foucault chamava de microfísica do poder e Guattari, micropolítica do desejo). É nos agenciamentos que encontraríamos focos de unificação, nós de totalização, processos de subjetivação, sempre relativos, a serem sempre desfeitos a fim de seguirmos ainda mais longe uma linha agitada. Não buscaríamos origens mesmo perdidas ou rasuradas, mas pegaríamos as coisas onde elas crescem, pelo meio: rachar as coisas, rachar as palavras. Não buscaríamos o eterno, ainda que fosse a eternidade do tempo, mas a formação do novo, a emergência ou o que Foucault chama de ‘a atualidade’
Gilles Deleuze[2]
BOCÓ
Quando o moço estava a catar caracóis e pedrinhas na beira do rio até duas horas da tarde, ali também Nhá Velina Cuê estava. A velha paraguaia de ver aquele moço a catar caracóis na beira do rio até duas horas da tarde, balançou a cabeça de um lado para o outro ao gesto de quem estivesse com pena do moço, e disse a palavra bocó. O moço ouviu a palavra bocó e foi para casa correndo a ver nos seus trinta e dois dicionários que coisa era ser bocó. Achou cerca de nove expressões que sugeriam símiles a tonto. E se riu de gostar. E separou para ele os nove símiles. Tais: Bocó é sempre alguém acrescentado de criança. Bocó é uma exceção de árvore. Bocó é um que gosta de conversar bobagens profundas com as águas. Bocó é aquele que fala sempre com sotaque das suas origens. É sempre alguém obscuro de mosca. É alguém que constrói sua casa com pouco cisco. É um que descobriu que as tardes fazem parte de haver beleza nos pássaros. Bocó é aquele que olhando para o chão enxerga um verme sendo-o. Bocó é uma espécie de sânie com alvoradas. Foi o que o moço colheu em seus trinta e dois dicionários. E ele se estimou.
Manoel de Barros[3]
Antes de abordar a minha prática profissional, gostaria de falar um pouco do meu percurso de formação pessoal e acadêmica. Confesso que já perdi no horizonte o motivo pelo qual quis fazer formação em psicologia, mas na época minha família condicionou que eu fosse estudar em uma Universidade que não fosse muito longe de casa, então escolhi a UNIJUÍ, mas isso era 1988 e eu havia concluído o então 2º grau (com formação em Magistério) e já passara um ano em casa (por questões familiares). O curso de Psicologia, na UNIJUÍ, abriria somente em 1990, então decidi fazer Filosofia durante 1989. Quando ingressei na Psicologia, ainda continuei cursando algumas disciplinas em Filosofia, mas algum tempo depois não foi mais possível custear financeiramente e interrompi a graduação em Filosofia, mas continuei freqüentando, como aluna ouvinte, algumas disciplinas dos cursos de Especialização da Filosofia (na época havia 3 cursos).
Durante o curso de psicologia fui tendo necessidade de ter mais contato com outros campos de conhecimento para além da Psicologia e da Filosofia, então transitei muito nas áreas de artes, literatura, ciências sociais, história, enfim, tentando conhecer esses campos que são tão importantes para o entendimento e para o trabalho com as gentes; isso, somado a certo desconforto que sentia com relação à teoria psicanalítica (que era a linha predominante na formação no curso de psicologia da UNIJUÍ), acabou provocando uma atrapalhação em minha vida acadêmica e fiquei na Universidade mais tempo do que o previsto formalmente, principalmente porque na época (e não sei como isso está hoje) não contávamos com um apoio humano em nossa trajetória acadêmica, sendo apenas preconizado que fizéssemos análise e que nos virássemos com isso!
