quarta-feira, 16 de junho de 2010

DIVULGAÇÃO: Conexões: Saúde Coletiva e Políticas de Subjetividade

LIVRO - SAÚDE COLETIVA - EDITORA HUCITEC
Conexões: Saúde Coletiva e Políticas de Subjetividade
Autor: Sérgio Resende Carvalho, Sabrina Ferigato e Maria Elisabeth Barros (organizadores)
Esse livro se propõe a trabalhar temas relevantes no campo da Saúde Coletiva a partir d construção de textos ao mesmo tempo independentes entre si e inter-relacionados em seus enunciados. Fruto de um trabalho coletivo do Grupo Conexões e de seus intercessores, esse livro busca dar passagem a múltiplas vozes - vozes de trabalhadores da saúde, trabalhadores-pesquisadores e docentes-trabalhadores -que entendem que cuidar é também produzir outros modos de subjetivação e outras formas-subjetividade.
Entendemos que no território da Saúde Coletiva três linhas de subjetivação se revelam com maior visibilidade: Clínica, Gestão e Formação. Mergulhar nos agenciamentos que essas linhas produzem, em suas limitações, suas potências e movimentos foi o que buscamos fazer nas páginas que se seguem. Mergulho de superfície, com cilindro ou escafandro - nosso convite é para o mergulhar.
Sumário
Parte I - A clínica e a gestão mergulhadas nas intensidades de seu tempo
- Reflexões sobre o tema da cidadania e a produção de subjetividade no SUS - Sergio R. Carvalho
- O fora do Estado: considerações sobre movimentos sociais e saúde pública - Tadeu Souza
- O poder da gestão e a gestão do poder - Sabrina Ferigato e Sérgio Carvalho
- Intercessão arquitetura e saúde e um novo modo de produção do espaço físico na saúde - Mirella Pessati
- A vontade de compreender o meio; a fronteira clínica-prevenção - Juliana Pacheco e Sérgio Carvalho
- A psiquiatrização da vida na sociedade de controle. - Anderson Martins
- Territórios da clínica: redução de danos e os novos percursos éticos para a clínica das drogas- Silvia Tedesco e Tadeu Souza
- Eu bebo sim e estou vivendo: o alcool como um agregador de afetos - Ricardo Pena
Parte II - Territórios percorridos entre a formação, a pesquisa e a intervenção
- Breve percurso para a produção de uma cartografia: devir, intervir durar, cuidar, narrar, agenciar - ou devir cartógrafo e algumas interfaces com a Saúde Coletiva - Gustavo Nunes
- Redes de Atenção à Saúde: que nelas se vê e o que se diz - Altair Massaro
- O diário de campo como ferrramenta e dispositivo para o ensino, a gestão e a pesquisa. - Bruno mariani e Sérgio Carvalho
- Navegando no entre das instituições de ensino e serviços de saúde: uma carta náutica dos (des)encontros. - Rosana Garcia e Sérgio Carvalho
Parte III - Bons encontros - Sinais dos "estrangeiros"
- Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas . O caso da saúde - Gastão W. Campos
- Enfrentar a lógica do processo de trabalho em saúde: um ensaio sobre a micropolítica do trabalho vivo em ato, no cuidado - Emerson Merhy
- Mapas analíticos: um olhar sobre: a organização e seus processos de trabalho - Tulio Franco e Emerson Merhy
- Novos perigos pó-desopitalização: controle a céu aberto nas práticas de atenção em saúde mental - Eduardo Passos e Joana Macedo
- Subjetividades contemporâneas, dispositivo grupal e saúde mental. - Regina Benevides
- O devir-criança e a cognição contemporânea - Virgínia Kastrup
- Pesquisa-intervenção como método, a formação como intervenção - Eduardo Passos e Ana Heckert
- Afirmando a potência de cirandar: cartografia dos processos de produção de saúde na docência - Maria Elizabeth Barros e Ana Paula Lousada
SABRINA FERIGATO
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma de nossos corpos e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia. E se não ousarmos fazê-la teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos". (Fernando Pessoa)

terça-feira, 15 de junho de 2010

Deleuzeanas

"Por que reunir textos de entrevistas que se estendem por quase vinte anos? Certas conversações duram tanto tempo, que não sabemos mais se ainda fazem parte da guerra ou já da paz. É verdade que a filosofia é inseparável de uma cólera contra a época, mas também de uma serenidade que ela nos assegura. Contudo, a filosofia não é uma Potência. As religiões, os Estados, o capitalismo, a ciência, o direito, a opinião, a televisão são potências, mas não a filosofia. A filosofia pode ter grandes batalhas interiores (idealismo - realismo, etc.), mas são batalhas risíveis. Não sendo uma potência, a filosofia não pode empreender uma batalha contra as potências; em compensação, trava contra elas uma guerra sem batalha, uma guerra de guerrilha. Não pode falar com elas, nada tem a lhes dizer, nada a comunicar, e apenas manter conversações. Como as potências não se contentam em ser exteriores, mas também passam por cada um de nós, é cada um de nós que, graças à filosofia, encontra-se incessantemente em conversações e em guerrilha consigo mesmo" (DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992, p. 07).

