por Alexandre Fernandes B. Costa Leite
Introdução
O atual ensaio carrega em si o ímpeto de delinear as linhas que efetuam o labor realizado por dois pensadores franceses contemporâneos, Gilles Deleuze e Félix Guattari, mostrando em sentido geral as concepções que os mesmos têm da filosofia e do desejo. A primeira parte centra-se na maneira que a filosofia é focalizada, a atitude filosófica realizando-se na ação criadora de conceitos, na auto-referencialidade dos mesmos; tal postura sobre o que é a filosofia produz, inevitavelmente, o solilóquio do conceito e do filósofo. E a segunda parte localiza-se na tentativa de mostrar que o desejo impera sua existência como força que atua no centro dos investimentos sociais tendo um pólo paranoico e o outro esquizofrênico. Na observação do desejo, é imprescindível mostrar como se dá a formação do poder e das massas humanas, ou seja, como acontece a incidência direta da libido no campo social e como evitar o extremo paranóico em detrimento de um esquizo-desejo revolucionário e nômade que trabalha a existência, como disse Foucault, com um aspecto "não-fascista", e como disse Deleuze "A vitalidade não-orgânica"; para esse empreendimento o autor que serviu de fulcro e forneceu exemplos foi búlgaro Elias Canetti.
Desenvolvimento
A Filosofia e os Conceitos
Nessa primeira parte do trabalho pretendo mostrar que o caráter que a filosofia recebe na obra de Deleuze e Guattari angaria um itinerário inventor, uma propriedade criadora, não contemplativa, nem reflexiva, muito menos comunicativa; o pensar filosófico é compelido para o ato de intensa produção conceitual, a filosofia se passa na criação de conceitos, na arquitetura conceitual e na formulação de sentido. Nessa perspectiva deve-se fazer as seguintes perguntas juntamente com Deleuze e Guattari: O que se passa com um conceito? Como ele funciona? O que significa pensar por conceitos? Sem dúvida, formular conceitos sem problemas a serem resolvidos é uma tarefa inútil, desagradável. Os conceitos devem ser colocados de modo coerente, ou seja, se remetendo a problemas, pois estes são o sentido da invenção conceitual e o objeto de uma "pedagogia do conceito"; assim, deve-se criar conceitos para solucionar problemas que se considera mal vistos ou mal colocados.
Observando os escritos deleuzo-guattarianos sobre a filosofia, chega-se a conclusão que os conceitos possuem caracteres úteis para a compreensão do que vem a ser a filosofia deleuzo-guattariana, vejamos tais peculiaridades segundo Deleuze e Guattari :
Os conceitos têm uma história, isto é, carregam em si partes de outros conceitos que resolviam outros problemas e habitavam outros planos, mas também têm um devir responsável pelas conjunções entre partes conceituais em um mesmo plano "Um conceito não exige somente um problema sob o qual remaneja ou substitui conceitos precedentes, mas uma encruzilhada de problemas em que se alia a outros conceitos coexistentes". São formados por partes conceituais que podem ser tomadas como conceitos gerando, assim, uma extensão ao infinito(por exemplo, o conceito de EU em Descartes é formado por três componentes: duvidar, pensar e existir. Cada um desses, por sua vez, já são conceitos que têm seus componentes conceituais). Possuem uma endo e uma exo-consistência; aquela é definida pela inseparabilidade interna das zonas de comunicação( a possibilidade de contato entre os conceitos em um mesmo plano de imanência não permite a separação dos componentes que criam um conceito, pois se assim ocorresse o conceito a se metamorfosearia em b), esta(exo) pela construção de pontes entre planos distintos( por exemplo, Deleuze utiliza o conceito de eterno retorno- plano de imanência nietzscheano- para operar o conceito de repetição como repetição da diferença ; o que é o
contrário do eterno retorno como produção do mesmo e do idêntico) .
Os conceitos são corolário da condensação, acumulação e conexão dos seus elementos. Ou seja, o que interessa na formulação dos conceitos é a produção de sentido, a consistência entre os conceitos. Define-se o conceito, principalmente, por sua auto-referência, ou seja, ele não é uma função por não referir-se a nada exterior a ele próprio, o conceito não busca a referência em um estado de coisas(fatos), mas sim nos acontecimentos(consistência) . O conceito é sua própria referência "põe-se a si mesmo e põe seu objeto". Eric Alliez diz que " criar conceitos é fazer de todo conceito o conceito de seu próprio conceito: o conceito como criação, processo singular, não universal- autoposição do conceito" Com essa postura percebe-se que Deleuze e Guattari direcionam o pensamento conceitual a uma produção de diferença e de sentido, ou seja, acreditam que o importante é produzir sentido, não se interessando mais com uma correspondência representativa, mas só com própria coerência dos pensamentos e da produção de sentido. A auto-referencialidade provoca o monólogo do conceito, visto ele não referir-se a nada exterior a ele próprio. Fazer filosofia, no modo deleuzo-guattariano, acaba se transformando em uma elaboração das normas de sua própria criação( Michel Serres). Em última instância, a auto-referencialidade seria um método filosófico, uma maneira de fazer filosofia.
