domingo, 21 de julho de 2013

PAI, O QUE É ORGULHO?

hoje, olhando para alguns acontecimentos que tenho assistido nos últimos dias em nossa cidade, retomei este texto escrito lá pelos idos de 2001 (publicado no Jornal Estilo - Cruz Alta/RS)... é lá do alvorecer de minha vida pessoal e profissional aqui nesta cidade... é de um tempo difícil... é de um tempo que ficou para traz, abrindo espaço sempre para outros acontecimentos... aí vai...

            Vejo aquela publicidade da Monsanto, que é veiculada na televisão, em que o menino pergunta ao pai “pai, o que é orgulho?” e o pai se põe a responder o que é orgulho para a Monsanto e que certamente não seria orgulho para um pai e para um ser humano comprometido com o futuro da humanidade, enfim, é um pai daqueles 100 % transgênico, e o menino ainda diz que aquilo que lhe foi descrito é a mesma coisa que sente pelo pai.
            Sempre me ponho a pensar sobre o que é que o meu pai responderia se lhe perguntasse o que é orgulho, ou sobre o que é que eu responderia se me fosse feita essa mesma pergunta... e nessa semana pensei muito mais nisso, porque quando praticamos esse árduo exercício da escrita e do escrever, às vezes ficamos expostos à afetação daqueles que percebem que lhes serve algum chapéu jogado ao léu, e isso acaba nos valendo, com freqüência, algumas ameaças/ tanto ameaças físicas, quanto ameaças morais, como se os princípios morais ou éticos fossem os mesmos para todas as pessoas/ para todos os sujeitos.
            Nesta semana recebi uma ligação telefônica de um senhor que quis demonstrar ter conhecimento sobre um dívida minha com uma dada instituição financeira, para tentar, com isso, obter o meu silenciamento com relação a algumas questões sobre as quais tenho bradado... perdi, por esse senhor, o pouco respeito que por ignorância lhe dedicava, porque dignidade não é uma coisa que se negocia... dignidade, para mim, é uma condição que construí arduamente em minha vida e, portanto, sustentarei isso a qualquer preço... talvez esse senhor não saiba e nunca tenha experienciado na vida a difícil situação de, por questões conjunturais, ver a sua situação financeira mudada rápida e radicalmente para pior... só quem nunca passou por uma situação assim, não sabe o quão triste é e o tempo que se demora para resgatar o equilíbrio financeiro quando dependemos somente e tão somente do nosso trabalho e do nosso salário (atrasado ou miserável) para fazê-lo.
            Isso me fez lembrar da minha infância quando, já criança, auxiliava no atendimento no moinho e no bolicho de minha família, onde trabalhávamos com o sistema de caderneta, o que me fez aprender o preconceito de que honestidade significava pagar as contas em dia, o qual tive que desconstruir quando, já adulta, eu mesma não pude pagar todas as minhas contas em dia e então entendi que honestidade não significa somente pagar as contas em dia.
            Hoje, como a maioria das pessoas que conheço, tenho dívidas, e tenho três dívidas históricas, as quais estou pagando ou pagarei com imensas dificuldades porque, num dado momento da minha vida, decidi renunciar ao trabalho numa área que me rendia vastos recursos financeiros, mas no que era infeliz, e então assumi o trabalho público num município cujo salário era e é impronunciável (hoje mal passa de dois salários mínimos) e, na época, era pago com três meses de atraso, ao ponto de termos que implorar para receber adiantamento do próprio salário atrasado... é duro, principalmente quando se passa três meses sem receber salário, ou quando se muda radicalmente o tipo e a dimensão do rendimento.
            Uma dívida se refere ao Crédito Educativo, no qual ingressei no exato momento em que se passou a requisitar o pagamento integral das mensalidades, mas sem o qual não teria conseguido fazer um curso superior; a outra se refere ao Proger, que é um financiamento para recém-formados; e a terceira se refere aos recursos que tive que buscar para, num dado momento, sobreviver mesmo e em, outro, para viabilizar alguns passos em minha vida.
Tenho que dizer que não tenho vergonha dessas dívidas, mas teria vergonha se eu tivesse desistido ou se não tivesse sequer começado a andar, e se isso tivesse me provocado a deixar de acreditar e de andar... e se algum dos meus poucos e pequenos bens materiais for, um dia, leiloado (seja por falta de recursos, seja por praticidade), certamente isso não me fará deixar de caminhar, porque as coisas que me sustentam e que me dão pernas para andar não são coisas materiais e muito menos negociáveis.
            Fiz meu curso superior indo para a Universidade de bicicleta ou caminhando. Utilizava o meu tempo livre na Biblioteca ou freqüentando disciplinas que me interessavam em alguns outros cursos. Fui bolsista de projetos de pesquisa, quando aprendi a trabalhar com pesquisa, sendo que o dinheiro da bolsa era todo gasto na aquisição de livros. Por mais simplória que tenha sido, tenho o mais absoluto orgulho da minha formação e da minha trajetória.
            Soube, também nesta semana, de uma pessoa com quem me relaciono profissionalmente que uma outra pessoa que alardeia me conhecer, estaria querendo lhe alertar que eu seria perigosa por ser homossexual... e essa pessoa que pretendia dar o alerta é uma dessas que gosta de fazer discursos, só discursos, de respeito às diferenças... deve ser daquelas que pensam, também, que homossexual seja uma pessoa tarada que sai atacando quem aparece pela frente... e isso me fez lembrar de uma pessoa que defendi e livrei de receber, publicamente, acusações injustas com relação a um trabalho já encerrado, a qual, sabendo que antes de vir trabalhar e morar nesta cidade, eu havia rompido um relacionamento que me havia sido complicado e difícil devido a algumas incompatibilidades, e ela saiu a tecer comentários formulados segundo o seu imaginário, dizendo que eu teria vindo para cá fugindo, por causa desse relacionamento, e ainda, que eu seria usuária abusiva de álcool - também segundo o fértil imaginário dessa pessoa que eu mesma, por justiça, defendi.
            Orgulho, para mim, é tudo aquilo que construí em minha vida e do que não abro mão... não se trata de coisas materiais... tenho orgulho de minha caminhada profissional e de minha trajetória pessoal/ de minha formação teórica/ de minhas concepções e das posições que assumo e defendo/ da coragem de não ser na exatidão da forma que todos esperam, mas sim da forma que brota de minha autenticidade/ de não optar pela comodidade hipócrita dos lugares pré-concebidos e pré-determinados/ de assumir as minhas opções e as minhas escolhas/ de não me fazer guiar pelo conservadorismo e de assumir a condição da homossexualidade enquanto escolha pessoal e subjetiva, e enquanto direito civil, o que vivo com orgulho e com a mais justa e certa tranqüilidade/ de não me curvar à cultura das aparências e da pseudo aceitação/ de fazer de todos os erros uma possibilidade permanente de aprendizado e de conhecimento/ de fazer escolhas profissionais sustentadas por minhas próprias convicções, e nunca pela violência da acomodação nos mandamentos conservadores/ de não ter medo das chantagens daqueles que são habituados a ocupar espaços de poder para fazer um governo para poucos/ de acreditar profundamente que um outro mundo seja possível e de trabalhar incansavelmente para que isso aconteça/ de fazer da esperança o movimento para a vida!
            Orgulho, para mim, é aprender a respeitar o tempo e a caminhada do outro... é saber reconhecer e questionar aqueles cuja caminhada se dá na promoção da injustiça... é poder viver com coerência e com lealdade aos princípios éticos que norteiam a minha existência... é poder dizer o que penso e expressar as coisas nas quais acredito, certa de que todos os erros que cometi ou vier a cometer, servem para me ensinar a caminhar melhor.