Foi um tempo muito difícil para mim e teria sido muito mais tranqüilo se pudesse contar com um acolhimento humanizado na Universidade. Veja-se que eu tinha uma vinculação familiar muito forte, saí de casa aos 14 anos para fazer o 2º grau numa escola de freiras e, além disso, tinha uma formação humana absolutamente conservadora, ao mesmo tempo em que estava lidando com crises e questionamentos pessoais. O que foi de uma importância imensurável para mim, naquela época, e que me deu suporte para seguir em frente, foi o convívio com o pessoal da filosofia, assim como, com modos de vida esquizos e anárquicos. Isso tudo, somado à minha imaturidade, ajudou-me a entender, também, que o fato de uma pessoa escolher e passar a freqüentar um curso superior, não significa, necessariamente, que ela tenha suficiente sabedoria para lidar com as coisas da própria vida!
Quando escolhi fazer o curso na UNIJUÍ, sabia que sua linha teórica predominante seria a psicanálise e, na época, não entendia muito o que isso significava, mas era um campo do conhecimento que tinha amplo crédito no meio acadêmico e me fixei nesse idealismo, tendo tido uma formação acadêmica muito consistente nessa área. Na época, não havia um núcleo de estudos da psicanálise em Ijuí e algumas pessoas estavam começando a estudar a teoria psicanalítica, vinculadas à APPOA – Associação Psicanalítica de Porto Alegre (que também deu o suporte teórico para a construção do projeto do curso), portanto, as primeiras turmas do curso, puderam contar com professores com uma formação bastante consistente, os quais se deslocavam de Porto Alegre para trabalhar no curso da UNIJUÍ, e isso, garantiu, também, a qualidade da formação daqueles que tinham uma trajetória intelectual mais intensa. Assim, tive uma excelente formação teórica, mas não quis seguir a “ordenação” da formação institucional em Psicanálise, porque discordava daquele formato desenhado por um espectro ortodoxo, assim como, sentia certo desconforto com os liames da teoria psicanalítica, pois a minha própria situação pessoal não tinha enquadre em seus pressupostos.
Segui nessa trilha durante um considerável tempo de minha atuação profissional – o que, sem, dúvida, provocava muito sofrimento -, e, mesmo sendo uma apaixonada leitora de Foucault – por influência de meu trânsito na Filosofia e, principalmente, de um amigo filósofo que era foucaultiano -, não consegui, naquele tempo, fazer uma leitura mais precisa, da forte crítica ao campo psicanalítico. Mas, ao mesmo tempo em que tomava os referencias psicanalíticos como fundamentos de minha leitura de gentes e de mundo, tinha uma prática muito bonita, cujos fundamentos foram, à época, as coisas e as ideias em que eu realmente acreditava e que, por falta de uma visada disso durante minha formação, eu não sabia exatamente o que era... eis que, uma amiga que é do Serviço Social, atentava-me com provocações respeitosas sobre o que eu estaria fazendo, ancorada no campo psicanalítico se minha prática e meu entendimento de mundo eram absolutamente diversos disso... aos poucos fui me liberando de parte de minha antiga biblioteca e fornicando, devagarzinho, com a biblioteca dessa amiga... fui fazendo cópias de algumas coisas de Deleuze e de Guattari... algumas coisas eu própria já dispunha... e assim, fui me dando conta das coisas que estavam bem na frente do meu nariz e que eu ainda não havia reconhecido... algum tempo depois, já era 2007 e aí fiz seleção para o Mestrado Interinstitucional em Filosofia – UFSM/UNIJUI, no qual desenvolvi a pesquisa sobre “A Problematização da Subjetivação em Michel Foucault – para o cuidado e a transformação de si –“.