A construção conceitual é o ato da filosofia. Sempre que conceitos são criados faz-se necessário a instauração de um plano de imanência ou planômeno. A criação de conceitos e a instauração do plano de imanência caracterizam a filosofia como um construtivismo. Compreender o que se passa com um conceito é, simultaneamente, entender o plano de imanência, pois eles ressoam, estão em correlação, mas não se confundem. "Os conceitos são agenciamentos concretos configurações de uma máquina, mas o plano é a máquina abstrata cujos agenciamentos são as peças" e ainda "O plano é como um deserto que os conceitos povoam sem partilhar" ; o que está em jogo é uma imagem do pensamento, uma luta contra o caos responsável pela dissolução do consistente, o plano retira desse caos a consistência que é doada aos conceitos . A originalidade de Deleuze e Guattari está justamente nesses pontos, o da criação conceitual e o implante do planômeno. O plano de imanência- imagem do pensamento- é, no dito de Pelbart, o pensamento sem imagem, sem modelo e sem forma; ou seja, o espaço liso- vetorial, cortado por intensidades, por forças criativas de atualização da diferença múltipla que passam pelo virtual com um corte que retira dele consistência. O plano é a possibilidade de orientação do pensamento, o terreno pré-filosófico que vai traçar coordenadas para a construção conceitual. O plano é a casa do conceito .
Além do plano de imanência e dos conceitos, há um terceiro elemento que coexiste com eles: os personagens conceituais. "Os personagens conceituais, em contrapartida, operam os movimentos que descrevem o plano de imanência do autor, e intervêm na própria criação de seus conceitos" , os personagens conceituais são os heterônimos, as singularidades dos filósofos; funcionam como agentes de enunciação, a capacidade expressiva e o estilo de cada construtor. Zaratustra é o personagem conceitual de Nietzsche, bem como Sócrates é o de Platão.
Pensar por conceitos, cominar um plano pré-filosófico e ter um estilo da diferença marcam o território da filosofia como construtivismo, ou seja, como máquina de guerra nômade apta a se metamorfosear em diferentes níveis de argumentação furtando-se à tarefa científica( a ciência se ocupa de funções) e artística( tem por objeto as sensações).
O que significa pensar por conceitos? Para Deleuze e Guattari, o conceito não deve se preocupar em dizer a coisa em-si ou sua essência, mas sim o acontecimento que se efetua em um estado de coisas. A proposta deleuzo-guattariana é um evenemencialismo, o "tratamento dos conceitos como acontecimentos e não como noções gerais, como singularidades e não como universais" Pensar por conceitos é, no intento deleuzo-guattariano, criar sentido no plano de imanência, não saindo dele e não buscando uma referência ulterior ao seu território( se a verdade existe, ela está no sentido das conjunções dos conceitos no plano, logo ela é sentido construído); Deleuze e Guattari não têm, pelo que parece, o desejo de buscar uma referência fora do plano. Movimentar o pensamento partindo dos conceitos e levando em conta as caracterísitcas destes, chega-se a conclusão que os conceitos são objetos imanentes a um horizonte, rizomas (sistemas a-centrados e não hierárquicos) que realizam conexões, ligamentos e junções sempre horizontalmente num mesmo plano ou não(realizando a construção de sentido), nunca saindo desse plano verticalmente, ou seja, evitando a realização de uma experiência que centre o pensamento em uma realidade ulterior, sobrenatural, mística e que busque sua
referência nos estados de coisas; desterritorilizar o pensar por figuras de cunho transcendental (no sentido escolástico) é uma das propostas de Deleuze e Guattari. A imanência do conceito impede o figurar, o pensar por imagens, a busca de verdades fora do plano. Pensar por conceitos e produzir sentido têm uma ligação essencial com a linguagem, o pensamento como corolário da ordenação da linguagem; os conceitos são manifestações da linguagem, e a filosofia- do modo que Deleuze e Guattari- me parece se reduzir a um jogo de coerência da linguagem, ou melhor, um jogo de conceitos com consistência em seus devires.
Essa hipótese é verificada no livro Mil Platôs que traz em seus movimentos e ritmos uma infinidade de conceitos e uma extensa produção de conexões entre os vários conceitos e platôs( os platôs são, de acordo com Deleuze e Guattari, estruturas diferente dos capítulos; com essa idéia queriam construir um novo tipo de livro que permitisse ao leitor criar sua própria estratégia de leitura e criação- o livro máquina de guerra ao invés do livro aparelho de Estado).
Em Mil Platôs Deleuze e Guattari trabalham dois tipos de imagem do pensamento, de um lado o modelo raiz, do outro o rizoma: há um modelo do pensamento que impera e condiciona sua imagem transformando-o em pensamento forma-Estado; o que é isso? Delírio? Não, apenas uma maneira de denunciar o pensar submetido as exigências de um espaço estriado-métrico, hierarquizado, ilusionado pela transcendência(vida eterna, deus e alma) ; submetido aos dogmas e com pretensões de ser fechado; o pensar revestido de necessidades escatológicas, o pensar que deseja a verdade e a fundamentação última. Esta é a raiz introjetada no pensamento.
De outra forma, o rizoma floresce como a imagem do pensamento diferente da raiz; o pensamento rizomático, a-centrado e não hierárquico, criador de diferenças, consistência e sentido( sistema aberto apto a montar cadeias, ou seja, o pensamento não acabado que busca realizar ressonâncias entre planos distintos).
A multiplicidade heterogênea que valoriza a construção conceitual, a imanência do conceito( suas ligações, conexões ) e a invenção do sentido. É claro que Deleuze e Guattari estavam dispostos a criar conceitos partindo dessa última espécie de imagem do pensamento.
Deleuze não se preocupa com o verbo ser(não quer criar uma imagem dogmática do pensamento- o pensamento arborificado), e sim com a conjunção e( quer perpetrar um campo de multiplicidades, usar o pensamento como experimentação- o pensamento rizomático aberto e disposto a realizar intercâmbios), não tem interesse em dizer o que uma coisa é e nem está ligado a vontade de verdade , o que interessa para Deleuze e Guattari são os acontecimentos, a experiência paradoxal, a intensidade limite que leva a criação de conceitos e a formação de sentido.
