como se governa os miseráveis
Na semana passada, enquanto os protestos rolavam no centro do Rio, uma manifestação de moradores do Complexo da Maré, que em parte se desdobrou num suposto arrastão na Avenida Brasil, foi enfrentada pelo BOPE com balas de verdade; e não com o eufemismo canalha das balas de borracha (que cegam, ferem, laceram... mas não são pra matar). O resultado foram nove moradores mortos e um sargento. Lideranças comunitárias imediatamente exigiram explicações e desculpas públicas do governo estadual que, por sua vez, abriu uma previsível investigação. Os favelados querem bala de borracha?
como querem que se governe!
“A polícia que reprime no asfalto é a mesma que mata na favela”, dizia uma das faixas dos manifestantes favelados. Há quilômetros de distância, no centro da cidade, essa frase não ressoou entre os brados nacionalistas que tomaram conta das manifestações de rua, com seus cartazinhos verde-e-amarelos. Para muitos que estiveram nas avenidas, de rostinho pintado, tirando fotos de si mesmo para as redes sociais e dando flores para a polícia, os assassinatos diários da PM e do BOPE são corriqueiras tarefas necessárias para manter a segurança pública.
que fique explícito!
O problema não é a polícia, dizem, mas a violência policial. Sanha inveterada de separar um duplo indissociável! Manifestantes pacíficos e democráticos pedem “mais segurança” e “menos impunidade”. Então, sem rodeios, que fique explícito: pedir segurança significa clamar por mais polícia, mais prisões, mais castigo, mais assassinato e pela continuação da seletividade penal que segue matando muitos para proteger alguns.
medidas políticas
O poder repressivo foi incapaz de conter as movimentações dos jovens que tomaram as ruas da cidade de São Paulo nas últimas semanas. Não tardou para que, do caos, pastores difusos se prontificassem a novos comandos e mediações. Jornalistas e apresentadores de TV, intelectuais e parlamentares, movimentos sociais e líderes do Executivo se apressaram a tomar a suposta massa desordenada por rebanho. O Estado abandonava a estratégia da borracha. O que se iniciou como revolta abrupta frente a medidas políticas e controles policiais, atravessou confrontos, agressões e detenções, e pacificou-se em negociações e novos governos. Sob efeito da permuta, o Estado rearticulou-se com a chamada sociedade civil organizada por meio do diálogo participativo. Quando falha o cacete, a política resolve e a potência se esvanece.
de verde-amarelo
Carecas e patricinhas se dispuseram a afugentar a presença das esquerdas, não propriamente por uma aversão a partidos políticos, mas por um desejo de ordem renovada. Entre suas marchas e gritos, escutava-se em uníssono: “Meu partido é a nação!”. Taxados de vândalos, tanto pela imprensa quanto pelos manifestantes-polícia, certos anarquistas permanecem produzindo ruídos, seja aos caquéticos ouvidos das esquerdas partidárias, seja à podridão do coralzinho das donzelas da direita.
com quem partilham os partidos?
Um partido de esquerda soltou uma nota responsabilizando anarquistas e grupos de punks pela quebradeira nas manifestações do MPL dos dias 11 e 13 de junho. Fizeram coro com a imprensa burguesa, contra os desafinados manifestantes. Com sua cabeça de Estado o partido mostrou com quem partilha a maneira de estabelecer a ordem.
uma frente de esquerda?
Depois da guinada conservadora e nacionalista das manifestações no dia 17 de junho, esse mesmo partido e outros procuraram grupos de autônomos, punks e alguns anarquistas para uma urgente frente de esquerda. Se muita coisa está mudando na forma de se fazer política, que os amigos da liberdade não se enganem com táticas de oportunistas históricos que submetem tudo à sua estratégia final. Lembremos a mulher mais perigosa da América: não se chega a fins libertários por meios autoritários. Façamos uma frente anti-fascista, mas só com aqueles para os quais a liberdade é inegociável e insubmissa às estratégias políticas.
país afora
Noutras capitais, um fogo permanece. Fortaleza, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro... O silêncio de São Paulo amansará as cidades em que o fósforo foi riscado?
perigosos livros de história
A casa de um jovem foi alvo de invasão policial na semana passada. A acusação que recaía sobre ele era de estar entre os ditos vândalos das manifestações na cidade do Rio de Janeiro. Identificados como objetos de prova estavam martelos (quem não tem um em casa?), camisetas, panfletos e um livro sobre a história do punk. Segundo o delegado que chefiou a operação, dotô Mario Andrade, o livro prova a oposição do jovem à nação brasileira. O rapaz não estava em casa, e segue livre. Não é a primeira vez que livros de história tornam-se provas em caçadas policiais e processos penais no Brasil. Se quem recorda o passado perde um olho, quem o esquece perde os dois.
futebol
A estatística sobre a posse de bola serve para os burocratas. Quem joga futebol sabe que o “1-2” e o “bobinho” fazem parte das delícias do futebol. A Espanha recuperou a brincadeira e a fez disposição tática para vencer e alegrar nos últimos anos. De certa maneira deu um basta aos técnicos estrategistas e suas armações para não tomar gol; acabou com o jogo defensivo. Mas o bobinho, quando vira tática de jogo, é fácil de ser marcado por mais talentosos que sejam os praticantes. Simplesmente porque o domínio de bola fica restrito e o que era surpresa vira lugar-comum. E assim soçobrou a seleção da Espanha diante da nova família patriota do Felipão, renovada de jogadores excepcionais e tarefeiros, compondo um novo surpreendente onde o que vale é deliciar e meter a bola no gol adversário.
alegre e desmedido
Patriotadas à parte, o futebol é o grande esporte de massa e cada um que o pratica e assiste quer produzir surpresas e fazer gols. Foi bom incorporar o “1-2” e o “bobinho”; é bom jamais esquecer que ninguém é invencível; o melhor é ver o futebol alegre e desmedido. O futebol não precisa de patriotas, mas de doidões, ainda que na pele de cordeiros do pastor.
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