2 comentários:

  1. Dra Maria Luiza Diello, me permitas postar um comentário sobre o texto.Ao conhece-la em uma consulta, tive o prazer de constatar a sua qualidade como profissinal, mesmo sendo a minha procura por obrigação de curriculo. Eu poderia me alongar descorrendo sobre seu assunto, mas meu objetivo é apenas colocar que estás certa com seu posicionamento e que infelizmente uma grande parte da humanidade ainda não entende ou não quer entender uma evolução de penssamentos e entendimentos sobre assuntos como sexualidade e muito menos sobre amor ao próximo. No meu entendimento existe o bom e o mau orgulho. Onde o bom orgulho é aquele que nos dá prazer por realizações conseguidas, mas sem o prejudicar a ninguem, e o mau, quando intencionalmente por orgulho prejudicamos alguem. Por isso continue sendo forte em sua caminhada neste Planeta. E me permitas mais uma vez, nunca se esqueça da sua espiritualidade, que para mim sempre deveria vir em primeiro lugar. abração

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    1. Oseias, obrigada por sua generosidade!
      lembro que quando escrevi esse texto, lá por 2001, o fiz pensando que devemos ser fortes na luta com quem tripudia com a vida do outro, assim como, na luta com os efêmeros poderes formais que tentam assujeitar subjetividades e afetos... a vida-potência, a vida-acontecimento, a vida-movimento é feita de fluxos e de gentidades... é nisso que mora a mola que faz reverberar os afetos e os quereres.
      abraço grande para você!

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