A possibilidade do pensar se encontra no impensável: sim, é essa a tese; o extra-ser que sempre se passa em um devir ilimitado, o instante que provoca um vazio mental, intensidade: O que é um acontecimento? O acontecimento é um efeito de uma leitura do tempo, o tempo compreendido como Aion. "Segundo Aion, somente o passado e o futuro insistem ou subsistem no tempo. Em lugar de um presente que absorve o passado e o futuro, um futuro e um passado que dividem a cada instante o presente, que o subdividem ao infinito em passado e futuro, nos dos sentidos ao mesmo tempo. " Percebe-se a ligação do acontecimento com o instante imperceptível, malgrado passado e futuro serem, nessa leitura, ilimitados. A noção de instante percorre toda leitura do tempo enquanto Aion, resultando em acontecimentos cuja capacidade é a de furtar-se ao bom tempo das coisas (o temporal visto como Cronos - só o presente existe no tempo) aniquilando tanto o bom senso quanto o senso comum, ou seja, impondo sua força como paradoxo que se alastra em dois sentidos ao mesmo tempo. O Aion representa o instante, o que já passou e está por vir, a instância paradoxal, o efeito de superfície, o limite do pensamento. O acontecimento é sempre uma singularidade inédita, uma diferença
em si. O não-senso que tem por elemento o paradoxo ( a função básica é declarar aquilo que se expande em múltiplas direções ao mesmo tempo) é o Aion("passado-futuro, que não cessa de se decompor nos dois sentidos concomitantemente, esquivando para sempre todo presente") produtor de sentido, assim, a tese que circula o sentido é a seguinte: ele nunca é origem, princípio; é sempre produzido por uma maquinação; por mais diferente que seja de uma visão clássica da filosofia, o que me toca de forma assombrosa é a idéia de que o não-senso produz sentido, pois não há nome que diga seu próprio sentido, ou, um nome sozinho é forçosamente um não-senso . A tese que Deleuze defende é a que atribui ao não-senso a formação de sentido. Pensar o acontecimento(não-senso), dessa maneira, é viver uma exorbitante rachadura que impossibilita a identidade, uma "reversão do platonismo", a destruição das essências e das aparências em detrimento do simulacro ( referir-se a diferença por meio da própria diferença), só o Acontecimento persiste através de suas sínteses disjuntivas geradoras de diferença; o acontecimento dissolve o EU(sujeito) em um passado e em um futuro.
O acontecimento como Aion é uma espécie de paradoxo do tempo, o que leva Deleuze a perceber na proposição " Alice cresce" duas séries extensas. Se digo "Alice cresce" significa que ela torna-se maior do era e menor do que é agora, tal é a simultaneidade de um devir cuja capacidade é furtar-se ao presente.
Pensar o acontecimento é uma experiência na fronteira, o desigual em si não permite as categorias do igual, do mesmo e do idêntico, a diferença em si soçobra as pretensões semelhança; o dessemelhante, o devir-louco e a variação perpétua cominam ao pensamento uma atitude de desvio da doxa, pois não permitem a manutenção do bom tempo das coisas responsável pela síntese de formação dos sujeitos, do fundamento último, da razão centrada em um Eu como base do ser humano. O acontecimento como momento paradoxal segura todo o conhecimento humano, a singularidade do acontecimento é o limite do pensamento, a sua relação com o impensável. Deleuze e Guattari, posso dizer, são pensadores que vivem no paradoxo, no impensável, no limite da filosofia.
Resumamos, pois, nossas questões:
A filosofia, em Deleuze e Guattari, é a criação de conceitos;
Os conceitos, que se encontram numa imagem do pensamento(plano de imanência) devem se atentar com os acontecimentos( consistência entre conceitos e formação de sentido) que se efetuam nos estados de coisas, e não com o que a coisa é(rizoma contra raiz);
O conceito é auto-referencial; é um "pássaro solíloquo", pois é conhecimento de si.
O acontecimento é a força do fora que leva o pensamento a pensar, a relação com o impensável, a intensidade, o limite. O ponto da criação. O tempo que Deleuze privilegia é o que leva em si o Aion, o paradoxo, o limite do pensamento.
A filosofia movida por intensidade significa que o impensável toca o pensamento e faz com que ele fique ativo, pois o impensável, o que não possibilita imagens, produz uma violência contra si, uma violação dos princípios do pensamento; a força que vem de fora. E, também, pensar por conceitos que se ocupam de acontecimentos(são singularidades, não universais), como quer Deleuze, é ter uma relação intrínseca com a criação, com o pensamento nômade que busca equilibrar sua consistência e realizar seu sentido em múltiplas situações que se apresentam ao pensamento. A filosofia busca dar consistência ao virtual que se considera desordenado. Em suma, o primeiro movimento da filosofia nômade-rizomática criada por Deleuze e Guattari consiste na criação de conceitos em um plano de imanência com o objetivo de fugir da busca da verdade, da fundamentação última; a filosofia como experimentação se preocupa com sua consistência, coerência , auto-referência e produção de sentido.
Todos os movimentos de conceitos são percebidos no conjunto de livros em parceria com o psicanalista Félix Guattari. Mil platôs, tomo que dá continuação a O Anti-Édipo, é o livro dos conceitos. Deleuze chegou a considerar os seus platôs como o melhor de tudo que já tinha escrito. Em Mil Platôs Deleuze e Guattari trabalham a filosofia de modo criativo, o pensamento conceitual atinge toda sua imanência, palavras de ordem não-filosófica adquirem estatuto filosófico, por exemplo: rizoma, corpo sem órgãos, agenciamentos, desterritorialização; tais conceitos (e não metáforas) são utilizados para explicar ontologia, filosofia política, música, arte, ciência e uma multiplicidade heterogênea que pode ser atualizada como pensamento nômade, ou seja, que se preocupa com a criação e com o sentido.