Para desenvolver a pesquisa e produzir a dissertação, tive que superar a leitura apaixonada que tinha de Foucault para, distanciada da passionalidade, poder fazer um exercício racional com relação ao seu pensamento... isso foi muito importante para minha formação, pois realocou minhas leituras e minhas andanças a partir de então! Evidencio  isso através de um excerto do Excurso de minha Dissertação, intitulado “Para uma escrita de si – uma apresentação dos rumos da pesquisa e da escrita”, cujo texto segue:
“Saio dessas tecituras[4] e faço, aqui, um retorno a Foucault, circundando a relação teórica com ele e com sua obra. Reapaixonar-me pelo autor foi uma das tarefas mais gostosas da pesquisa; reaproximar-se devagarzinho, desvencilhando-me aos poucos daquilo que já estava recortado em outro formato em meu imaginário e, re-tecendo, com outro olhar e com outros fios, aquilo que já me era tão familiar, além de encontrar o inesperado (me permitir encontrar o inesperado) - para usar um termo deleuziano ao se referir à condição necessária a um filósofo - ou como interroga o próprio Foucault, ao se perguntar sobre a tarefa do exercício filosófico: ‘Se não consistir em tentar saber de que maneira e até onde seria possível pensar diferentemente em vez de legitimar o que já se sabe?’ (FOUCAULT). Este foi um exercício fundamental que tive que fazer para deixar de tomar seu pensamento como instrumento de legitimação do meu próprio pensamento, sem o que, não haveria curiosidade e nem pesquisa. Reconheço que ainda fiquei muito longe do desejado e esperado, mas é um passo dado, sem o qual não haveria a perspectiva de, daqui por diante, seguir nesta trilha.
 Então, além de encontrar o inesperado, senti-me na prazeroza condição de produzir em mim mesmo e em minha nova relação com Foucault, o inesperado. O inesperado que nos faz criar e, por sua vez, produzir. Isso me possibilitou acordes para a tessitura de um novo som, nesta que é uma caminhada cujas calosidades só o pesquisador pode curar. Ainda, no pensar deleuziano: fez-se a dobra na pretensa e equivocada linearidade de meu pensamento, dobra que irá projetar uma outra direção, uma outra questão, uma outra idéia, um rumo para a pesquisa e para o tecimento da dissertação, saindo do desenho tão ingênuo que no início me propunha dar a ver, e buscando traçar um riscado pelo menos mais coerente e que possa permitir, agora ou mais tarde, uma costura mais consistente”[5].
 Para dizer um pouco mais das coisas teóricas e práticas que me interessam, faço uso das palavras de Baremblitt, ao falar do pensamento de Deleuze e de Guattari, dizendo: “Não é um pensamento discursivo, mas segundo a própria definição deles, é uma máquina fundamentalmente energética, destinada a vibrar e a fazer vibrar aqueles que dela se aproximam e a engajá-los em um movimento produtivo, que não passa exatamente pelas idéias nem pelas palavras, mas pelos afetos. Por afetar e ser afetado. Passa pela capacidade de vibrar em consonância, passa pela capacidade de despertar o entusiasmo, a vontade de viver, a vontade de criar. (...) eles estão sempre integrados a um tipo particular de militância. Eles têm um ‘pé’ numa ação concreta que se exprime e se inspira nesses escritos, dentro da famosa idéia de práxis, ultimamente tão esquecida. A proposta de uma micropolítica é a ação política que acompanha a proposta analítica desses autores, que se chama ‘Esquizoanálise’. A Esquizoanálise é uma leitura do mundo, praticamente de ‘tudo’ o que acontece no mundo, como diz Guattari em seu livro sobre As Três Ecologias, sendo uma espécie de Ecosofia, uma ‘episteme’ que compreende um saber sobre a natureza, um saber sobre a indústria, um saber sobre a sociedade e um saber acerca da mente. Mas um saber que tem por objetivo a vida, no seu sentido mais amplo: o incremento, o crescimento, a diversificação, a potenciação da vida”[6].
Colocadas essas questões, digo que minha atuação profissional sempre foi voltada para o campo das políticas públicas e, além disso, meu interesse pesquisador sempre esteve dirigido às questões filosóficas, humanas, políticas, éticas e sociais... faço de minha práxis cotidiana uma permanente potenciação da vida, criando e produzindo movimentos que ajudam a transformar a realidade!
