Debate em São Paulo: uma renda digna paga a todos, independente de trabalho, seria resposta à automação e à desigualdade crescente?
Por Marília Arantes
Debate e lançamento de livro: Por que Renda Básica?, de Josué Pereira da Silva Com o autor, Eduardo Suplicy, Ladislau Dowbor e Paul Singer
Como evitar que o capital se aproprie de toda a riqueza produzida pela tecnologia? De que forma assegurar condições de vida dignas a bilhões de seres humanos, que não terão emprego assalariado? Onde reside, e como pode ser compartilhada, a criação de riquezas e talentos, num mundo pós-industrial? Cada vez mais decisivos, num mundo em crise, estes temas serão debatidos na próxima quinta-feira, às 19h30, em São Paulo. Eles percorrem o livro Por que Renda Básica?, de Josué Pereira da Silva, um economista que se enxerga na tradição de André Gorz.
Além do autor, estarão presentes Paul Singer, Ladislau Dowbor e Eduardo Suplicy. O evento será, ao mesmo tempo, uma reunião da Rede Brasileira da Renda Básica e Cidadania. Promovido por Outras Palavras e Editora Annablume, é parte do esforço feito pelo site para abordar de modo cada vez mais profundo a crise do capitalismo e as alternativas. A obra de Josué Pereira da Silva contribui de modo relevante para tal debate.
Nas circunstâncias atuais, aponta Josué Pereira, o trabalho já não dá cumpre o papel de integrador social. Portanto, mecanismos de transferência direta de renda – a Renda Básica, ou Renda Mínima, como preferem alguns –, servem para desmercantilizar, mesmo que parcialmente, a força de trabalho, em resposta às condições impostas por um sistema de seleção excludente.
No livro, o autor expõe visões sociológicas sobre trabalho e desemprego, referenciando historicamente teóricos elementares, principalmente – Karl Marx, Marx Weber, Émile Durkheim e, claro, John Maynard Keynes. Porém, sugere que o keynesianismo tornou-se ultrapassado, desde a introdução efetiva da tecnologia na produção. Ele defende que a Renda Básica seria solução para problemas decorrentes da desigualdade de renda após brusca ruptura – a automação – ter repercutido no desemprego estrutural das sociedades contemporâneas.
Mas, como esclarece o livro Por que Renda Básica?, muitos estudiosos percebiam este fenômeno, antes dele acontecer. Hannah Arendt, em 1958, comentou, “o advento da automação poderá em algumas décadas esvaziar as fábricas e libertar a humanidade do trabalho. No entanto, estamos diante do prospecto de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho”. Nesse sentido, já nos anos 80, Andre Gorz, concluiu, “a ‘sociedade do trabalho’ está caduca”, assim como Keynes, naquele prazo, “estava morto”. Frente à insustentável integração social por meio do trabalho, o fenômeno da automação lhe tirou a chance de conhecer seus “netos” – herdeiros do surto de desemprego que Keynes previu para três gerações seguintes à crise de 29.
Portanto, enfatiza Josué Pereira, ao começo do século XXI, Renda Básica, simboliza um passo além do idealista Welfare state, (Estado de bem-estar social). Segundo o autor, este modelo de política de desenvolvimento social não basta, não é possível atingir o cerne da desigualdade remediando o reforço dos serviços públicos. Ultrapassado – como Keynes e o fordismo – , ele reverencia o mito do pleno emprego.
Pereira conclui, “presenciamos o esgotamento de um modelo incapaz de oferecer condições para se realizar suas próprias exigências normativas.”
Entretanto, ele cita Claus Offe, para quem “desemprego não deve mais ser descrito como problema, já que o pleno emprego não pode ser realisticamente esperado, nem é solução que se possa, responsavelmente, ser apresentada ao público.”
“Se uma sociedade orientada pelo trabalho premia os assalariados, mas muitos cidadãos não são elegíveis para tais premiações, ela é, portanto, moralmente indefensável, pois fica pairando no plano cultural.” Nessa ideologia, delega-se a culpa para as vítimas. Pela contradição sistêmica, desemprego e exclusão, “acabam sendo interpretados como fracassos pessoais”, defendia Offe.
Embora Josué Pereira aponte uma série de vantagens à transferência de renda inclusiva como, por exemplo, “diminuição da dependência e aumento do poder de barganha dos beneficiários”, o autor também coloca visões críticas sobre o caráter “assistencialista”, que muitos enxergam neste tipo de mecanismo. Por exemplo, em seu livro, ele pontua críticas feitas por Frei Betto e Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança; pouco se fala do Fome Zero, embora também seja um programa bem sucedido do governo Lula. Quanto às falhas em questões de autonomia, Betto e Arns sugerem períodos de validade dos programas, para que beneficiários possam “caminhar com suas próprias pernas”.
Contudo, pontua Pereira, a ideia central do Renda Básica não é pautada por contrapartida nem classe social. Analisando a experiência do Bolsa Família, primeiro programa brasileiro de transferência nota-se uma adaptação. Nele, se substituiu a igualdade dos indivíduos – os beneficiários, na ideia original -, por famílias de baixa renda, também elegendo-se condições, como principalmente, o acompanhamento dos filhos na escola. Um tema central no debate na PUC-SP, será a possível transição do Bolsa Família por algo muito mais radical, como a Renda Básica. Para tanto, propõe-se expansão da rede de transferência direta a indivíduos, com objetivo de que o programa passe progressivamente a atender todas as camadas sociais, indistintamente, e sem qualquer contrapartida.
Eduardo Suplicy foi pioneiro no Brasil ao apresentar o Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM (1991). O projeto foi aprovado no Senado, mas barrado na Câmara dos Deputados, em 1998. Todavia, a iniciativa influenciou outros programas, como o Bolsa Escola, de Cristóvão Buarque, entre demais, também voltados às famílias. Experiências foram aplicadas em municípios Campinas, Brasília e Ribeirão Preto, e São Carlos do Pinhal, em 2009.
À frente da campanha de lançamento do PGRM em nível nacional, Suplicy retomará o assunto no debate na PUC-SP. Durante a mesa-redonda, convidados explicarão porque mecanismos macroeconômicos “mais civilizados” como o Renda Básica prometem resultados coerentes.
Segundo José Roberto Lins, da Annablume, nessa oportunidade, “reuniremos pesquisadores, economistas, sociólogos, filósofos, cientistas e ativistas sociais, estudiosos da transferência de renda e erradicação da pobreza, analisarão perspectivas e questões-chave para instituição da Renda Básica passando por experiências como o Bolsa Família, no Brasil, entre outras nas Américas e no mundo todo.”
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