a justiça
A justiça é procedimento, leis, papéis escondidos-arquivos perdidos, corredores vazios, gabinetes refrigerados, com juízes, promotores, advogados, mídia-opinião pública, Estado salvaguardado pelo TRIBUNAL. Ela julga pela neutralidade reguladora do procedimento e pela representação. Expressa a decisão final de modo impessoal e racional decidida por homens e mulheres qualificados, examinados e no caso do tribunal superior, devidamente escolhido e empossado por quem ocupar a cadeira de presidente desta república. A justiça é a palavra inicial e final de quem é proprietário, de quem governa, de quem julga com competência. A justiça só existe porque produz injustiça e esta antecede e sucede o justo. O superior sempre é o justo.
justa
A justiça é seletiva. Ela é justa com quem não é seu alvo. Quase sempre. Se tiver que mandar prender, o faz sob atenuantes. Não ficará preso como preso comum: preto, pobre, perigoso, migrante, um espantalho, o monstro, que apodrecerá em delegacias, presídios, confins. A justiça é justa para quem a edificou; é justa com os políticos que celebram os seus concertos. A justiça absolve e condena. A justiça é morosa! Isso a faz mais poderosa: encarcera o suspeito antes de ser réu; encarcera os pobres e os miseráveis. Ela deixa livre os seus patrões e seus asseclas! Quando, enfim, o cidadão comum (aquele que teme o superior, o juiz, o delegado, o polícia, o chefe e o patrão) sabe que há outros procedimentos, outras representações, muitos adiamentos, revisões, e em vez de bradar um basta, apenas diz: que bosta!
justa-mente
Proprietários e políticos conhecem os caminhos, os atalhos, o pântano e as camas, fazem as leis... O cidadão comum teme a prisão, a justiça, o superior, cumpre as leis e treme de medo. Ambos cometem condutas reprováveis legalmente; ambos produzem ilegalismos. Para muitos, as penas; para os poucos, jurisprudências e astutos advogados renomados. Para quase todos a justiça é o exercício pela preservação da sociedade, suas propriedades, costumes e moral. Vingança pela razão que substituiu a vingança pelo sangue. O cidadão quer prisão para todos e deste modo difunde a perenidade da justiça dos justos.
governo pelos números
Saiu o resultado da maior pesquisa já realizada sobre consumo de crack no Brasil. Constata-se o óbvio: o maior contingente de usuários está na região nordeste. O consumo concentra-se nas chamadas cracolândias das grandes cidades. Confirma-se a associação entre uso de crack e miséria. Estima-se haver mais de 370 mil usuários, na maioria homens, solteiros e com baixa escolaridade. No entanto, segundo a pesquisa, um em cada três usuários regulares de drogas ilícitas fuma crack, negócio que movimenta milhões. Caiu por terra o mito da morte rápida: a média de tempo deuso é superior a oito anos. A pesquisa legitima a estratégia do governo federal em concentrar as ações no atendimento médico ambulatorial móvel, como os consultórios de rua.
dor e sofrimento ou da positividade do fracasso
O principal efeito crítico da pesquisa foi alterar o discurso e a estratégia de combate ao uso de crack na cidade de São Paulo. Após um ano e nove meses do programa “Dor e sofrimento”, que prometia acabar com a cracolândia a partir de dura repressão ao tráfico e internações compulsórias (foram mais de 2 mil detidos), constatou-se o fracasso da ação espetacular. O psiquiatra que encabeça a programação admitiu que o problema é mais complexo do que ele imaginava. A repressão promoveu as chamadas “procissões do crack”, com deslocamento de usuários pela cidade e ativou críticas à desumanidade das internações compulsórias. Hoje, a cracolândia retomou a sua forma original, concentrada entre as ruas Helvetia e Dino Bueno. E o governo admite a necessidade de uma estratégia de acolhimento.
acolhimento a céu aberto
Esse efeito crítico já levou a prefeitura de São Paulo a anunciar um novo equipamento do combate ao crack, mais sintonizado com o programa do governo federal e que articula a ação conjunta de 11 secretarias municipais. A prefeitura argumenta que acabar com a cracolândia é trabalho para mais de uma gestão, e que é necessário iniciar uma estratégia de redução de danos. O novo programa-equipamento, chamado “De Braços Abertos”, envolve atendimento ambulatorial móvel e promoção de atividades recreativas nos Cratods e CAPs-AD (ver flecheira libertária n. 17 de 05 de junho de 2007). O nome do equipamento foi escolhido em votação pelos próprios usuários, método democrático também utilizado para a escolha das atividades nos centros.
de fracasso em fracasso se governa e elimina-se miseráveis
A pesquisa mostra que precisamente a região pioneira nesse método de abordagem concentra, hoje, o maior número de usuários. Constata que o crack é uma das principais formas de se governar a miséria. Associa seu uso ao fracasso dos que decidiram abraçar a morte lenta. Fracassados que a polícia, os traficantes, os psiquiatras, os assistentes sociais, as ONGs de redução de danos, os enfermeiros e demais técnicos sociais dispõem como clientes e parceiros. O combate ao crack, ao combinar repressão e acolhimento, expande as tecnologias de governo dos usuários para a população de rua. A miséria e a morte não cessam. Nem o sofrimento.
eliminar o insuportável
Dentre os usuários de crack, as estatísticas apontam para 14% de crianças e jovens, que aparecem como alvo do “tratamento especial” voltado a ressocialização pela educação obediente. O uso da droga também é associado a situações de vulnerabilidade, conceito que esquadrinha pessoas em situação de risco e as considera aptas a sofrer intervenções vinculadas à prevenção geral, justificada hoje pelo argumento de que políticas de ressocialização e inclusão são mais eficientes do que repressão policial. No entanto, está sempre em alvo eliminar o insuportável.
o preço do negócio
A presidente da Fundação Casa esteve na Assembleia Legislativa de São Paulo para explicar as denúncias de tortura que recaíram sobre a unidade João do Pulo, na Vila Maria. Disse que as torturas são casos isolados e que desde 2006, quando a FEBEM virou CASA, os números justificam os R$ 7.100 per capita gastos com os jovens internos. Desde 2002 o número de infratores cresceu 70% ao passo que as rebeliões diminuíram de 80 no ano de 2003 para 1 em 2009. Entretanto, em 2013, até agora, já ocorreram 8 rebeliões. A presidente defende os gastos e diz que os torturadores sofrem de um desvio de caráter impossível de ser eliminado com programas de capacitação. Desse modo, pleiteia a continuidade do dinheiro empregado, argumentando tratar-se de investimento na formação de futuros cidadãos. Que tal uma solução mais barata e inventiva: não internar mais! As torturas cessariam e seria irrelevante considerar o caráter dos funcionários e a qualidade dos programas.
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