Assim, cumpre esclarecer que, quando completei minha graduação em Psicologia, pensava em imediatamente fazer um curso de mestrado, mas logo que passei a atuar na área da Assistência Social (e isso se deu em 1998), percebi que nada sabia da vida, do mundo e das gentes... propus-me, então, a vivenciar a atuação profissional por várias áreas e, desta forma, poder produzir uma condição profissional que propiciasse, além do entendimento teórico sobre as coisas da vida e do mundo, o entendimento sobre as formas e as proposições teóricas que realmente importavam ao meu percurso profissional; desta forma, já tendo transitado e atuado nas áreas da Assistência Social, da Educação (Docência em Ensino Médio e Superior, e Institucional) e da Saúde Pública (Clínica), pude, ainda, atuar no campo do Judiciário e, depois, voltar ao da Saúde Mental, que é o espaço em que pretendo seguir, doravante, minha vida profissional (devo que dizer que esse percurso foi atrapalhado em abril/2013, quando fui intempestiva e autoritariamente removida da Secretaria Municipal de Saúde para a de Desenvolvimento Social, onde desenvolvo trabalho junto à Política de Atenção ao Idoso, sendo que pretendo retornar ao trabalho no campo público da saúde mental).
Acredito que seja importante esclarecer as motivações que me levaram a permitir o atravessamento pelo viés teórico da Esquizoanálise, visto que isso se deu por uma necessidade que eu própria tinha de alcançar um campo teórico que respeitasse e contemplasse o sujeito como ele é a partir de sua história e de suas vivências e não a partir de protótipos ou enquadramentos paralisantes, e, já tendo tecido o olhar sobre as leituras dessa perspectiva teórica, o que decorreu daí, foi só um desandar teórico que me colocou ao compasso do que penso e do que estudo, assim como, da forma como atuo.
Atualmente já ultrapassei o dualismo “corpo-mente”, pois penso que não haja dois, mas sim, uma coisa só que se atravessa de uma a outra parte... enfim, teoricamente, ainda olho para essa questão como se fosse a primeira vez que a visse, apesar de ter clareza disso em minha atuação profissional cotidiana.
No que se refere à prática clínica, penso que sejamos somente e tão somente comportas de contensão e passagem dos afetos da pessoa que atendemos e, para isso, é fundamental produzir uma experiência de vida que possibilite aprender a ler e entender as coisas da vida e do mundo, pois sem isso, resta impossível a tarefa de dar passagem aos afetos do outro... assim, a prática esquizoanalítica não se faz possível através da configuração ou formatação de enquadramentos que culminam em padrões, mas sim, a partir do cruzamento do entendimento teórico sobre a dimensão humana e social da subjetivação, com a produção da experiência do próprio analisador (que pode ser decorrente de um processo esquizoanalítico formal ou pessoal), para isso, é importante que a produção dessa experiência não seja apenas uma intencionalidade teórica, mas principalmente uma disponibilidade subjetiva ao ultrapassamento de modos de vida de enquadramento ou adestramento, para a constituição de modos de vida, autônomos, libertários e protagonistas.
No mais, acabo de completar 16 anos de trabalho (15 destes em instituições públicas) e já andei por vários campos, tecendo teias que nunca paro de ver se juntando a outras teias... comecei a atuar em espaço público em 1998, na então Ação Social, depois fui para a Saúde Mental e Docência (nível médio e técnico) e para a atuação institucional na área da educação...  depois para o Desenvolvimento Humano... depois fui para o Desenvolvimento Social... depois para o judiciário... durante esse tempo, atuei também em espaços acadêmicos de docência e pesquisa... e agora parei com tanta diversidade... já experienciei as atuações que desejava nesses campos e, desde 2009 venho me dedicando especificamente ao trabalho em saúde mental, polinizando minha atuação através dos referenciais da esquizoanálise, da psicologia social e institucional, e embalada pelos ideais de solidariedade, justiça social, simplicidade, humanidade, participação popular, protagonismo das gentes, entre outras coisas que embalam os pensamentos dos viventes!
