São tantas as vezes em que somos tomados por sentimentos e não sabemos nomeá-los porque não cabem no riscado conhecido dos afetos que já conhecemos... são tantas as vezes em que ficamos irritados e não sabemos em que fomos incomodados para produzir tal irritação... ficamos tristes e não sabemos em que terreno brotou nossa tristeza... flagramo-nos em meio à melancolia e lá se vai nossa racionalidade sem nos dizer o que nos abateu em pleno vôo... lançamos iscas ao mar e içamos nossas velas no alto topo das marés... andamos a esmo e nadamos rumo à terra pantanosa de nossa esperança... mas também, são tantas as vezes em que ficamos afetados por coisas boas e gostosas, e não sabemos o que fazer com isso... não sabemos nem como nomear os sentimentos e afetos que emergem disso... e na maioria das vezes, não sabemos como nomeá-los, porque aprendemos a reconhecer somente as formas prontas e padronizadas de sentimentos e afetamentos, e são essas as formas com que aprendemos a viver a vida, a sentir, a se deixar afetar, a olhar o outro, a nos dar a ver ao outro, a compor a existência, a paralisar... a vida pode ser outra coisa... a vida pode ser possibilidades... pode ser movimento-acontecimento e não paralisia... pode ser alegria e não tristeza... pode ser coragem e não medo... pode ser rizoma e não raiz... enfim, a vida pode ser tudo isso ao mesmo tempo e que, em todos os repentes, no amanhecer das manhãs, no recolhimento de todas as noites possamos ser protagonistas de nossos sentimentos e afetamentos, produzindo a partir disso, vitalismos e potências que nos façam estufar o peito e sair de si.
Dia desses uma pessoa, ao falar de um afetamento que estava sentindo em relação a uma outra pessoa, disse que o sentia, mas que não sabia como nomear isso... e ela está vivendo uma história de amor, mas isso lhe é tão estranho, que sente, fica ensimesmada, fica afetada, mas não consegue perceber que provocou no outro e com o outro uma história de amor! Os agenciamentos produzidos no encontro dispararam uma história de amor... ou melhor, a invenção de uma história de amor!
Foi essa situação que me fez buscar as referências dumas falas de Rubem Alves –que é uma das pessoas públicas que melhor diz dessas coisas simples da existência- quando fala um pouco da coisa de podermos exprimir aquilo que sentimos, dar voz aos nossos sentimentos, exercitar o direito de falar de nossos sentimentos... dizer para as pessoas aquilo que emerge de nosso contato com elas... dizer da beleza, da alegria, da poesia, da boniteza do existir, da generosidade, da solidariedade, do respeito, da dignidade, da singularidade... podemos aprender a sentir e a dizer dessas coisas boas e bonitas, na mesma modulação, intensidade e freqüência em que dizemos de nossas iras, de nossos desgostos, de nossas raivas, de nossas tristezas, de nossas decepções... mas, enfim, aprender a dizer e não a engolir, porque engolir alegria, poesia, vida, agenciamento, afetos, sentimentos, causa a mesma constipação existencial que sentimos quando engolimos as coisas ruins. Engolir as coisas boas e bonitas provoca ensimesmamento e melancolia... não que isso não seja necessário de quando em vez, mas não sempre!
Nossos referenciais clássicos para pensar e sentir o afetamento do amor, são os do amor-posse, amor-romântico, amor-idealizado, amor-completude, amor-paralisia, amor-estacamento-da-vida, entre outros quetais... por mais esquizos que sejamos, ainda somos atravessados por essas condições cada vez em que nos deparamos com a emergência do outro em nosso existir!
Gosto de uma entrevista de Foucault (“De l'amitié comme mode de vie”, ver aqui) em que ele aborda, entre outras coisas, essa questão da invenção das relações a partir de outras possibilidades que não as condições colocadas pelos modelos clássicos... gosto de viver de um jeito que permita sempre novas modulações... que permita existenciar a vida a partir de agenciamentos possíveis... gosto de estar aberta a atravessamentos inusitados e inesperados, descodificados e provocativos... gosto do viver descarado... gosto de poder falar das coisas que penso, que sinto, que me afetam, que me deformam do formado que há em mim, que me transgridem em minhas manias parasitas, que me atravessam sem chance de escapar... gosto de um viver largado que me faz modular a existência com os existires alheios...
Acho de uma boniteza imensurável essa possibilidade de estarmos andando por aí, sem pretensão alguma e, num repente, nos vermos capturados por um olhar que nos vê e dentro desse olhar que nos vê, podermos nos enxergar mais e melhor... acho que uma grandeza infinda, quando nos deixamos atravessar pela existência do outro e não fugirmos disso... e nesse atravessamento, poder aprender a respeitar o andar do outro, assim como o seu próprio andar... de não querer um amor-completude, daqueles em que os afetados esperam a abolição da falta e a eliminação da singularidade... de produzir um amor-libertário que provoque e produza vida, autonomia e os singulares cantares da diferença!
