outra composição vinda de um tempo ido... também veiculada no jornal estilo, antanho...
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“As
pessoas escrevem a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com
os outros, para denunciar aquilo que machuca e compartilhar o que traz alegria.
As pessoas escrevem contra sua própria solidão dos demais –porque supõe que a
literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem a
recebe, e nos ajuda a nos conhecermos melhor, para nos salvarmos juntos.”
Eduardo Galeano
Desculpe-me,
quem lê estas mal traçadas, se às vezes trago muito mais tristezas do que
alegrias/ muito mais solidão do que solidariedade/ muito mais ignorância do que
conhecimento... desculpem-me por às vezes ser vulgar... desculpem-me se às
vezes tenho uns desatinos, porque acontece de eu ser assim tão desatinada
quando vejo o encontro da realidade com o absurdo/ tenho essas coisas de sair
fervendo, mesmo enquanto muitos saem somente a balançar a cabeça como que
dizendo que o mundo e as pessoas são assim mesmo, do jeito que são... a
esperança me brota em minhas veias sempre que tenho a impressão de que vou
morrer quando dobrar a próxima esquina da existência... com essas coisa vou
lidando, tranquila e no passo da vida, mas há outras que simplesmente me fazem
gritar e espernear, e uma delas é a
opressão... porque quem é feito de carne, osso e vida não pode rastejar
enquanto outros lhes pisam a cabeça!
“Abre
as pernas mulher!” é uma frase que condensa dois raios de opressão, um de sua
própria enunciação e outro do enunciado “fecha as pernas mulher” , e talvez
ainda um outro vindo das convenções que reproduz aquele que os enuncia... hoje
já vou falando, assim de cara, dessas coisa de mulher abrir as pernas, porque
dia desses eu não vi, mas minha amiga Beth viu, ouviu e lambanciou (sic!)
comigo sobre uma entrevista exibida, não lembro em que canal de televisão, com
o cantor e compositor Tom Zé, brasileiro que acho que ainda está radicado nos
Estados Unidos... lamento que tenha tido que ir pra lá para ser visto por
aqui... gosto muito desse sujeito, não só por ser ele um sobrevivente da
sociedade, da subjetividade e na luta permanente com o mercado, mas
principalmente por ser um sobrevivente cultural.
E
entre muitas coisas bonitas e interessantes que ele falou nessa entrevista,
quando estava vestido com as provocativas roupas com que se orna em seu mais
recente show, foi do dilema da mulher resultante da opressão... perguntava-se
como é que a mulher vai gozar/ vai ter orgasmo se foi criada ouvindo a
determinação “fecha as pernas menina/ fecha as pernas mulher” e passa a vida
tendo que se recolher e negando sua própria sexualidade, para de repente lhe
aparecer o mesmo sujeito que a oprime, dizendo abre as pernas mulher” e ela tem
que abrir como condição que lhe és dada e posta... por essas e outras demoramos
anos e séculos para construir o conhecimento sobre o orgasmo, enquanto muitos
pensam que é apenas uma questão de abrir as pernas e muitas passam anos a
evitar inclusive pensar sobre o assunto, logo, passam somente abrindo as
pernas, quando o cansaço, ou a dor de cabeça, ou o mal-estar, ou qualquer outra
coisa seja maior para impedir o trágico momento de abrir as pernas!
Isso
me faz pensar na opressão em sentido amplo, por exemplo, algumas pessoas tem o
estranho poder de oprimir aqueles que em seu imaginário lhes representam
perigo/ algumas pessoas produzem o estranho efeito de desmobilização dos outros
seres humanos... tipo as pessoas que trazem acorrentado em seus calcanhares
imensas e inúmeras coisas e questões mal resolvidas, mal conduzidas e mal
elaboradas em suas vidas... essas pessoas tem o incrível poder de transformar
tudo o que tocam em titica ou algo assemelhado... elas tem o poder quase
absoluto de sempre encontrar, em qualquer situação que lhes apareça, um motivo
para brigar, para falar mal, para detonar, para resmungar ou para aumentar a
incrível e visível carga que carregam, com a qual ocupam todo o espaço em que
estejam, física ou imaginariamente.
Nos
encantamos, por exemplo, com um olhar vivo, intenso e brilhante, que porta em
si a vida que pulsa dentro que ser que o expressa, mas também recuamos e entristecemos
com o olhar opaco daqueles cuja visão não consegue transcender o contido limite
do próprio entristecimento que a vida (ou a falta de vida) lhes causa!
Num
outro dia ouvi uma Supervisora (daquelas que têm a SUPER visão) orientando os
educadores de uma certa escola, no sentido de estarem atentos às formas de
tratamento entre os seus pares, sendo que deveriam se referir uns aos outros
como “professor fulano de tal” e as Diretoras não poderiam ser chamadas por
seus apelidos, mas sim pela profissão, seguido do cargo e do nome... como se
isso garantisse qualquer respeito da parte dos alunos e dos colegas... só
faltou implantar o regime militar dentro da escola!
Concluo
com Rubem Alves e Galeano “A solidão é para poucos. Não é democrática. Não é um
direito universal. Para ser um direito de todos teria de ser desejada por
todos. Mas são poucos os que a desejam. A maioria prefere a agitação das
procissões, dos comícios, das praias, da torcida: lugares onde se fala o que
todos entendem. A democracia é um jogo que se faz com coisas que podem ser
ditas. Na democracia os segredos são proibidos. É um jogo do qual todos devem
participar. É coisa boa, ideal político bonito que deve ser buscado para o
bem-estar de todos. Nela, porem, não há, nem poderia haver, lugar para a
solidão e o segredo. A democracia é ave que nada na superfície do mar. Não é
peixe das funduras. Ela vive do jornal, da informação, do que é público...” (...) “A gente escreve para despistar a morte e destruir os fantasmas que nos
afligem, por dentro; mas aquilo que a gente escreve só pode ser útil quando
coincide de alguma maneira com a necessidade coletiva de conquista da
identidade.”
“Ao fugir, salvei mas também perdi minha vida. Durante
anos só soube que existia porque enxergava os outros vivendo.”... esta frase é
de um angolano, mas pode ser de qualquer um de nós!
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