este é um texto que foi escrito em 05.12.2004 e que, segundo uns afoitos, anunciou os morcegos por perto dos meus amigos Vera Prola e Pércinho... coisa besta!... no fim das contas, tudo vira literatura, mas não deixa de apresentar algumas atualidades!
(publicado no Jornal Estilo)
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Estávamos, num
grande grupo, participando de uma atividade pontualmente política, na
sexta-feira (03.12), no Salão de Eventos do Restaurante Cia do Buffet, quando,
num repente, irrompeu pelo ambiente, vindo da chaminé da lareira (que não
estava acesa), um morcego extraviado de
sua comodidade noturna... deu algumas revoadas no ambiente iluminado tentando
reencontrar o escuro de seus hábitos, até que conseguiu alcançar o caminho
da chaminé e não mais retornou.
No
dia seguinte comentava esse assunto com a Vera (parceria de longa data, que é a
mãe do Pércio, proprietário da Cia), sobre o morcego, sem pensar em matá-lo,
mas talvez espantá-lo, quando ela trouxe uma informação que eu desconhecia, de
pelo fato do morcego ser uma espécie em extinção, matá-los é um crime
inafiançável... portanto, só um fogo fumarento na lareira pode resolver a
situação com os posseiros da chaminé.
Tenho
que destacar que quando tenho que comer fora de casa (e às vezes é por vários
dias seguidos), a minha comida preferida é a do Restaurante Buon Manggiare
(onde há vários dias não como), apesar de gostar da comida dos outros também,
mas neste sábado (04.12) provei da comida da Cia do Buffet, que é um estilo
diferente do Manggiare e dos demais, e que é muito boa, realmente muito boa...
é uma comida que sempre que puder, voltarei a comer.
Mas
nessa conversa com a Vera, ela relembrou a viagem que fez a Portugal no
primeiro semestre deste ano, quando em suas andanças conheceu a Biblioteca do
Direito de Coimbra, e conheceu, também, muitas igrejas cujo altar e
adereços são feitos com Jacarandá e com Ouro retirados das terras do Brasil
(digamos, com ênfase, ROUBADOS do Brasil naqueles tempos em que era permitido
que nos roubassem não só a dignidade, mas principalmente os recursos naturais
e, por ora, materiais)... e voltando à Biblioteca Joanina, foi lá que se
doutoraram José Bonifácio, Gilberto Freyre e, diga-se também, Tancredo Neves
(que não podemos negar que foi uma importante figura política no Brasil)... foi
lá, também, que a Vera soube que habita aquele antro do conhecimento, uma
Colônia de Morcegos que durante o dia refugiam-se no teto e em todos os cantos
escuros que encontrarem para se protegerem da luz do dia, mas durante a noite
fazem seus movimentos e depois grudam-se nos livros/ livros centenários que se
mantêm “vivos” exatamente porque os morcegos comem os bichinhos, inclusive as
traças que tentam devorar, sem sistematizar, os livros.
Comecei,
naquele instante, a pensar de outra forma nos morcegos (uma: que se é uma
espécie em extinção, já não sugam mais o nosso sangue para sobreviverem; e
outra: se eles protegem os livros, devem ser cultivados)... confesso que essas
reflexões me deixaram confusa com relação à metáfora que tanto gostamos de usar
sobre morcegos e, por extensão, sobre vampiros, e também, porque nunca vi um
morcego sair atacando uma pessoa, assim como nunca conheci um vampiro genuíno,
somente vampiros humanos, desses que vivem mesmo do sangue dos outros... desses
que produzem e sustentam a barbárie com a exclusão social e com o desrespeito
aos direitos humanos básicos, mas que acreditam que fizeram o melhor pelas
pessoas e pela coisa pública... desses que se outorgam o direito de julgar e
emitir julgamentos sobre pessoas que mal conhecem ou mesmo sequer conhecem, não
tendo, portanto, conhecimento de causa... desses que brindam com champanhe e
com plumas e paetês o encerramento de uma caminhada de exploração social, de
assistencialismo, de clientelismo e de promoção da exclusão... desses que
percebem as demais pessoas apenas pelos elementos e informações presentes em
seu imaginário... desses que fazem o discurso do respeito às diferenças, mas
não constroem efetivamente o respeito... desses que ocupam certos lugares
políticos e depois de serem absolutamente rejeitados e perderem as mamatas num
dado lugar, vão articular mamatas em outros lugares, mas continuam querendo
definir politicamente a vida das pessoas e do lugar do qual saíram... desses
que vivem de alimentar os ideais e o ideário de uma aristocracia falida; que
gostam de escolher rainhas e princesas; que gostam de render homenagens aos que
se “destacam” em alguma coisa; que gostam de dar e garantir voz e vez àqueles
que melhor representam o ideário burguês; que gostam de fragilizar, explorar e
fazer de conta que não existem os seres humanos que lutam nas teias da
sobrevivência e da exclusão... desses que se alimentam da fome dos outros...
desses que se acham supra ou sumo de alguma coisa e, no desvario de suas
pretensões, mal podem ler um texto de ficção porque saem a se identificar com
seus personagens e assim, a querer processar juridicamente seus autores ou a
pedir direito de resposta à literatura e à ficção... desses que só sabem viver
de cargos políticos, um dia numa teta, outro dia noutra teta... desses que
vivem da hipocrisia e que têm uma cara para cada situação/ uma cara para cada
pessoa com que se relacionam... desses que se deslumbram com os espaços
políticos que ocupam ou que possam vir a ocupar... desses que enquanto estão numa
dada caminhada e necessitam das pernas alheias para poderem andar, tratam-nos
por amigos e depois que já não mais necessitam, parecem inclusive temer
conversar com aqueles que os acompanharam, talvez por temerem, paranoicamente,
que lhes peçam também as pernas... desses que sobrevivem sendo traiçoeiros...
desses que se alimentam da dor alheia!
Interrompi
a conversa com a Vera, pois já recomeçava a atividade da qual participava e saí
matutando aquela história de morcegos... o temor que temos com relação aos
morcegos vem dos monstros que foram pintados em nosso imaginário... o temor que
temos dos morcegos humanos vem do fato deles, também, circularem apenas à
noite/ apenas na escuridão, para não serem vistos, por necessitarem da
obscuridade e não por temerem a luz do dia; por comerem as indefesas, mas
devoradoras traças, não porque elas destroem os livros, mas por temerem que
elas possam, de alguma forma, decifrar o que está escrito neles, porque sabem
que depois que se aprende a ler os livros e a ler o mundo, a fome que se passa
a ter não é como a deles que é de sangue, mas é de vida... e fome de vida é a
coisa mais incontrolável que existe!
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