notícias de ano novo (?)
O Estado Islâmico avança, decapita, fortalece seu califado e exige indenizações no Oriente Médio. O Boko Haram sequestra,
escraviza mulheres e mata na Nigéria. A Al-Qaeda do Iêmen reivindica os assassinatos dos criadores do semanário Charlie Hebdo e
de pessoas num supermercado judaico em Paris. O terror transterritorial se amplia e amplifica. A esquerda repaginada volta ao
governo da Grécia, depois de acordo com a direita com preocupações sociais. Governos da Venezuela e Estados Unidos aprovam
medida relativa ao uso de balas letais em manifestações como atitude humanitária. Pelo Rio de Janeiro proliferam “balas perdidas”
surpreendendo cidadãos pelas ruas e casas, como se de fato houvesse um disparo aleatório. E se enfia goela abaixo as toneladas de
informações sobre fiscalizações de corrupções. Dizem que a solução não está mais na austeridade econômica, mas em investimentos
de infraestrutura. Afinal, os Estados Unidos saíram da crise e o governo brasileiro ajustou seu ministro da Fazenda empossando um
engenheiro. Em São Paulo, chove e falta água. No Brasil se constroem hidrelétricas e falta eletricidade... O transporte ficou mais caro,
como era de se esperar, e a contestação está mais morna.
bom rapaz, direitinho...
Na Europa e nos EUA o medo tem muitos corpos. Um deles está no pavor dos convertidos: rapazes brancos, de famílias cristãs ou
laicas que se decidiram pelo islamismo radical. Eles são mais assustadores do que os muitos jovens muçulmanos de procedência
africana e asiática que vivem em guetos, periferias, banlieus. Estes sempre foram tidos como perigosos por serem imigrantes, pobres,
pretos ou quase pretos. A presença do branco converso e radicalizado ativa demandas por mais controles e punições. Os perdedores
radicais de pele branca e cidadania de primeiro mundo explicitam os medos e acionam paranoias.
matar em nome de...
Os jovens convertidos ao fundamentalismo transterritorial desprezam o consumismo, os costumes, as liberdades, a democracia liberal
e todo o conjunto dos chamados valores ocidentais. Renegam suas pátrias de origem em nome de outra que consideram mais justa,
pura, divina. Decidem matar em nome de Alá, do Profeta, da Al-Qaeda, do Estado Islâmico. Querem ser soldados. Se não
desertassem de seus países, seriam convocados como soldados, em nome da democracia e das liberdades individuais, para ascontinuadas intervenções diplomático-militares ocidentais no Oriente Médio. Oferecem seus corpos e vontades a servir. Abraçam
obediências e se dispõem a morrer em nome da transcendência.
nova política (?)
Nas eleições gregas, a vitória do Syriza, coalizão partidária de trotskistas e ecologistas, criada em 2004, reacendeu as esperanças em
um sistema político colapsado e desacreditado. Há quem diga que eles são a expressão institucional das mobilizações de rua que
agitam o país desde 2006. Assim como o Podemos espanhol, a chamada nova esquerda radical que disputa as eleições cumpre seu
velho papel: salvar a crença no sistema de representação e seguir investindo no Estado como campo de racionalização das lutas e
categoria do entendimento. A América do Sul viveu esse roteiro idílico na aurora deste século com o nome de Socialismo do século
XXI. Resta saber se na Grécia eles serão eficazes em apagar o fogo das ruas.
antipolítica
Antes mesmo do anúncio da vitória do Syriza, as associações anarquistas, centros sociais de bairro e grupos autonomistas gregos
deram um recado ao governo da nova esquerda radical: “Bem vindos à nova Grécia! Nos vemos nas ruas!”. Há anos trabalhadores,
estudantes, desempregados e imigrantes vivem experiências de democracia direta, autogestão de recursos e proteção dos imigrantes
contra os grupos neonazistas. Não estão dispostos a trocar isso por uma esperança governamental. Não querem ser o contrapeso
regulatório ao governo. Anunciam que fazem outra coisa e não almejam um encantado “outro mundo possível”. Não se contentam
com a profanação que precede o reestabelecimento da ordem.
a velha questão social
No início do século XX, diante das mobilizações de rua dos anarquistas contra a carestia de vida, um governador paulista declarou
que a questão social se trata a patas de cavalo. No começo deste ano, após o anúncio do aumento das tarifas de ônibus e metrô, as
mobilizações que levaram 30 mil pessoas às ruas obtiveram uma única resposta do governo e da prefeitura de São Paulo: o
deslocamento de um contingente de até 1000 policiais que se esforçaram em “envelopar” as manifestações e, invariavelmente, as
dispersavam com bombas de gás e balas de borracha. No entanto, diferente de 2013, o discurso da minoria de vândalos já estava
sedimentado. E ainda que jornalistas e outros manifestantes tenham ficado gravemente feridos, a violência policial tirou gradualmente
as pessoas da rua. A política do governo foi clara e simples: descer o cacete até eles cansarem de apanhar e dar bônus com passe
estudantil restrito.
não esqueçam os 23
No final do ano passado um mandato de prisão foi expedido contra 23 ativistas do Rio de Janeiro acusados de associação criminosa e
outras ações relacionadas aos protestos que começaram em junho de 2013 e seguiram contra a realização da Copa do Mundo de
Futebol no Brasil, em 2014. Três deles estão presos, duas foragidas e 18 respondem ao processo em liberdade. De 2013 para cá se
produziu uma quantidade infinita de avaliações e reflexões sobre as jornadas de junho. Mas até agora poucas foram as vozes que
apoiaram os 23. Menos ainda são as que notam nesta situação, somada à condenação do morador de rua, Rafael Braga Vieira, o
óbvio: todo preso é um preso político! A curiosidade histórica é que a principal testemunha de acusação, que sustenta o caráter não
político do processo, o delegado Alessandro, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), possui o mesmo
sobrenome do responsável pelo massacre da Comuna de Paris, em 1871: Thiers. Todo preso é um preso político.
as águas vão rolar
Diante da “crise hídrica”, o governo do estado de São Paulo anunciou medidas como o reaproveitamento da água da represa Billings,
desconto na cobrança das contas para diminuir o consumo, criação de comitê anticrise. Contudo, nenhuma das medidas foi tão eficaz
quanto a própria disposição de determinadas pessoas a se tornar o “guardião das águas”. Por meio da publicidade do governo
veiculada desde a televisão até redes sociais, diversos condomínios adotaram tal slogan. Em matéria divulgada por um jornal de
grande circulação, a moradora de um edifício argumentou que é preciso fiscalizar nos vizinhos desde o número de descargas até o
tempo do banho. “Os vizinhos têm de se policiar uns aos outros”, concluiu. Nada surpreendente: em nome da consciência e/ou vida
amarga, prolifera a polícia. Mais de 90% da água gasta no Brasil é consumida e sequestrada por indústrias, agronegócios e a
deficiência na infraestrutura construída pelo Estado. Entretanto, às vésperas do carnaval, diante de tantos cordatos, é bom lembrar
que quem goza a vida em liberdade não se deixa agarrar pela polícia, seja ela de farda ou não. Como o refrão da marchinha, diante
de tanta polícia é ainda mais gostoso cantar: “ninguém me agarra/ ninguém me agarra”.
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