O que está em jogo na questão do pensamento é a criação; tanto a filosofia como a ciência e a arte a fazem, nenhuma ocupa hierarquia em relação a outra, visto que essas três manifestações do conhecimento se ocupam da criação. Vejamos, assim, brevemente, como a ciência e a arte são concebidas por Deleuze e Guattari.
A ciência não se ocupa de conceitos, e sim de funções que se apresentam em forma de proposições. O caos( que é o virtual) traz na sua singularidade o possível, mas com consistência e referência entrópicas. A ciência busca um modo de atualizar o virtual através das funções, ou seja, retirar dele referência. A ciência instaura um plano de referência. A exigência de paradigmas de verdade inibe o poder imanente do conceito(consistênica e sentido no jogo dos planos) em detrimento de verdades capazes de fazer uma correspondência entre o objeto(estado de coisas- fatos) e a idéia(modelo hipotético). A ciência é paradigmática, luta para dominar o caos e transformá-lo em função, em verificação. A arte forma sensações, tenta deixar o caos sensível, traça um plano de composição lotado de blocos de sensação. A arte realiza composições de sensações.
Deleuze e Guattari não aceitam a atribuição axiológica que valoriza uma das três espécies do conhecimento mais que outra. Para eles existe até uma possível ressonância entre os tipos de planos; projeto audacioso que tentam criar.
Até aqui tentei sugestionar e induzir o leitor a acreditar que a filosofia concebida como criação de conceitos, e estes como elementos auto-referentes, produz uma subversão da imagem clássica da filosofia, pois não se preocupa com a aquisição de um conhecimento capaz de realizar uma correspondência entre o conceito e um estados de coisas( tarefa que é científica), mas sim com a própria coerência dos conceitos, com a produção de sentido que não busca ascender ao plano de imanência para atingir uma verdade ulterior. A auto-referencialidade do conceito produz uma atitude anti-comunicativa, anti-discursiva em favor de um monólogo do conceito; e, também, fortifica o discurso filosófico deleuziano contra os juízos, pois o que se pode falar daquilo que não se preocupa com a possível existência de verdades.
O pensamento deleuzo-guattariano não pode ser caracterizado como uma fraude, visto que ele é totalmente coerente com o seu projeto: tratar o pensamento como experimentação, criação e viagem. Filosofar é criar e não participar de um encontro de "convivas bêbados", de uma " grande conversação". Para realizar essa experimentação, Deleuze e Guattari se alimentaram da potência do falso.
Tratar o pensamento como criação é uma forma de conceber a vida como processo de criação, uma "obra de arte" constantemente vinculada a produção de singularidades e diferenças. Explodir a estratificação do conhecimento, bem como liberar intensidades( acontecimentos) criativas é uma maneira de dissolver o pensamento reduzido as convenções autoritárias para a busca do conhecimento. O projeto filosófico de Deleuze e Guattari é o de uma filosofia da diferença, do nomadismo, das multiplicidades. A filosofia como criação de conceitos auto-referentes.
A importância que noto no trabalho de Deleuze e Guattari é a proposta criadora que invade toda sua obra, a composição do pensamento como força responsável por extrair sentido do não-senso que nos cerca através da criação dos conceitos.
Deleuze, como qualquer outro filósofo, não deve ser lido como um mensageiro de uma verdade absoluta, de uma fundamentação do conhecimento, mas sim como um filósofo que tem o seu valor por alterar uma imagem do pensamento, por subverter de modo cômico a tradição.
Hipóteses de estratégia da força do falso:
Dado uma proposição "p" e outra "q" para realizar uma implicação "p ( q", observa-se que o conjunto de valores verdade que "p" pode assumir engloba "V(verdade)" e "F(falsidade); se "p" incorpora valor "V", a implicação só seria válida se "q" também adquirisse o mesmo valor. Agora, por outro lado, se "p" é "F", "q" pode ser tanto "V" quanto "F" para a implicação totalizar-se como válida, pois do falso segue-se qualquer valor. Assim, percebe-se que o falso alimenta a validade das idéias e faz Deleuze e Guattari ficarem invulneráveis as codificações.
Se o discurso deleuzo-guattariano assume a auto-referencialidade como sua base, isso impossibilita qualquer tentativa de atingir uma verdade ulterior a que se encontra no plano de imanência.
2.2. A Filosofia e o Desejo
Deleuze e Guattari tentaram, mesmo sendo filósofos, arrastar o conceito de desejo para a filosofia. O tipo de investigação que fazem do inconsciente-desejo é denominada de esquizo-análise, tal estilo de investigação tem por objeto apontar um outro desejo( diferente do psicanalítico) que não se deixa domar pela lei, pela falta e pela castração. O objeto mais direto dessa segunda parte é mostrar as concepções que Deleuze e Guattari tem do desejo e como acontece o investimento libidinal- que é desejo- no campo social; tentarei mostrar, também, a liberação da vida paranóica em função da vida esquizofrênica. Tal investimento pode ser verificado com Elias Canetti e seu "Massa e Poder" que descreve e desmascara condutas desejantes do homem- o animal tribal.