Estou vivendo um tempo atípico em minha atuação profissional e, assim, enquanto cuido em manter meu trabalho público dentro do que seja possível desenvolver no espaço em que atuo, concomitantemente vou tecendo outras possibilidades de trabalho. No mais, mantenho o consultório privado durante todo esse tempo em que atuo no campo público, visto que é um lugar em que se pode arredar o banco e ter uns dedos de prosa a qualquer tempo, independente das vontades de gestores afoitos e apegados à efemeridade do poder.
A atuação intersetorial no trabalho público tem possibilitado o meu trânsito permanente no campo da saúde e, para além da manutenção do meu trabalho privado em saúde mental (assim como, do trânsito intersetorial nessa área), pretendo retomar minha atuação diretamente na saúde mental pública.
Nessa toada, perscruto os caminhos da clínica ampliada, do atendimento de rua, da atuação comunitária (que é uma experiência que já consolidei em minha história profissional) e da redução de danos (não enquanto viabilização e distribuição de insumos, mas enquanto modo de vida relacionando à invenção de uma estética existência enquanto).
Afora isso, devo sublinhar que nunca fui apegada a alimentar meu Lattes... o dito existe, pois é uma entidade formal exigida em muitos espaços e que a academia considera em grande conta, mas não me estrebuchei para cuidar dele... há umas poucas coisas que faço que ali aparecem... esqueço de recolher os certificados, mas não esqueço de transversar as vidas e os afetos de todos aqueles com que cruzo em minhas andanças pessoais e de trabalho... minha escrita se dá cotidianamente na vida das gentes... acoiero as letras nos descampados de afetos e faço delas alguma coisa que possa ser dita, porque d’as vezes aquele sujeito que pomposamente chamamos de usuário, precisa que a gente lhe dê um retrato para re-ajeitar sua vida no cenário de sua própria existência ou n’algum outro que o tenham metido (ou que ele mesmo tenha se metido).
Falta-me tempo físico para as escritas formais... e não é que não goste disso, aliás, é o que mais gosto... na verdade, se tivesse com que garantir os meneios da vida prática e material, não arredaria a bunda da beirada dos livros e dos lápis... anseio para ter uns tempos só pra isso... anseio por fazer a escrita de tanta coisa que está ajuntada no tempo longo dos meus existires... anseio pra deixar correr a linha e ir trazendo devagarzinho pra beira d’água, o peixe arisco que me ponteia os pensamentos.
No mais, sou uma conversadeira... portanto, é me convidar para uma roda de conversa e já me baixa um preto velho, puxo do meu palheiro (imaginário) e sento para um dedo de prosa... sou daquelas que acredita que um banquinho de madeira com três pernas seja suficiente para segurar uma boa conversa... além disso, a vida é um permanente devir que, além de ser atravessado pelo coletivo, é produção do sujeito! Assim, termino com mais um excerto de minha dissertação:
“Assim sendo e sem fazer apologias desnecessárias, encerro este primeiro momento, com Melville citado por Deleuze, quando diz: ‘gosto de todos os homens que mergulham. Qualquer peixe pode nadar perto da superfície, mas é preciso ser uma grande baleia para descer a cinco milhas ou mais. Desde o começo do mundo, os mergulhadores do pensamento voltam à superfície com os olhos injetados de sangue’ (MELVILLE apud DELEUZE, 2006, p. 128-9).
Talvez seja nessa perspectiva que podemos contemplar Foucault e, estudando sua obra e as problematizações que formaram o conjunto do seu pensamento, que possamos, mesmo não sendo grandes baleias, pelo menos mergulhar profundamente e voltar sempre à superfície com o pensamento injetado de sangue e, ainda, se não for de sangue, que seja com o propósito de ao final podermos fazer algo diferente ou melhor do que nos propúnhamos no início de nosso itinerário de pesquisa”[7].
