sábado, 26 de abril de 2014

flecheira.libertária.334

facão!
Ruanda, vinte anos atrás. Em poucos dias, muitos milhares foram mortos. A maioria pertencente aos tutsis. A maioria assassinada a golpes de facão. A violência entre os hutus e os tutsis explodiu depois que o avião do presidente do país (um hutu) caiu. Os tutsis foram acusados e a matança começou... e não parou até que muitos morressem e outros milhares se refugiassem em países como o então Zaire. De imediato, especialistas começaram a teorizar sobre os “ódios étnicos e ancestrais” que seriam a causa do genocídio em Ruanda e sobre as novas e amedrontadoras selvagerias que acometeriam os recantos miseráveis, incivilizados ou irredentistas do planeta após o fim da Guerra Fria. O “choque de civilizações!”, gritou um politólogo: a crença na impossibilidade de culturas diferentes inventarem novas práticas sociais liberadas do mercado e do Estado.

racismo!
O argumento do “ódio étnico” colou em quase todo o mundo, porque ninguém sabia nada de Ruanda. Não se sabia que hutus e tutsis nunca foram “duas etnias” separadas, mas grupos dentro de um mesmo conjunto cultural e linguístico. Não se sabia que os colonizadores belgas escolheram o grupo minoritário tutsi para ser seu preposto na administração colonial baseados  em critérios econômicos (os tutsi eram pastores e os hutus, agricultores) e racistas (os belgas achavam os tutsis mais belos e esguios). Não se sabia que com a independência, nos anos 1960, os tutsis herdaram o Estado e reproduziram o modelo ensinado pelos belgas. Não se sabia que não havia nada parecido com “hostilidade ancestral”; mas a crença nos africanos selvagens não precisa de mais que meia palavra para que ocidentais entendam tudo!

governo humanitário do planeta
A ONU foi criticada porque, apesar de presente no país, não se interpôs para evitar a matança. Ao contrário, a organização limitou-se a ajudar os países ocidentais que se limitaram a repatriar os seus. Penalizando-se pela inoperância, a ONU classificou os assassinatos de “genocídio”, ativando assim o direito internacional e a memória do holocausto que impulsionou a sua própria criação em 1945. Em 1998, foi instalado um tribunal criminal específico para julgar os “crimes contra a Humanidade” que embalou o processo para a criação de um tribunal penal internacional permanente. A reação diplomático-militar e jurídico-política ao “genocídio” de Ruanda auxiliou a conformação do atual governo do planeta: tribunais penais internacionais, defesa dos direitos humanos acima da soberania dos Estados, promoção de “intervenções humanitárias”, produção de missões visando a pacificação de regiões tidas como problemáticas para a ordem econômica, política e moral mundial.

os começos vis
Boa parte do que configura as práticas morais, políticas, militares e diplomáticas do século XXI talvez tenha começado com os esquartejados de Ruanda, assim como parte significativa do século XX principiou nas insuportáveis violências da Primeira Guerra e de genocídios contra armênios, assírios, ucranianos e os colonizados africanos e asiáticos de outrora que não tiveram a sorte de que seus assassinatos tenham sido coloridos pelo selo humanitário de “genocídio”.

contra as violências, o fogo que não cessa
Em Atenas, no mesmo dia em que a Grécia voltou a operar no mercado internacional de títulos e recebeu a visita da premiê alemã, Angela Merkel, ocorreu uma ação explosiva (com um carro bomba) que destruiu um banco próximo à praça Syntagma. Ninguém foi ferido, uma ligação anônima avisou em tempo suficiente para o local ser esvaziado. Como em dezembro de 2010, quando um tribunal foi pelos ares, as autoridades gregas saíram acusando a Conspiração das Células de Fogo e grupos de esquerda radical. Até o momento ninguém reivindicou a ação. O que se pode ressaltar é a precisão da ação: foi contra um banco próximo ao parlamento grego, teve o cuidado para não ferir ninguém e deu-se no dia em que a volta ao mercado de títulos internacionais sugere uma recuperação da economia grega. Além de responder à visita de Merkel, que declarou apoio ao atual governo conservador da Nova Democracia, que possui claras ligações com os neonazistas do Aurora Dourada. O fogo grego segue ardendo.

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