Deleuze e Guattari concebem o inconsciente como uma usina operando produções de desejo. Essa usina produz a si mesmo( possível influência de um conceito do plano de imanência de Espinosa- o conceito de substância- a substância é causa de si.), o desejo é autoprodução, máquina que não cessa de maquinar. Essa produção desejante possui a característica de formar o real ao mesmo tempo que a
produção racional, como se percebe na formação das massas humanas e no fenômeno do poder. A esquizo-análise tem por meta atingir um desejo liberado das chamadas categorias negativas; para mostrar como o desejo é concebido na filosofia deleuzo-guattariana é necessário focalizar algumas linhas que montam o conceito de desejo:
o desejo é homem e natureza, uma multiplicidade unívoca. Nele não ocorre do homem se separar da natureza e se conceber como um ente autônomo; no desejo o homem se funde com a natureza e tudo se expande com uma única força; o inconsciente não é individual, nele habitam multiplicidades, populações, grupos, máquinas. A produção desejante é uma multiplicidade que não se deixa domar pela unidade, mas é só na univocidade que ela se encontra. A não individualidade do desejo dissolve nele qualquer pretensão de se firmar como sujeito; o desejo dissolve o EU, não possibilitando separar homens de animais; o desejo não é expressivo, nem representativo; ele é apenas máquina de produção
que produz a si mesmo através de sínteses de objetos parciais; o desejo não monta um teatro, e sim uma usina; Deleuze e Guattari dizem que a psicanálise descobriu a produção desejante, mas que esse feito foi logo obstaculizado pela introdução da representação na mesma. Toda produção de desejo, segundo os pensadores, acaba se transformando em um idealismo que sustenta a possibilidade da representação do inconsciente e de sua sucessiva expressão. É o famoso teatro do inconsciente, antagônico ao caráter deleuzo-guattariano do inconsciente como usina( o teatro da representação é revertido na ordem da produção desejante). A forma teatral do inconsciente manifesta-se na concepção do desejo enquanto falta, isso significa que apesar da produção desejante existir, ela se dobra em produção de fantasmas; essa postura leva a uma duplicação da realidade-Ser, pois o desiderato esconde o objeto real, daí a criação de duas produções simultâneas, mas a produção real fica obstruída pela produção ilusória. É o caso dos religiosos que almejam deus e a vida eterna, ou seja, desejam a falta. Deleuze e Guattari evocam o excelente comentário de Clément Rosset " o mundo se vê duplicado por um outro mundo, qualquer que seja segundo um itinerário seguinte:
o objeto falta ao mundo, logo o mundo não contém todos os objetos, falta ao menos um, o do desejo; logo existe um alhures que contém a chave do desejo que falta ao mundo". Ter o desejo como falta possibilita a observação de sua importância no mercado da fé, o homem é persuadido por discursos que o induz a conceber um além-do-mundo, um plano "superior", uma possível separação da alma e do corpo( assim conseguiria atingir todos os desejos frustrados na produção de fantasmas). O desejo como falta sempre foi útil no mundo capitalista, a falta sempre foi distribuída no campo social; o desejo produz real, a produção desejante é também produção social; o desejo é tanto produtor de realidade como nela se insere;
O desejo é máquina, síntese de máquina, agenciamento maquinístico; o princípio mais geral da esquizo-análise é: o desejo é constitutivo do campo social, ele é uma infra-estrutura, o desejo está na produção como produção social e a produção está no desejo como produção desejante;
O inconsciente-desejo é órfão, ou seja, produz a si próprio através de sínteses de objetos parciais;
O desejo possui dois pólos, o paranóico-reacionário-fascistizante e o esquizóide-revolucionário;
O desejo opera por sínteses: o inconsciente é máquina. Toda máquina é o corte de um fluxo de uma outra, máquinas sempre estão acopladas com outras; as máquinas desejantes são binárias, atuam por acoplamento e realizam sínteses conectivas produtoras de séries binário-lineares ( síntese conectiva de produção); as conexões das máquinas se remetem a objetos parciais, à fragmentos de máquina realizando uma movimentação de signos de modo disjuntivo( síntese disjuntiva de registro); os resíduos das conexões se tranformam em energia de consumo( síntese de consumo); a produção do inconsciente é um rizoma.
O conceito de desejo é formado por dois componentes: processo e produção, ou seja, desejo significa "processo de produção. Deleuze e Guattari criticaram o controle do desejo na formação do complexo de édipo que tem por fim aniquilar a produção desejante com a representação triangular do desejo. O Anti-Édipo é um livro revolucionário, escrito com um ideal libertário. Os investimentos libidinais se realizam por sínteses e montam complexos econômico-políticos que nada mais são que "complexos do inconsciente".
Segundo os filósofos três erros incidem sobre o desejo: a falta, a lei e a castração. A falta já foi abordada; a lei inscreve a proibição e a transgressão no desejo, obscurecendo sua potência produtora; a castração é a inibição do desejo fruto da lei que incide sobre ele.
Agora, observemos como acontece a abertura do inconsciente ao social, ou seja, como a produção desejante investe diretamente o campo social produzindo real. Para isso, tentar-se-á justificar a tese do investimento libidinal com base nos ensinamentos sobre a massa e sobre o poder feitos por Canetti.
