este é um escrito já publicado no jornal estilo, em tempos idos (há uns dez anos, mais ou menos)... estou re-olhando essas letras, para juntá-las em outras composições...
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Quero
fazer uma homenagem, neste escrito, a uma idosa que, mesmo com ares de guria,
completa, por esses dias, seus setenta e poucos anos, e, por extensão,
relembrar uma data comemorativa com relação ao idoso, que ocorre também por
esses dias ... Juracema Fontoura, essa guria de setenta e poucos anos -viúva de
um velho comunista que já encilhou seu pingo e foi campear em outras veredas de
nosso imaginário, mas deixou na parede de sua casa a foice e o martelo,
símbolos de suas crenças e de seus ideais-, chamo-a por borboleta porque, junto
com sua irmã -outra borboleta de setenta e poucos anos-, dá suas revoadas tranquilas e breves, e retorna ao ponto de onde saiu ... fazem isso com freqüência,
tanta que sua bisneta, com suas asinhas em aprendizagem já é a borboletinha ...
mal sai do casulo e já dá muito trabalho.
Uma
sua filha perguntava-me: teremos os mesmos desígnios quando chegarmos a tal
idade? E isso me fez lembrar que, quando criança, sonhava com os tempos da
adolescência que logo chegariam; e seguindo o que é próprio da condição humana,
de nunca alcançar a completude e o que efetivamente se quer, quando
adolescente, almejava, sedenta, a idade adulta, pensando que poderia nunca perder
as coisas que a infância me permitia ver e fazer; chegada à condição de adulta,
vi que teria muito por amadurecer, e agora, quanto mais cresço subjetivamente,
mais almejo ficar velha, sonhando que então, com toda a experiência da
caminhada da vida, possa viver e agir com mais maturidade!
Sempre
mantive relações de amizade com pessoas mais velhas do que eu, principalmente
pela precocidade granjeada no convívio no moinho e no balcão do bolicho do meu
pai... tenho uma amiga que vai mais de duas décadas à minha frente, e às
vezes, quando ela tece censuras ou considerações pertinentes à algumas
experimentações por mim feitas, tenho que lembrar-lhe que quando eu nasci ela
já estava domando boi a unha!
Relembro com carinho os
velhos que habitaram a minha infância e que viverão para sempre em meu
imaginário... o seu Pedro Rosa, que me benzia contra cobreiro, anemia,
tristeza e quebranto... o compadre Mário, preto velho que picava o fumo em
corda para fazer o seu palheiro, enquanto contava histórias de forma tão
convincente que acreditei por muito tempo na veracidade das lendas que ele
reinventava para me entreter; fui visitá-lo quando já chegava ao fim da vida,
estava cego, bastou a minha presença para saber que eu tinha chegado; eu
dava-lhe um pedaço de fumo sempre que ia ao bolicho, pois lhe associava à
figura do saci pererê... o compadre Homero, que visitei há pouco tempo e me
recebeu com um literal quebra-costelas, contava-me histórias de lobisomem de
forma que ainda hoje acredito que possam existir, e ensinou-me o apreço pelos
bancos de madeira -aqueles de três pés-, assim como moer a cana para tomar a
garapa e fazer melado... a comadre Maria, que me contava os segredos das
plantas e me ensinou a esperar amadurecer aquele casulinho que guarda as
sementes do beijo para então estourá-los, e me disse, também, que um pé de
butiá (uma das minhas frutas preferidas) demoraria sete anos para dar frutos,
desde então conto ciclos pensando em plantar butiá e desistindo, pois demoraria
muito tempo para colher a fruta, quando vejo que se passaram mais sete anos,
penso que poderia ter plantado, acho que a minha vida mudará radicalmente no
dia em que plantar um pé de butiá... e tantos outros velhos, que aqui não
cabe!
Prestamos
aqui a homenagem a todos os idosos -tanto aqueles que estão na "melhor
idade", como aqueles que sofrem o malogro do abandono, da falta de sentido
para a vida, da tristeza, da falta de respeito de seus familiares-... idosos
que, na forma que lhes foi possível, ajudaram a construir o mundo em que vivemos
e, se deixaram problemas, seguimos a sina do ser humano lutando para construir
um mundo melhor... enfim, a vida a gente inventa, a história a gente conta e o
mundo a gente traça!
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