segunda-feira, 14 de junho de 2010

DIVULGAÇÃO: Seminário - A atuação dos psicólogos no Sistema Único de Assistência Social

Acontece, nos dias 21, 22 e 23 de junho, o seminário “A atuação dos psicólogos no Sistema Único de Assistência Social”. Esse é um momento fundamental, visto que nos campos das demais políticas públicas raramente se teve o privilégio de se ir construindo a caminhada e ao mesmo tempo discutindo seus passos.
Estou completando quase 13 anos de formação e de atuação profissional e meu primeiro trabalho em espaço público, foi no campo da política de assistência social. Fui abrindo a trilha com canivete, pois tendo sido a primeira profissional psi a atuar na Secretaria Municipal de Assistência Social de Cruz Alta/RS, deparei-me com uma formação cultural absolutamente assistencialista e paternalista, cujo átravessamento já estava se dando, com a discussão sobre práticas sociais protagonistas e libertárias. E é bonito de se ver uma caminhada que muitos de nós ajudaram a construir, chegar à formulação que hoje é o SUAS - Sistema Único de Assistência Social. Por isso, a discussão deve ser o leme que guia o trabalho nessas andanças que tece os caminhos, os pontos de rede, a territorialização do desenvolvimento social.
Desde 1998, já tive o privilégio e o desafio de trabalhar nos campos da assistência social, da educação (psicóloga e docente), da saúde e do judiciário. Atualmente dedico-me ao foco de atuação que escolhi me deter, que é o da saúde mental e vejo que o SUS, cuja Lei que o regulamenta já completa 20 anos, está recebendo um remendo que vem de há alguns anos, que se refere ao movimento de humanização do SUS. Chamo isso de remendo, porque o processo de implantação do SUS talvez tenha deixado esmaecido esse traçado fundamental de suas teias, que é a humanização, o que encontra o seu equivalente no campo da educação, quando se propõe trabalhar a educação inclusiva (como se a educação não fosse por si só inclusiva) ou a educação de qualidade (como se isso também não fosse o seu óbvio), portanto, não podemos deixar passar como água mansa, esses momentos em que podemos pensar a "Atuação dos psicólogos no Sistema Único de Assistência Social", sem esquecer que não devemos ser reprodutores dos equipamentos, das ferramentas e do ideário do sistema dominante que cuida em massacrar e excluir as gentes, mas sim, como nos diz Pelbart: "É evidente que esta época pede outra coisa. Não se trata, hoje, de comprazer-se com esse composto perverso de lamúria e adesão cínica, mas de cartografar e resistir, de apreender o que está em jogo no presente e, assim, dar visibilidade às saídas inventivas que nele se anunciam, sem nostalgias frívolas nem utopismos ortodoxos. Sartre escrevia, na sua apresentação à revista Les temps modernes: 'Não queremos perder nada de nosso tempo: talvez haja tempos mais bonitos, mas este é o nosso; só temos esta vida para viver, no meio desta guerra, desta revolução talvez'. É precisamente o que hoje parece difícil: não se refugiar em algum paraíso pretérito ou futuro, de modo nostálgico ou embevecido, mas estar atento às urgências deste nosso presente, desta nossa vida, desta nossa guerra, destes devires-revolucionários que se gestam no nosso dia-a-dia" (Pelbart, P.P. Prefácio. Em FONSECA, T. M. e FRANCISCO. D. J. Formas de ser e habitar a contemporaneidade. Porto Alegre: Ed. Universitária/UFRGS).
Por hoje divulgo o convite e a programação e deixo para escrever mais noutra postagem.
O evento, de caráter nacional, é uma iniciativa conjunta dos Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, do Ministério do Desenvolvimento Social e da Secretaria Nacional de Assistência Social.
Todo o seminário será transmitido via internet pela página http://psisuas.pol.org.br. Além da participação presencial em Brasília (DF), os psicólogos de outros estados também poderão assistir ao seminário nas salas de exibição organizadas pelos Conselhos Regionais de Psicologia.
Confira a programação do evento:
21 de junho de 2010
19h Solenidade de abertura
19h30 Conferência de abertura: A atuação dos psicólogos no SUAS
22 de junho de 2010
9h Mesa: Marcos éticos e normativos do SUAS: elaboração e apropriação
10h Debate
14h30 Mesa: Dilemas da atuação Interdisciplinar na Proteção Social
15h30 Debate
23 de junho de 2010
9h Mesa: A Psicologia necessária nos serviços de Proteção Social Básica
10h Debate
14h30 Mesa: A atuação do psicólogo na proteção social especial
15h30 Debate

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Quero votar contra!