Assimassim apresento-me para esta Seleção para o Curso de Doutorado em Psicologia Social e Institucional, não basicamente pela titulação, mas principalmente pelo desejo forte de transversar meus versos com os versos de outras gentes... de juntar meus ideamentos com outros pensamentos... de seguir juntando letras para melhorar o tino das palavras com que adentro as fissuras de tantos existires no dia-a-dia, no afeto pouco de quem precisa de uns versos –miúdos que sejam- no cisco pouco de suas vidas.



[1] Formação principal: Pescadora, bolicheira, conversadeira, inventadeira, poeteira, escrevinhadeira e curiosa (o que provoca pesquisamentos por causa do pouco conhecimento).
Formação complementar: Psicóloga, Especialista em Ciência Política, Mestre em Filosofia, Trabalhadora Pública na Prefeitura Municipal de Cruz Alta/RS e, também, arredo o banco pra trabalhar num canto não tão público.
[2] DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1 Ed. (1992) 5 Reimp. 2006.
[3] BARROS, Manoel de. Memórias Inventadas: a segunda infância. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.
[4] Uso o termo “tessitura” que se refere ao conjunto dos sons e que melhor dá sua tonalidade, e que me faz pensar na música produzida e emitida pela obra, pelo texto, pelas elaborações de um autor, tratando-se, então, da musicalidade de um autor ou de um escrito; e, em outros momentos, uso tecitura que é uma corruptela para tecedura e que diz do tecer das idéias e do pensamento, feito fios que se cruzam e formam o pano, no caso, o pano de idéias. E ainda vale esclarecer que a origem do termo “texto” é anterior à difusão cultural da escrita: vem da atividade das mulheres que “teciam tecidos” com a roca. Com o advento da ampliação da escrita, o escrito passou a se chamar texto.
[5]DIELLO, M.L. Michel Foucault e a Problematização da Subjetivação – para o cultivo e a transformação de si -.  Dissertação de Mestrado. 2009, p. 14-5). Disponível: http://cascavel.cpd.ufsm.br/tede/tde_arquivos/24/TDE-2009-10-28T141810Z-2307/Publico/DIELLO,%20MARIA%20LUIZA.pdf.
[6] BAREMBLITT, G. Introdução à Esquizoanálise. Biblioteca Instituto Félix Guattari, 1998, p.14-15.
[7] DIELLO, 2009, p. 31-2.

sábado, 2 de novembro de 2013

flecheira.libertária.316

depois da queda!
A sondagem de um jornal paulistano indica que houve queda de reconhecimento popular ao movimento que avança por ruas e avenidas. A queda identificada não ofusca que mais de 60% da população é favorável a este movimento. A queda é irrelevante considerando haver algo insuportável que não se cala e permanece. A designação de vândalos parece não surtir os efeitos desejados pelos governos e mídias. A situação indica o que não é negociável para os jovens das ruas, seja a reivindicação de transporte gratuito, sejam os combates a edificações do capital, a conduta ou a existência da polícia.
pela culatra
No final da semana, passada nova manchete: um jovem foi preso e acusado de fazer parte de linchamento de coronel da polícia. Foi o efeito imprevisto da tecnologia da negociação feita missão de um coronel. Foi a expressão real da impulsividade alheia ao próprio movimento com suas diferenciadas forças. Foi a resultante do espelhamento da invariante conduta policial. É comum em qualquer movimentação concentrada que vários policiais ataquem violentamente um manifestante que por algum deslocamento diante deles ficou só. Somos regularmente informados disso por meio de fotos e vídeos em jornais, televisões e mídias alternativas. De certa maneira, a polícia viu contra si o resultado de seus covardes espancamentos regulares. Se na era das tolerâncias é intolerável a revanche contra um policial, também deveria ser inaceitável que policiais espancassem cidadãos em qualquer situação. 