Enfim, acho de uma absoluta coragem poética o descaminho da invenção da vida a partir de nosso encontro com o outro... dessa coisa de poder me ver dentro do olhar do outro e de sair de mim, como quem nasce numa retina e se transforma num si do que já se é, mas que antes não se viu... acho de uma grandeza infinda esse amor que nos tira do prumo das coisas estancadas e nos coloca a olhar a vida... que nos coloca a aprender os existires (o nosso e o do outro)... que nos faz ir e voltar... que nos deixa ensimesmados... que nos faz querer ficar por perto e saber do outro (do outro que me habita e que se habita)... que nos provoca a compartilhar... que nos deixa tão largados ao ponto de querermos ficar simplesmente em silêncio ao lado do outro, presenciando a sua existência e a nossa própria existência enredada nesses nós do existir do outro... que nos deixa contentes com um simples agenciamento... que nos coloca em movimento... que nos faz produzir acontecimentos... que nos encoraja a olhar para nossa própria vida e a provocar desdobramentos de alegria, de novas modulações, de poesia, de musicalidade existencial... que nos faz compor jardins... que nos provoca densidade com leveza... que nos deixa inquietos, mas contentes... que dá cor aos amanheceres... que da fluidez aos anoiteceres... que nos encanta com alegrias pequenas (longe, muito longe de felicidades plenas)... que nos faz ver e entender que a vida seja possível!
Acho de uma coragem poética inigualável quem se permite inventar e viver uma história de amor... gosto dessa idéia de que alguém me provocou a sair de mim e querer viver uma história de amor... me sinto mais forte e corajosa com isso... me vejo inventando novos nomes para novos afetos... me sinto inventando a vida!
Diello quando uma pessoa diz que tá sentindo algo que não sabe que nome dar, podicrê que ela tá amando e não sabia!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirTeu texto me fez lembrar dum amor que não tive coragem de viver porque mexeu demais comigo.
ResponderExcluirEu nunca tinha pensado no amor nesse jeito. Sempre esperei alguém que me completasse.
ResponderExcluirÉ geralmente escrevo minhas mal traçadas linhas obedecendo a um impulso. É a indignação que me move. É o motor da ação em acordo com o filósofo. Já o amor acontece, aconteceu! Alguém provocou aconteceu eu saí de mim. O plano era o oposto, havia o medo de perder a individualidade, mas aconteceu. Eu, no entanto, continuo eu. Quem veio não veio para dividir, hoje soma. Agora entender isso? Só mediante a luz da poesia! Só sob a luz do teu escrito!
ResponderExcluirMaria essa mulher que te faz sair de si com certeza é uma grande mulher e merece toda essa tua poesia. Não é qualquer uma que te pega assim.
ResponderExcluirE há pessoas que ainda acreditam no amor completude! O amor completude é apenas uma falácia.
ResponderExcluirMaria Luisa se entendi bem, tu estás falando da possibilidade do amor em toda e qualquer relação, né? Não teria que ser somente num relacionamento de casal. Pode ser no trabalho, na amizade, etc. É isso?
tenho que me cuidar pra não sair a tecer um escrito a partir de cada comentário... assimassim, acho que com o meu escrito digo um pouco do que penso sobre a amorosidade nos diferentes fazeres e nos diferentes sentires... dessa coisa de criar/inventar histórias de amor nos diferentes aconteceres... e quem me provoca ou me vê a inventar histórias de amor, sabe muito bem disso... de fazer o amor acontecer no desdobramento dos dobramentos da existência... sendo um agenciamento bom pra um e pra outro!
ResponderExcluire essa coisa do amor pode estar desdobrada em qualquer situação, mesmo... vejamos nas relações de trabalho (em nosso trabalho público, p.ex.): se não brotar e germinar uma história de amor, entre gestores, trabalhadores e usuários, então teremos somente o exercício frio dos desaconteceres burocratizados... vejamos nas relações pessoais: a raridade dos encontros amorosos entre as pessoas, é fruto da cultura das relações esterilizantes que tão bem aprendemos e apreendemos em nossas vidas... enfim, as relações de amor, de ordem pessoal, podem ter todos os nomes... podem ser de amizade, de parceria, de sintonia, de intimidade, de sexualidade... enfim, de tantas coisas!
gosto desses encontros fertilizadores que me fazem sair de mim e ao outro, também, sair de si!
nomais, nomais, não vejo como não viver um estado amoroso... mesmo que não existenciemos alguns acontecimentos de efetivação de afetos, não há como fazer cessar os desdobramentos que esses encontramentos produzem em nossas vidas e em nossos existires!
assimassim, sem deixar de dizer, a mulher que me provoca a sair de mim é alguém a quem também provoco a sair de si... tive e tenho um encontro amoroso com ela... e ela é linda, sim... ela me deixa empoetada, pq é um ser humano lindo e porque nos atravessamentos que produzimos uma na outra, estamos aprendendo a viver mais e melhor!