Quero votar contra!
Por Mouzar Benedito [Terça-Feira, 1 de Dezembro de 2009 às 13:11hs]
Desde não sei quando fala-se em reforma eleitoral, todo mundo finge que quer uma reforma pra valer e por baixo do pano ninguém que tem poder para isso faz reforma nenhuma. Até simulam, fazem umas reforminhas mixurucas, como a que saiu do forno há pouco. Bom... eu também tenho algumas propostas, que vêm dos tempos da Constituinte mas que nenhum parlamentar, até hoje, ousou apresentar no Congresso.
Uma eu já divulguei bastante, escrevi muito sobre ela e continuo em sua defesa aqui. É a criação do voto contra. É uma alternativa que falta pra muita gente na hora de votar pra qualquer cargo, desde vereador até presidente da República. Hoje, podemos votar em um determinado candidato, podemos votar só no partido (no caso do legislativo), votar branco ou nulo. Não basta.
O voto contra seria para ser diminuído de um determinado candidato ou partido. Por exemplo: se o candidato a presidente X tiver vinte milhões de votos e três milhões de votos contra, sobrariam a ele 17 milhões de votos positivos. Se o candidato Y tiver 19 milhões de votos e um milhão de votos contra, lhe sobrariam dezoito milhões de votos, então ganharia do X.
Eu mesmo seria beneficiado por esse tipo de voto, pois nenhum(a) do(a)s pré-candidato(a)s me seduz, mas acho que um deles é pior, pode querer privatizar até o que FHC não conseguiu – a Petrobras e o Banco do Brasil – e além disso gosta de pedagiar tudo quanto é estrada e proibir, proibir, proibir um monte de coisas. É chegado em proibições. Então meu voto, desde o primeiro turno, seria simplesmente contra ele. Quem sabe, com muita gente embarcando nessa ele nem chegasse ao segundo turno!
Hoje, quando chegam dois candidatos ao segundo turno de eleição para presidente, governador ou prefeito, às vezes a gente é contra os dois. Mas é “mais contra” um deles, então se sente meio culpado de não votar em nenhum, temendo que vença aquele que somos “mais contra”. E os que são – por partidarismo, oportunismo, por terem interesses em jogo ou qualquer outro motivo – eleitores do tal que a gente é “menos contra” insistem com esse argumento e enchem o saco de quem acha os dois uma porcaria.
A possibilidade de votar contra alguém é a solução para acabar com essa história do voto útil, ou aquela que “se você votar nulo ou branco, vai ajudar a eleger o fulano”, como dizem uns pilantras fingindo horror. E é mentira, pois quem elege fulano ou beltrano é quem votou nele. Tentam nos impedir o direito de pensar e ser contra, nestes tempos de pensamento quase único.
Com a possibilidade de votar contra alguém, a coisa ficaria mais fácil para quem acha difícil engolir os “menos ruins”. Se voto contra o pior, faço a minha parte sem ter náuseas. Mesmo no segundo turno, quando o fato de votar contra um candidato significa na prática que você votou no outro, é mais fácil de engolir. E o candidato vencedor fica sabendo que não votamos nele, mas contra o outro. Ele não é o “melhor”, só é “menos pior” que o outro. Sua vitória não será motivo de orgulho, mas um alerta: cara, sabemos quem você é!
No caso de eleições parlamentares, se o eleitor optar pelo voto contra, descontaria do candidato e, logicamente, do partido. Tem uns deputados e senadores por aí altamente merecedores do voto contra. E acho que quase todos eles têm medo desse tipo de voto, pois nenhum topa nem pensar sobre o assunto.
Imagino desde já que, se esse tipo de voto fosse criado, surtiria efeito sobre certos parlamentares corruptos, safados e que prometem uma coisa e fazem outra. Ele tem seus eleitores (bobos, comprados ou também safados), então conseguem o mínimo de votos para se elegerem. Mas se a gente pegasse o cara mais simbólico da corrupção de cada estado e fizesse uma campanha pelo voto contra, talvez conseguíssemos que ele tivesse uma votação abaixo de zero, quer dizer, mais votos contra do que votos a favor. Que festa a gente faria!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Meu filho saiba o que é um doutor!