O desejo está por todos os lados e é responsável por fenômenos sociais típicos de qualquer sociedade. O desejo como "processo de produção" é causa necessária para a formação das massas e do poder. Uma prova disso é a existência de massas humanas desejantes que se instauram por todos os lados e que têm características que clarificam o poder do desejo no seio social, vejamos como Elias Canetti aponta as peculiaridades da massa:
a massa deseja crescer cada vez mais. Depois de instaurada uma massa, o desejo que circula sua formação é o de permanecer sempre crescendo( desde que esse crescimento não ameace sua duração), a massa deseja englobar todos que estão por perto afim de aumentar seu tamanho rapidamente; a massa deseja a igualdade. Na massa todos são iguais, montam um só corpo forte e homogêneo; a massa deseja a descarga, ou seja, o momento em que todos se sentem iguais; o ritmo faz com que todos da massa emitam o mesmo som, o que desperta o sensação de igualdade e de aumento da força; a massa deseja uma direção. A direção faz com que a massa adquira sua durabilidade e que o corpo único se movimente para deixar todos com o sentimento de igualdade;
A massa é uma multiplicidade que pode se manifestar de diferentes modos dependendo da intensidade e do afeto dominante( o afeto é o conteúdo sentimental dominante das massas, ou seja, o seu desejo mais essencial de ser saciado) das características expostas acima. Observemos os tipos de massa e seus caracteres de acordo com Canetti:
as massas de acossamento: são as que se constituem com o desejo de matar. É o caso dos linchamentos; as massas de fuga: são as massas que se formam a partir do sentimento de ameaça, o perigo fica distribuído para todos os integrantes da massa e um deles é sacrificado para que os demais consigam fugir. Como é o caso de manifestações em que a massa de policiais chega para conter o desejo da massa; as massas de proibição: são as massas que se instauram graças a uma proibição. O
indivíduo não faz algo sozinho, mas o faz em massa. É o caso da greve; as massas festivas: são as massas que têm por meta a festa e a descontração; é o caso clássico de shows e eventos culturais;
As massas possuem símbolos que carregam em si as qualidades da massa, vejamos um desses símbolos:
o fogo: suas características são as mesmas da massa, ele se propaga com rapidez e tudo que toca fica possuído por ele; o fogo une tudo aumentando seu tamanho; é devastador, por onde ele passa nada fica como antes; o fogo é igual em toda parte;
Percebe-se que o dínamo propulsor das massas é o desejo- esse desejo é uma multiplicidade: desejo de crescer, de densidade, de de igualdade, de ritmo, etc. A massa, dependendo de seu estilo, é percebida como um jogo do inconsciente, ou seja, os homens montam massa porque desejam e para ficar mais fácil realizar seus desejos(projeto que é também racional). Nas massas o desejo se mostra como uma multiplicidade e as próprias massas são uma multiplicidade, um processo de produção desejante. Deleuze e Guattari apontam as linhas que cortam a formação das massas do modo que Canetti expõe , " Entre os caracteres da massa, no sentido de Canetti, precisa-se notar a grande quantidade, a divisibilidade e a igualdade dos membros, a concentração, a sociabilidade do conjunto, a unicidade da direção hierárquica, a organização de territorialização, a emissão de signos".
As massas são agenciamentos humanos libidinais e inconscientes, o homem libera o seu desejo na massa investindo todo a camada social. Toda a formação das massas nada mais é que uma produção desejante. Ou seja, o processo de produção que o desejo impõe no seio da sociedade é uma multiplicidade, por exemplo, como a massa de homens.
Um outro investimento libidinal que parece ser corolário do desejo é o poder, ou de outra forma, o desejo de poder, o processo de produção do poder. Para Elias Canetti o poder que coexiste com os homens em seu dia-a-dia tem suas origens em hábitos naturais que compartilhamos com os animais; mostrarei agora como são caracterizadas essas chamadas " entranhas do poder":
espreitar: o ser humano observa minuciosamente os movimentos do objeto a ser abatido;
capturar: capturar com as mãos( símbolo do poder no homem) o objeto que foi observado e englobá-lo fazendo-o ir diretamente a boca e servindo para fazer aquele que o capturou se sentir " intensificado"; antes de chegar a boca pode ocorrer o esmagamento do objeto capturado;
trituração: aqui o objeto e destruído pelos dentes( outro símbolo do poder), pronto para ser enviado ao estômago;
digestão: "tudo que se come é objeto de poder", o homem se sente saciado depois de ter incorporado um objeto ulterior e ter produzido seu corpo "o desejo de crescer";
defecação: aqui tudo que foi incorporado e não serviu ao organismo é liberado.
A origem do poder parece ser imposta por hábitos simples que temos em nossas vidas, atitudes que são oriundas de locais obscuros e que pouco se conhece a respeito.
O homem tem vontade de sobreviver, aliás, é isso o que ele mais deseja. O sentimento do sobrevivente é o sentimento máximo do poder, e isso faz com que certas manifestações que imperam na vida em sociedade sejam perigosas e infindáveis, como por exemplo, a própria ordem que provoca em seu receptor uma ação denominada de aguilhão, que consiste em lançar a ordem recebida a outro corpo afim de se subtrair dela.
A possibilidade de furtar-se ao modo de vida paranóico centrado nas qualidades do poder( vontade de dar ordens, juízos - vontade de dominar, de poder) é tarefa individual e que não tem uma fórmula mágica para a realização, mas apresento rascunhos de sugestões para o exercício de uma vitalidade não-orgânica e que denomino "atividade esquizofrênica":
agir dificultando a ação da lei no desejo, pois assim seria possível escapar do processo de castração e de culpa que incidem no desejo;
evitar a falta no desejo, devido ao fato de que ela(a falta) é responsável por fazer o desejo se transformar em desejo de fantasmas, levando, assim, a desvalorização do acontecimento e da vida para buscar um tipo de crença ulterior a experiência humana; o desejo da falta é uma força para as religiões que sustentam seus discursos no fantasma de deus e da vida eterna; o desejo do não-ser só pode ser um desejo ilusório;
não desejando a falta, a afirmação toma conta do desejo e faz com que ele deseje o ser, a vida, o acontecimento;
viver cada instante como se fosse o último, singularizar ao máximo o acontecimento, não dando espaço para sentimentos de tristeza, ou seja, afirmar qualquer situação da maneira mais alegre possível;
evitar a vontade de poder e a vontade de ordenar responsáveis pela paranóia e pela atormentação;
afirmar a alegria de viver independente de qualquer outra situação; Ter uma vida auto-referente, ou seja, sem preocupações escatológicas e sem o intento de atingir uma verdade além da própria vida;
O monólogo do ser humano enquanto fonte de alegria. Desestratificar com prudência, pois a perda instantânea de todos os estratos( eu, deus, vida pós-morte) pode provocar o fim também instantâneo daquele que criou sem prudência o seu corpo sem órgãos, sua vitalidade não-orgânica.