sem uniformes
É surpreendente como um abundante movimento diante de uma polícia numericamente inferior evita o massacre do oponente. Se não há reconhecimento da legitimidade da polícia, há o respeito pela vida e o corpo do policial assujeitado que defende o que lhe é exterior, a lucratividade de poucos. A polícia está confusa, os policiais cumprem ordens e as autoridades governamentais permanecem reativas, então, exigir uniformidade neste movimento é tentar reduzi-lo, equivocadamente, a uma identidade que não tem e nem pretende ter. 
por onde passam os militantes da tática black bloc
Rio de Janeiro, UERJ, Colóquio Internacional Michel Foucault, semana passada. Zunzum repentino: corre informação que o black bloc fará uma intervenção no colóquio. Seguranças são acionados, alguns participantes ficam sobressaltados. É a última sessão de um concentrado e fino colóquio lotado de interessados nas exposições densas e intensas dos convidados pela sua organização. Inicia-se a sessão e jovens encapuzados adentram no recinto. Sente-se no ar certa tensão, afinal, eles são identificados e fichados como vândalos. Os participantes da mesa expõem suas reflexões em duas horas diante do silêncio atento da plateia e dos militantes. Nada ocorreu de extraordinário; ao final, somente a constatação de um medo infundado. 
com as portas e as janelas abertas
Melhor para cada participante do evento. Melhor para os jovens irredutíveis que usam a tática black bloc. melhor para quemse dispõe, como o filósofo francês, em estar atento às forças que enunciam o insuportável. Na moderação neoliberal vigente, que coloniza a direita e a esquerda do Estado, nada melhor que conviver, ainda que brevemente, com rostos mascarados. Nada melhor que universidades de portas abertas. Que elas façam menos festinhas populistas e se abram, com seus professores, estudantes e funcionários para discutir o que é um rosto real sem lhes imputar a priori suas moralidades emboloradas! 
por onde passam as interpretações?
As interpretações variam e todas mostram suas solicitudes. Nelas, os chamados de black bloc são do partido da violência, similares às torcidas uniformizadas, os que clamam pelo ausente Estado, os que escancaram a necessidade de limpar a política de políticos corruptos e desejosos de reeleição... Os black blocs são descritos em pesquisa empírica como jovens, classe média baixa, decepcionados com o Estado etc., etc. São interpretações que buscam uma aplicação da lei, qualquer lei, medidas de segurança, força policial, para que eles sejam condenados ou capturados para preencherem o chamado vácuo de poder. Sondagem mostra também que 95 entre 100 paulistanos são contra o black bloc. O futuro da tática dependerá destes e demais jovens que enunciam as forças e, dentre elas, a manifestação do insuportável.
uma diferença
Com os praticantes do black bloc não cabem definições apressadas. Nada indica serem o partido da violência (eles também são antipartidários) ou semelhanças com torcidas uniformizadas (muito mais próximas dos micro-fascismos). Neles pode haver uma oscilante contestação entre a regra da corrupção que sustenta a política, a seletividade do Estado, a crítica à propriedade e a antipolítica. Se há sempre infiltrados em qualquer movimento contestador, haverá também infiltrados em qualquer agrupamento de contestadores. É disso que vive a ordem para se atualizar. Assim como não é inesperado aparecer no meio da contestação e entre estes contestadores efeitos imprevisíveis e a insossa polêmica. Os jovens que aderiram à tática black bloc expuseram e expõem a dureza da propriedade que a democracia representativa e participativa não é capaz de absorver. Estes jovens falam uma linguagem que não é irredutível ao confronto e às meras palavras. Exigem mais diante do que não pode ser pacificado. Cabe aos intérpretes menos solicitude ou indiferença, mas tocarem desarmados nesta diferença.