Maria Cândida levou o filho José Francisco para uma consulta médica. A mãe havia dito ao menino que o levaria para consultar um médico que examinaria o seu problema e que, fazendo uma cirurgia para retirada daquele pedacinho de carne que o incomodava, lhe ajudaria a respirar e a viver melhor.
O menino de cinco anos, assustado com uma carne anômala que lhe brotara e crescia em determinada parte de seu corpo, atrapalhando sua vida, olhava para aquele homem estranho como se ele fosse mesmo um homem estranho.
O homem estranho, que por sua vez era o médico, olhava para o menino como se ele fosse um estranho menino.
O menino, filho de um pai e de uma mãe que sabem que as políticas públicas são feitas com o dinheiro público e, portanto, para atender às necessidades públicas, não conseguia entender porque a mãe mentira sobre como seria e o que faria o “doutor”.
O “doutor” mal examinou o menino e já se pos a requisitar exames e a falar cada vez mais alto, incomodado não se sabe com o que. O menino, cada vez mais assustado, estacou e entrou em pânico. O “doutor” que não é dado a lidar com gentes e muito menos com meninos assustados jogou as requisições de exame nas mãos da mãe e agarrou violentamente o menino pelos braços, esbravejando que só voltasse depois de ter feito os exames e de ter ensinado ao seu filho, o que seja um “doutor”. A mãe, tão assustada quanto o menino, simulou um agradecimento e prometeu cumprir o ordenado. Saiu de fininho e se desculpou com o filho, pois lhe disseram que aquele homem estranho seria um “doutor”, mas que estavam todos enganados.
Andaram um longo tempo em silêncio. A mãe pensava sobre como faria se aquele homem estranho era o único na cidade que teria formação pra cuidar da carne anômala que crescia em seu filho e lhe atrapalhava a vida, mas o miserável só lidava bem com carnes anômalas, mas não com as gentes que a portavam. Matutava nisso, quando o filho perguntou: mãe, o que é mesmo um “doutor”?
A mãe falou as coisas para si própria, sabendo que o menino talvez demorasse pra entender o que dizia. Respirou fundo e começou dizendo que “doutor” é alguém bem diferente daquele homem estranho que eles consultaram. Que médico não é a mesma coisa que doutor, mas que pode ser um e outro. Que doutor é alguém que estuda muito, mas muito mesmo, e que faz um curso de doutorado, mas que mesmo assim, não é superior a nenhuma gente, pois as gentes são todas iguais. E que, além disso tudo, doutor talvez também seja gente, portanto, aquele homem estranho poderia ter os seus próprios problemas que o faziam se sentir superior às pessoas que ele atende; que o impediam de ser gente de verdade; que dificultavam a sua vida e as relações com as pessoas, sendo-lhe muito custoso sentar, olhar nos olhos, escutar, avaliar a situação, conversar, tentar entender o que se passa e poder oferecer alguma possibilidade de resolução ao problema que se apresenta.
Ela pensou, ainda, que certamente é muito difícil para o doutor-homem-estranho, dar atenção para um ser humano que necessita de seus cuidados, visto que ele tem muito pouco pra dar. Deve ser muito irritante e incômodo alguém lhe demandar qualquer coisa, enquanto ele está vazio de si e de vida, e não tem nada pra oferecer... enquanto ouvimos os ecos de sua desumanização, não temos como saber se ele um dia se fez gente!
Já perto de casa, o menino suspira e avisa a mãe que seus braços estão doendo, onde o homem o apertou. Ela o abraça e promete que logo o levará num médico-doutor de verdade, que seja gente e que trabalhe com gentes... e que a dor vai passar... que um dia toda a dor passa, só não passa a dor de quem não é gente, como a dor do doutor-homem-estranho!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