Conclusão
O primeiro propósito do ensaio foi inspirar que a filosofia deleuzo-guattariana é uma experimentação na ordem dos conceitos, o que caracteriza o chamado construtivismo filosófico baseado na criação de conceitos e no implante do plano de imanência. Para Deleuze e Guattari, a filosofia é a invenção de conceitos, estes possuem um rol de dados que permitem o conhecimento do modo de construção filosófica optado por Deleuze e Guattari. A tese mais básica é a seguinte: a filosofia é criação de conceitos; ora, sendo os conceitos auto-referentes e a filosofia sendo feita de conceitos, pode-se dizer que a filosofia deleuzo-guattariana é um discurso auto-referente, ou seja, conhecimento de si própria e não do mundo. Sendo os conceitos singularidades, e não idéias gerais, fica fácil de perceber que o ímpeto dos pensadores era estimular a criação conceitual do indivíduo. Ler Mil Platôs com a tentativa de encontrar uma verdade é uma tarefa grotesca, pois esse não é o objetivo do livro, mas sim o estímulo do uso dos conceitos nos acontecimentos da forma que for mais interessante ao sujeito que entra em contato com o livro. Assim, é inútil perguntar pelo significado dos conceitos, visto que são singularidades e podem ser utilizados em múltiplas produções de sentido. Uma filosofia auto-referente nada mais é que um monólogo, um solilóquio, visto não ser parte de um sistema comunicativo.
Na Segunda parte, tentei induzir a idéia de que o desejo está no seio das produções sociais como produção desejante; como exemplo mostrei a formação das massas e do poder que são, a meu ver, investimentos libidinais inconscientes. Tentei ainda elaborar, através da singularização dos conceitos, uma forma de viver fundamentada na afirmação do acontecimento como fonte de alegria e felicidade, pois não permite o acesso das categorias negativas ao desejo.
Bibliografia Principal
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Deleuze, Gilles. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia, vol.02, Gilles Deleuze e Félix Guattari; tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio de Janeiro: Ed.34, 1995. Original: 1980
Deleuze, Gilles. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia, vol. 03, Gilles Deleuze e Félix Guattari; Aurélio Guerra Neto et alii. Rio de Janeiro: Ed.34, 1996. Original : 1980
Deleuze, Gilles. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia, vol.04/ Gilles Deleuze e Félix Guattari; tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Ed.34, 1997. Original : 1980
Deleuze, Gilles. Mil Platôs, vol.05/ Gilles Deleuze e Félix Guattari; tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Ed.34, 1997. Original: 1980
Deleuze e Félix Guattari. O Anti-Édipo ( parte inicial de Capitalismo e Esquizofrenia); Gilles Deleuze e Félix Guattari; tradução de Georges Lamaziére. Rio de Janeiro, Imago, 1976. Original : 1976.
Deleuze, Gilles. O que é a Filosofia?/ Gilles Deleuze e Félix Guattari; tradução de Alberto Alonso Munõz. Rio de Janeiro: Ed.34, 1992. Original : 1991
Deleuze, Gilles. Lógica do Sentido. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Perspectiva, 1994. Original : 1969.
Deleuze, Gilles. A Filosofia Crítica de Kant. Tradução de Germiniano Franco. Lisboa: Edições 70. Original: 1963.
Deleuze, Gilles. Conversações 1972-1990. Tradução de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Ed.34, 1992. Original : 1990.
Deleuze, Gilles. El Bergsonismo. Tradução de Luis Ferrero Carracedo. Madri: Catedra Colección teorema. Ediciones Cátedra, 1996.
Deleuze, Gilles. Kafka: Por uma literatura menor. Tradução de Julio Castanõn Guimarães. Imago editora: 1977. Original: 1975
Deleuze, Gilles. Crítica e Clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart. Ed: 34, 1997. Original :1993.
Canetti, Elias. Massa e Poder. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Cia. Das Letras, 1995. Original: 1960.
Bibliografia Secundária
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Badiou, Alain. Deleuze: o Clamor do ser. Tradução de Lucy Magalhães- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. Original: 1997.
Hardt, Michael. Gilles Deleuze: um aprendizado em filosofia; tradução de Sueli Cavendish - São Paulo, ed.34, 1996. Original :1993
Escobar, Carlos Henrique. Dossier Deleuze: coletânea de textos e comentários sobre a obra deleuzo-guattariana. Hólon editorial: 1991.
Dias, Sousa. Lógica do Acontecimento: Deleuze e a Filosofia. Edições Afrontamento: 1995
Machado, Roberto. Deleuze e a Filosofia- Rio de Janeiro, Graal, 1990.
Pelbart, Peter Pál. O tempo não-reconciliado. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 1998.
Leite, Alexandre F. B. Costa. Mil Platôs: Máquina de Conceitos( artigo).
Cadernos da FCHF. Editora Márcia Zebina Araújo da Silva, 1997.
1 Deleuze e Guattari, O que é a filosofia? p.30
2 Descartes considerou o problema da fundamentação do conhecimento mal colocado pelos escolásticos que tinham por escopo embasá-lo em idéias religiosas; ao invés, Descartes retira do plano de imanência da idade média um problema e tenta resolvê-lo com a fundamentação do conhecimento no EU.
3 Deleuze parece ter o intento de não submeter o conceito ao idêntico e ao igual, mas sim instaurar uma tribo da diferença. Tentativa ousada que comina a destituição da representação em detrimento do não-semelhante.
