terça-feira, 18 de junho de 2013

flecheira.libertária.298

da vida e da arte 
A arte sempre foi perigosa. Platão o disse e a censurou. Contudo, a arte é o tanto de indomesticável de todas as gentes. O antropólogo Claude-Lévi-Strauss afirmou que depois de terminada a vida humana em nosso planeta restará apenas os vestígios da arte. É com arte que se questiona a transcendentalidade da política e dos costumes. É com a plasticidade artística da crítica que cada um de nós é capaz de fazer sua vida uma obra de arte. Toda a política se renova pela arte que escancara o insuportável e o ingovernável. Se uma arte não nos é palatável devemos olhar para nós mesmos e notarmos como nos deixamos apanhar pela retórica, esta arte dos domesticadores, cujo limite é matar. Mas por mais que se tente matar a arte, a vida de cada um a faz reviver. As belezas da arte apolínea e as surpresas da arte dionisíaca sempre inventaram suas formas pela conjugação destas duas artes. Se a transcendentalidade da arte sempre esteve relacionada à religião, são também várias as maneiras artísticas de fazer arte, diversos são os artistas e os arteiros. Não se processa judicialmente um artista, não se policia um artista. Dele devemos reter a tradução crítica de nossa mixórdia. 
se liga, moçada!
No fim de semana que passou, aconteceu em São Paulo mais uma “Marcha da Maconha”. Centenas de pessoas, amparadas numa decisão do Superior Tribunal Federal, marcharam ordeiramente, circundadas por centenas de policiais. Baseados acesos e câmeras da polícia filmando todo mundo. Nas faixas e camisetas, palavras de ordem orientadas pelo lema dessa vez: “Proibição mata: legalize a vida”. O que provoca repulsa e indignação da moçada é a violência intolerável da guerra às drogas, da punição ampliada, das internações compulsórias e a hipocrisia de uma sociedade dopada que não suporta os estados alterados de consciência liberados de prescrições médicas. 
se liga! 
Acontece que as marchas autorizadas pela polícia e as propostas de lei falam a mesma gramática punitiva e autoritária de quem proíbe, prende, violenta e mata: partilham da mesma lógica da solução universal para experiências que são únicas, pessoais, intransferíveis. Por isso, a força subversiva que contesta antigos hábitos fica, de novo, capturada na universalidade da lei. A vida com drogas deve ser experimentada e não encarcerada em leis penais. O incomensurável de estar vivo não cabe em código algum.
istambul 
Os protestos que tomaram as ruas na capital da Turquia trazem uma motivação interessante: a substituição de um parque, que é frequentado por jovens, estudantes e reconhecido como local de reunião de grupos que combatem o governo, por um Shopping Center, uma suntuosa mesquita e um memorial à força militar do Império Turco-Otomano. Comentaristas dizem que o presidente da Turquia, no governo há 12 anos pelo partido Justiça e Desenvolvimento quer, com essa reforma urbanística, mostrar possibilidade de convivência entre islamismo e liberalismo. Acusaram os manifestantes de conservadores e soltaram a polícia que já fez mortes e dezenas de feridos. Interessa registrar que os jovens turcos enfrentam a polícia por discordarem do projeto de cidade que o governo quer que eles vivam. 
são paulo 
Na semana passada a Avenida Paulista foi palco, novamente, de uma batalha entre polícia e manifestantes. Estes protestavam contra o aumento da tarifa de ônibus e reivindicavam a gratuidade do serviço municipal. Oito pessoas foram presas, duas permanecem detidas, uma por não ter dinheiro para pagar a fiança e outra porque incitar incêndio é “crime inafiançável”. Anos atrás, os protestos contra tarifa de ônibus eram usados por partidos para fazer pressão contra seus adversários. Hoje, com o partido do governo federal na prefeitura municipal, pedem calma aos manifestantes e concordam com ações policiais legítimas. Uma coisa segue como sempre: quem não tem dinheiro não sai de casa e continua preso. 
o estado sustentável 
O primeiro astronauta brasileiro, nomeado embaixador da boa vontade da agência da ONU para o desenvolvimento industrial, apresentou na semana passada uma proposta para fazer de Roraima o primeiro ecoestado do planeta. Segundo a proposta, o estado brasileiro que se encontra na floresta amazônica será revestido por metodologias e projetos já certificados pela ONU em várias ecocidades do mundo, integrados em um grande programa de desenvolvimento sustentável. O que diferencia o ecoestado é justamente o emprego da sustentabilidade como programa de investimento voltado para incluir, por diversos motivos, o que ainda está fora dos fluxos planetários de produção de riqueza.
sem extermínios e devastação? 
Para o astronauta, Roraima é "o local ideal" para a implantação do projeto, devido ao seu estágio de desenvolvimento que permite uma reorientação para a sustentabilidade somado ao número reduzido de cidades e seu potencial para o agronegócio. Porém, deixou de mencionar outros atrativos. Quase metade do  seu território é de propriedade do próprio Estado de Roraima e da União. Na outra metade estão áreas de preservação e terras indígenas, dentre elas uma das maiores do país, a Raposa Terra do Sol. É conhecido que seu território possui grandes reservas de minérios, alguns deles muito raros. "Reservas" nunca colocaram  entraves para os investimentos capitalistas, para as quais os Estados modernos conseguiram encontrar soluções políticas além do extermínio e a devastação. Talvez os ecoestados venham atender a esta urgência, 
tendo na sustentabilidade o seu programa ecopolítico mais bem elaborado. 

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