DIVULGAÇÃO: IX Congreso Internacional de Salud Mental y Derechos Humanos

IX Congreso Internacional de Salud Mental y Derechos Humanos
Los convocamos a participar del IX Congreso Internacional de Salud Mental y Derechos Humanos, organizado por la Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo, a realizarse entre el 18 y el 21 de noviembre de 2010 en las sedes de nuestra Universidad, sita en Hipólito Yrigoyen 1584 y 1432, Ciudad de Buenos Aires
IX Congreso Internacional de Salud Mental y Derechos Humanos - 18 al 21 de noviembre de 2010
Estimados compañeros y compañeras:
Los convocamos a participar del IX Congreso Internacional de Salud Mental y Derechos Humanos, organizado por la Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo, a realizarse entre el 18 y el 21 de noviembre de 2010 en las sedes de nuestra Universidad, sita en Hipólito Yrigoyen 1584 y 1432, Ciudad de Buenos Aires.
Al interior de este acontecimiento se efectuará el IV Foro de Salud Colectiva, Salud Mental y Derechos Humanos, el VII Encuentro de Lucha Antimanicomial, el V Encuentro Internacional de Detenidos en Movimiento y el I Foro Internacional de Niñez y Adolescencia.
Durante estos 8 años hemos construido, juntos, acontecimientos de encuentro entre trabajadores de la salud mental, militantes de derechos humanos y sociales, docentes, educadores populares, estudiantes, intelectuales, artistas que buscamos crear nuevas vidas y nuevos mundos, relanzando el devenir de las lógicas colectivas en tanto fuente inclaudicable de salud. Acontecimientos en los que la multiplicidad de corrientes científicas, la interdisciplina, los debates fraternos y rigurosos, las actitudes solidarias, han posibilitado dilucidar las dimensiones éticas, políticas e ideológicas que operan en nuestras praxis.
Encuentros de debate, intercambio, e interacciones múltiples, que además de crear las condiciones para el aprendizaje crítico, fueron forjando vínculos consistentes, redes de trabajo, desde las que hemos ido sosteniendo proyectos de cambio en diversos ámbitos de inserción como trabajadores de la Salud y Militantes Sociales.
Siendo las Madres fuente de natalidad insurgente, nos impulsan a seguir construyendo dispositivos donde socializar praxis críticas referidas a la Salud Mental, la Salud Colectiva y los Derechos Humanos pariendo los territorios en los que elucidar la pluralidad de determinaciones de lo que produce sufrimiento y los procesos de transformación que devienen en creación colectiva de bienestar/satisfacción de necesidades del sujeto en tanto ser histórico social.
Los convocamos a continuar transitando y construyendo esa utopía activa de la que hemos nacido como colectivo que produce conocimientos, prácticas y discursos libertarios sin dar ¡NI UN PASO ATRÁS!
Núcleo Organizador: IX CONGRESO INTERNACIONAL DE SALUD MENTAL Y DERECHOS HUMANOS FUNDACIÓN MADRES DE PLAZA DE MAYO
EJES TEMÁTICOS PARA LA PRESENTACIÓN DE TRABAJOS
Todos los ejes trazan horizontes posibles de desarrollo de trabajos para los que deseen socializar sus reflexiones como expositores durante el Congreso. También son los vectores sobre los que debaten, producen y luego socializan sus producciones los invitados al Congreso.
La sugerencia básica que realizamos a las compañeras y compañeros que nos envíen sus trabajos es que busquen abordar la temática que anhelen articulándola tanto a la que nos convoca centralmente ?Clínicas: lógicas colectivas, devenires, resistencias? como a los ?ejes? que ofrecen ?vías de entrada? a ello. Ello posibilitará que nos aboquemos a trabajar colectivamente las cuestiones planteadas como deseables de ser debatidas por los participantes en el Congreso.
ÁREAS TEÓRICO/PRÁCTICAS EJES DESDE DÓNDE INTERROGAR NUESTRO QUEHACER: Psicología/ Psicología Social/ Psicoanálisis/ Psiquiatría/ Dinámica de Grupos/ Derecho/ Arteterapia/ Psicodrama/ Trabajo Social/ Psicopedagogía/ Comunicación Social/ C. Políticas y Sociales/ C. De la Educación/ S. Pública y Colectiva/ Esquizoanálisis/ Esquizodrama/ Nuevos Dispositivos Clínicos/ Filosofía/ Antropología/ Terapia Ocupacional/ Musicoterapia/ Enfermería/ Psicomotricidad/ Educadores populares/ Fonoaudiología
Kinesiología
-Clínicas y Políticas: procesos de subjetivación e invención.
-Salud Mental y ser histórico social: líneas de fuga y micropolíticas
-Medios de comunicación y Salud Mental: de la voz del monopolio a los dispositivos de enunciación colectiva.
-Subjetividad, Historicidad y Salud Colectiva.
-Salud Colectiva: Organización y participación popular
-Nuevos dispositivos clínicos: Invención y contrahegemonía.
-Lógicas colectivas: Grupos, Derechos Humanos, conciencia crítica y potencias inventivas
-Líneas de captura: Encierros, DDHH y abordajes críticos.
-Lo institucional: análisis/intervención, autoanálisis y autogestión
-Economía solidaria y salud Colectiva.
-Producciones estéticas: Arte, cultura y Salud Mental.
-Pueblos originarios: represión hegemónica y contracultura de la resistencia y la natalidad
-Género: sexualidades, corporeidades y multiplicidad
-Trabajo: dignidad y reinserción social, participación popular
-La Niñez y Adolescencia en los bordes, los bordes de la Niñez y Adolescencia.
-Niñas, Niños y Adolescentes: derechos y garantías. Estado, ciudadanía y políticas sociales.
FORMAS DE PARTICIPACIÓN
Mesas Redondas (Espacio de exposición y debate sobre un tema a cargo de varios ponentes, moderado por un coordinador)
Mesa de presentación de trabajos libres (Producciones teórico-prácticas presentadas por los participantes de manera oral y como ponencia breve, en mesas de tres expositores)
Talleres (Espacio eminentemente participativo y/o vivencial en el cual se realiza y se produce una tarea a través de distintas técnicas grupales)
Posters (Modo de exposición gráfica y/o visual que de modo sintético presenta el esquema de un trabajo, proyecto o conclusión de una determinada experiencia o investigación)
Muestras/Instalaciones (Durante los cuatro días del Congreso en las aulas asignadas para tal fin se realizarán muestras e instalaciones referidas a las temáticas que nos convocan en este Congreso)
CONDICIONES DE PRESENTACIÓN DE TRABAJOS
Modalidad de presentación:
(Ver Reglamento de Presentación de Trabajos en www.madres.org para obtener información de los requisitos necesarios para las diferentes modalidades de presentación para autores y expositores). Todos los trabajos presentados deberán incluir el eje y el área teórico/práctica, desde el cual se propone el trabajo.
Trabajos Libres:
-Resumen: no debe exceder las 250 palabras. Sin requerimientos técnicos.
-Trabajo completo: Primera Página: Título; nombre del/los autor/es; Institución a la que pertenece; dirección, teléfono, e-mail. Extensión del trabajo hasta 4 carillas. La bibliografía debe constar en la pág. 6. Objetivos: Temática principal y conclusiones.
Mesas redondas: especificar panelistas y Coordinador. Resumen de la propuesta de la mesa hasta 250 palabras. Los requerimientos técnicos serán evaluados según la disponibilidad de éstos por parte de la organización.
Talleres: especificar los objetivos y la metodología a desarrollar. Presentar resumen de no más de 250 palabras. Para esta modalidad no contamos con recursos técnicos (TV, DVD, Cañón, etc.)
Posters: medidas: 80 cm x 1m; se deberá presentar un resumen del mismo. Sin requerimientos técnicos.
IMPORTANTE:
Los RESÚMENES se presentarán únicamente por página web en www.madres.org/congreso9
Realizar la inscripción al IX Congreso por página web. Si participó en el VIII Congreso solo deberá confirmar su participación.
La fecha final para la presentación de resúmenes es hasta el viernes 17 de septiembre.
Trabajos completos (únicamente de trabajos libres) se envían del 04/10 al 22/10 a congreso@madres.org
Indicación de autorización para publicación futura del trabajo.
El Comité Científico se reserva el derecho de aceptación de los trabajos.
ARANCELES (en pesos)
Al momento de abonar la inscripción los participantes del Congreso deberán traer documentación que acredite la categoría en la cual se inscribieron. Todos los participantes y expositores deben abonar la inscripción. SIN EXCEPCIÓN.
Alumnos UPMPM 30 $/ Alumnos Universidades Públicas 40 $/ Alumnos Instituciones Privadas 45 $/ Trabajadores de la Salud/Docentes de Inst. Públicas 50 $/ Trabajadores de la Salud/Docentes de Inst. Privadas 55 $/ Profesionales 60 $/ Jubilados 15 $/ Público en general 60 $
INFORMES: UNIVERSIDAD POPULAR MADRES DE PLAZA DE MAYO (Sede 2)
Hipólito Yrigoyen 1432 1º Piso (1089) Capital, Buenos Aires Argentina
TEL.: (54 11) 4382-1055