4 Alliez, Eric, A assinatura do mundo- o que é a filosofia de Deleuze e Guattari?, p. 69
5-Deleuze e Guattari, O que é a filosofia?, p.52
6- Ibid, p.52
7- Ibid, p.80
8 Sousa Dias, Lógica do Acontecimento, p.17
9 Deleuze, Lógica do Sentido, p. 169
10 Peter Pál Pelbart, em "o tempo não-reconciliado", diz sobre os efeitos do paradoxo " Seu efeito primeiro é desfazer a tranqüilidade com que nos reconhecemos meio às coisas, ao mesmo tempo em que as reconhecemos. A recognição foi sempre o suporte da doxa, mas o paradoxo é o seu terror. O paradoxo é duplamente destrutivo: subverte o bom senso e também o senso comum, as duas formas que constituem conjuntamente nossa Imagem do pensamento" . p.63, "o tempo não-reconciliado."
11 Deleuze, Lógica do Sentido, p.80. O paradoxo do sentido, ou paradoxo de Frege diz que dado uma proposição a, ela só seria justificada por uma outra b, e assim ao infinito. Tal idéia nos mostra uma espada cravada no coração da lógica. O sentido de uma proposição só existe com uma outra que serve de fonte do sentido. O paradoxo que mostra o devir ilimitado, de forma que "diminuir" significa, do mesmo modo que crescer, tornar-se menor do era e maior do que é agora. Lógica do Sentido, p. 11
12 Sousa Dias em seu livro "Lógica do Acontecimento" tem uma excelente análise da auto-referencialidade " Todo esforço de Deleuze se concentra então em evidenciar a principal implicação desta tese: o conceito não é uma proposição, não é proposicional, a filosofia não é discursiva. Na lógica e na ciência, uma proposição define-se pela sua referência a coisas ou estados de coisas, mas o
conceito é auto-referente. Nem a ciência e a lógica operam por conceito, nem os conceitos filosóficos são assimiláveis a proposições ou funções proposicionais.
As funções científicas supõem uma referência em ato, são coordenações necessárias de estados de coisas ou "objetividades" como termos variáveis independentes, ao passo que as funções propriamente lógicas recaiem sobre a referência em si mesma, vazia, ou como possibilidade proposicional, determinam as condições de referência das proposições em geral. Opostamente os conceitos remetem apenas para puro eventos incorporais distintos das suas atualizações em corpos e estados corpóreos e que formam, não a referência, mas a consistência dos conceitos. Por outras palavras, os conceitos remetem unicamente para si(para suas separações internas como variações inseparáveis, interdependentes) e para outros conceitos-acontecimentos no plano de imanência: endoconsistência e exoconsistência dos conceitos. Em suma, o conceito não é nem uma função científica nem uma proposição lógica, não tem referência, e como tal é inintegrável de sistemas discursivos", Lógica do Acontecimento, p.69-70
Deleuze e Guattari, O Anti-Édipo, p.394 . O objetivo da esquizo-análise é " destruir Édipo, a ilusão do ego, o fantoche do superego, a culpabilidade, a lei e a castração; destruir crenças e representações, cenas de teatro."
Deleuze e Guattari, O Anti-Édipo , p. xxx
Roudinesco, Elisabeth. História da psicanálise na França, 1986; p.534-535 " Se nos ativermos às teses enunciadas, consideraremos O Anti-Édipo uma obra repleta de incorreções, erros e equívocos. Por isso não se deve em absoluto reduzir o livro a seu conteúdo explícito. O Anti-Édipo é um grande livro, não pelas idéias que veicula, mas pela forma que as confere, pelo estilo, pelo tom: numa palavra, pela sintaxe febril onde vem encalhar, num longo bafejo e como um barco à deriva, a fúria esquecida de uma língua em ruptura ou da desrazão. Publicado num momento em que se concretiza o impasse do movimento estruturalista, O Anti-Édipo drena anarquicamente todas as esperanças de uma revolução abortada. Ao mesmo tempo, e por operar uma síntese especificamente francesa de todos os ideais de
libertação- do freudo-marxismo ao terrorismo e da busca do paraíso perdido ao culto da droga- ele toma por alvo principal o conformismo psicanalítico, designando com alarde o devir dogmático do lacanismo. Para além de um debate demasiadamente superficial sobre o "imperialismo do significante" e da defesa de uma imagem utópica da esquizofrenia, perfila-se uma crítica feroz e autêntica de todos os "catecismos" freudianos. Daí o merecido sucesso do livro. Daí também seu formidável impacto sobre uma intelectualidade frágil, que acredita poder, graças a ele e por um custo menor, rir das aventuras da doutrina vienense, afirmando que a "peste" lacano-freudiana já não mais mete medo a ninguém. O aborrecido dessa história é que haverá em muito pouco tempo um "catecismo" da esquizo-análise."
Deleuze e Guattari, Mil Platôs, volume 1, p-47.
Canetti, Elias. Massa e Poder: " O excremento, que é o que resta de tudo, apresenta-se carregado de nossas culpas. Nele deixa-se reconhecer tudo quanto matamos. Ele é a soma comprimida de todos os indícios contra nós. Na qualidade de nosso pecado cotidiano, constante, ininterrupto, ele fede e clama aos céus. Chama a atenção o modo como as pessoas se isolam com seus excrementos. Livram-se deles em cômodos próprios, que servem unicamente a esse propósito; tal isolamento constitui seu momento mais íntimo; verdadeiramente sozinhas, as pessoas ficam com seus excrementos. É evidente que se envergonham deles. Eles são o selo antiqüíssimo daquele fenômeno do poder que se chama digestão, um fenômeno que se desenrola as escondidas e que, sem esse selo, permaneceria oculto." P.209
Canetti, Elias. Massa e Poder: " Toda ordem compõe-se de um impulso e de um aguilhão. O impulso obriga o receptor ao seu cumprimento, e, aliás, da forma como convém ao conteúdo da ordem. O aguilhão, por sua vez, permanece naquele que a executa. Quando o funcionamento das ordens é normal, em conformidade com o que se espera delas, nada se vê do aguilhão o ápice da construção conceitual é verificado no livro Mil Platôs.
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