terça-feira, 8 de junho de 2010

Diário de uma outra parte

Eu li um estranho livro: brotou-me a contradição.
Gosto de ler, entre muitas outras coisas, entrevistas e biografias (e tudo o que seja parecido com biografia). Gosto dessa coisa de poder olhar o traçado da vida do outro de forma a simplesmente ler a vida, sem a seriedade que pesa em meu trabalho clínico.
Gosto, também, de arrecadar cartões postais feitos para a divulgação de alguma coisa ou situação. Utilizo-os como marcadores de livro, renunciando aos próprios marcadores. E um desses que guardei, divulgava o livro “Diário de uma outra parte”, de Blanche Torres. Nunca dei atenção ao que estava escrito no verso do cartão, sobre o livro e sobre a autora. O que só fui ler, depois de já ter lido o livro.
Esse cartão estava há muito tempo entre os meus livros. Não lembro onde e nem como arrecadei. Mas sempre que o via, pensava em encomendar o livro. Gosto muito da frente dele... do nome do livro (muito profundo e poético)... do nome da autora (parece saído de Gabriel Garcia Marquez) e da ilustração da capa (que depois vim a saber ser da Christina Oiticica). Até que um dia, sem muitas pretensões, encomendei o livro e muito tempo depois, o dito chegou.
É um daqueles livros que se lê “numa sentada”. Rápido. Gostoso de se ler. Mostra os fatos da vida como eles são, sem remendos, sem retoques, puídos pela dor, avivados pela alegria, entrecruzados com crenças e com telúricos alinhavos transcendentais. Admito que quando comecei a ler, pensei: como não pesquisei nada sobre o livro, antes de encomendar? Sua entrada me mostrou um traçado de auto-ajuda, mas interessei-me muito pelo intróito que apresenta o pensamento da protagonista: “Trago de longe, de uma terra perdida, estanhas sensações.../ Sonhos, cores, vozes./ Às vezes elas se afastam de mim, porque finjo ser mulher.../ Não sei se devo esquecer os relógios e vagar distraidamente entre os Mundos...”. E já que estava lendo, assim segui.
O livro me pegou por duas coisas. Uma: a autora é sulmatogrossense e é arrizomada aos cheiros, às formas, aos sons e à vida pantaneira, cruzada com a territorialidade cultural indígena... essa terra e as coisas dela me enlaçam... é um território em que sempre fico em desvantagem, pois lá, o meu ponto de racionalidade perde o pico. Outra: a sua história se dá exatamente no trânsito entre esse mundo e o mundo que quis pra si. E essas duas coisas ajudaram-me a ver melhor algumas coisas afetivas e humanas que eu estava tentando resolver comigo mesmo.
Afora essas questões, pude ver que às vezes buscamos coisas demais para entender coisas de menos, quando não necessitamos nada mais do que o simples para entender o simples.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Poetagens Alheias: Aula - de Manoel de Barros

AULA - Nosso Profe. de latim, Mestre Aristeu, era magro e do Piauí. Falou que estava cansado de genitivos dativos, ablativos e de outras desinências. Gostaria agora de escrever um livro. Usaria um idioma de larvas incendiadas! Mestre Aristeu continuou: quisera uma linguagem que obedecesse a desordem das falas infantis do que das ordens gramaticais. Desfazer o normal há de ser uma norma. Pois eu quisera modificar nosso idioma com as minhas particularidades. Eu queria só descobrir e não descrever. O imprevisto fosse mais atrente do que o dejá visto. O desespero fosse mais atraente do que a esperança. Epa! O profe. Desalterou de novo – outro colega nosso denunciou. Porque o desespero é sempre o que não se espera. Verbi gratia: um tropicão na pedra ou uma sintaxe insólita. O que eu não gosto é de uma palavra de tanque. Porque as palavras do tanque são estagnadas, estanqiues, acostumadas. E podem até pegar mofo. Quisera um idioma de larvas incendiadas. Palavras que fossem de fontes e não de tanques. E um pouco exaltado o nosso profe. Disse: Falo de poesia, meus queridos alunos. Poesia é o mel das palavras! Eu sou um enxame! Epa!... Nisso entra o diretor do Colégio que assistira a aula de fora. Falou: Seo Enxame espere-me no meu gabinete. O senhor está ensinando bobagens aos nossos alunos. O nosso mestre foi saindo da sala, meio rindo a chorar.

DIVULGAÇÃO: "INTERFACES ENTRE A PSICOLOGIA E OS POVOS INDÍGENAS: pesquisa e relato de experiência"

INSTITUTO PICHON-RIVIÈRE
Dia 14.06.2010 - Segunda-feira - Das 19h30mion às 21h30min
"INTERFACES ENTRE A PSICOLOGIA E OS POVOS INDÍGENAS: PESQUISA E RELATO DE EXPERIÊNCIA"
Nesta oportunidade Bianca Sordi Stock irá compartilhar com profissionais de diferentes áreas uma experiência de ação e pesquisa em Psicologia com o Povo Indígena Kaingáng de Porto Alegre, no intuito de ampliarmos o olhar sobre a presença dos grupos indígenas no espaço urbano e os desafios e possibilidades que estes novos encontros possibilitam.
Nossa convidada é Psicóloga Clínica e Social, Coordenadora de Grupos e Mestre em Psicologia Social pela UFRGS, com a dissertação intitulada "A alegria é a prova dos nove: o devir-ameríndio no encontro com a psicologia e o urbano". É Professora da Pós-Graduação em Educação Infantil da UNISINOS e Tutora da Residência em Saúde Mental Coletiva da UFRGS.
INSCRIÇÕES GRATUITAS: 3331 7467; http://www.pichonpoa.com.br/; contato@pichonpoa.com.br
Miguel Tostes 998, cj.24, esquina Protásio Alves - Bairro Rio Branco - POA.

domingo, 6 de junho de 2010

Contos Desbotados

RECORTES*
Tinha que escrever algumas coisas, mas andava de um jeito que queria trabalhar somente o necessário, nem um pouco além disso. Queria continuar intensa, trabalhando, amando, trepando, vivendo muito. Mas andava sem aquela energia que permitia ir além do necessário.Lembrou de uma amiga que estava ralando em cima da tese de doutorado. Quando ela lhe contava das elaborações que conseguira sistematizar, riam muito chamando aqueles momentos de orgasmos intelectuais. Não que essa amiga não tivesse orgasmos mais carnais... e como os tinha! Mas eram intensos também aqueles de construir idéias. Gozavam juntas às vezes
Encontrou um recorte de um contículo de Fernando Bonassi, "Escrever - Você acorda e toma o café que puder. Você nem precisa sentar. Você pega um papel, uma caneta (que não precisa apontar) e então escreve. Primeiro você escreve contra Deus. Depois escreve contra a família. E, desse mesmo jeito, escreve contra os homens. Você pode escrever com um copo de veneno ou com uma injeção de ânimo, não importa, mas você escreve. Você também escreve porque você escreve e não há maior razão que essa. Você escreve amassando o pão do diabo, vendo as notas sumirem da carteira e levando pé no rabo. Ainda assim, você escreve. Escreve quando vale a pena e quando vale nada. Quando faltam as palavras, você escreve. Você escreve uma do lado da outra. Com muita verdade. Especialmente quando escreve o inventado".
Sempre que sua vida entrava em breves ou intensos solavancos, tinha o hábito de reorganizar a casa. Às vezes trocava os poucos móveis de lugar. Às vezes replantava as plantas. Às vezes reorganizava os livros. Às vezes fazia aquela limpeza que a faxineira insistia em ignorar. Às vezes separava os discos e ouvia uma, duas, três, muitas vezes as suas músicas preferidas, com o fone de ouvido, para não incomodar os vizinhos e para que eles não ficassem fazendo juízo de suas manias musicais. Às vezes pegava o balaio de jornais velhos e passava um a um, recortando tudo aquilo que lhe interessava... sabe-se lá, um dia poderia necessitar daqueles escritos e recortes todos!
Encontrava-se naquela introspectiva tarefa de selecionar e separar recortes, quando percebeu que, sem querer, ou sem saber como, separara as crônicas escritas por mulheres, daquelas escritas por homens. Depois lembrou que parte daqueles escritores publicavam suas crônicas, contos e demais escritos em jornais e revistas e, posteriormente, reuniam todos ou os melhores e publicavam em livro. Negava-se, terminantemente, a adquirir aqueles livros. Aqueles livros lhe cheiravam a traição. Logo ela, e tantos outros, que corriam a buscar o jornal e localizar, avidamente, a página em que encontraria os escritos preferidos, para ler e depois recortar para colecionar e guardar. Não. Não, ela jamais se renderia àqueles livros fáceis, com os melhores textos já selecionados. Com os preferidos já indicados. Já estava a falar sozinha, vociferando um discurso, dizendo que quem eram os escritores e editores para indicarem, como bem entendessem, quais seriam os melhores escritos. Ela mesma, quantas vezes encontrara pérolas jogadas aos porcos em escritos aparentemente piores. Desistiu dessas idéias loucas. Continuou recortando.
Quando deu cabo daquele monte todo de jornais, olhou para as mãos manchadas de tinta e recuou no tempo, tentando localizar onde é que iniciara aquela sua mania de recortar jornais. Deu-se conta de que sempre que completava aquela tarefa, depois de um longo acúmulo, estabelecia a resolução de que a partir da semana seguinte faria os recortes imediatamente, e nunca cumpria o estabelecido.
Foi fazendo, devagarinho, uma revisão das coisas que guardava daquelas experiências todas com os cortes e recortes dos escritos dos outros. Conseguiu sistematizar qual seria a linha editorial dos jornais e revistas que lia e dos que deixara de ler, assim como daqueles que incorporara, recentemente, aos seus hábitos de leitura. Tinha pavor daqueles estrangeirismos que insistiam em dizer em outra língua, principalmente em inglês, o que poderia e deveria ser dito em português. Tinha horror aos diários ou semanários que insistiam em não ter espaço de opinião. Tinha alergias às sempre hipócritas e superficiais colunas sociais. Tinha pena daqueles que praguejavam contra jornais e revistas de linha tendenciosa, e quando queriam denotar reconhecimento, anunciavam quantas vezes tinham sido capa ou notícia nos mesmos veículos que contundentemente criticavam, sem contar as vezes em que se ofereciam para rechearem as colunas sociais.
Foi separando em pastas os recortes que fizera. No dia seguinte visitaria seu analista. Visitaria nada. Ora, se analista é pessoa de se visitar. Iria lá mesmo mostrar suas chagas. Se pelar. Se desnudar. Mostrar a bunda amassada. Deixar à vista o sovaco com os pelos por tirar. Escancarar sua vida naquele divã cretino, onde todas as pessoas se extraviavam para depois se juntarem novamente. Sempre temia que alguém mais descuidado esquecesse por lá um ou mais de seus cacos, e ela, pensando que fosse seu, colasse junto na confusão dos seus cacos. Para se vingar daquela possibilidade, levaria junto seus recortes. Tinha que cuidar daquilo, pois já estava ocupando espaço demais em sua casa e em sua vida. Talvez deixasse, assim como quem não quer nada, alguns recortes extraviados pelo divã e pela sala do analista. Poderia dar o acaso de alguém levar para colar com os seus. Nunca se sabe no que é que isso pode dar. Nunca se sabe.
* Conto revisado, publicado no Jornal Estilo - Cruz Alta/RS, em tempos idos.

sábado, 5 de junho de 2010

Contos Desbotados

BONECOS DE NEVE*
Nunca pensou que naquele lugar fosse nevar, mas naquele dia, depois de tantos dias de sol, nevou. Fizera muitos dias luminosos e animadores, já era primavera e os pássaros já ensaiavam alçar o vôo tranqüilo dos dias quentes. Mesmo assim, naquele dia nevou.
Naquela noite fora dormir tranqüilo. Tinha a sensação de que tivera bons sonhos durante a noite toda, mas registrava, do amanhecer, a angústia de pesadelos intensos. Tentava acordar, mas estava tomado do desespero de não saber para onde ir. Despertou depois de muitos toques do despertador. E despertou de sua dor.
Dormira somente com o lençol. A noite estava quente e os mosquitos famintos. Acordou com o corpo gelado. Estranhou aquele ar tão frio no quarto. Pensou que tivesse deixado o ventilador ligado, mas percebeu que não. Chegou a acreditar que estivesse perdido no tempo, que fosse inverno e, extraviado em seus sonhos, acreditou que fizesse calor. Mas lembrou, com clareza, que na noite anterior fizera um calor agradável. Recordou do vento gostoso que tocava o seu rosto enquanto caminhava, do conforto que isso lhe causava e do cheiro das flores que lhe embriagava.
Teve vontade de se aconchegar na cama entre os cobertores, aquecer o seu corpo e esquecer-se do mundo lá fora. Mas não podia fazer isso. Ergueu o corpo tenso e arrastou-se até a sala. Encostou a testa no vidro embaçado da janela. Recuou um pouco e se pôs a escrever no vapor do vidro com a ponta do dedo indicador. Até começou a escrever ali uma poesia, mas pensou que seria tempo pouco demais para a poesia. Duraria o tempo de evaporar a umidade do vidro.
Lembrou que ainda há poucos dias olhava pela janela e percebeu nas plantas o pólen amarelo vindo das flores de uma árvore próxima. Encantava-se com aquele pólen que provocava tanta fecundidade, quando viu que as abelhas faziam a colheita, todas tão tranqüilas no seu ir e vir. Tentou adivinhar se havia ali por perto alguma colméia. Lembrou do primeiro passo de uma receita que lera e que dizia assim: 1º Passo – colha o mel direto da colméia. Chegue conversando com as abelhas, solicite licença, encante-as, depois leve tudo o que elas demoraram tanto tempo para construir, então, já livre da presença delas, esmague os favos e tenha o mel.
Passou muito tempo naquela posição observando o frio lá fora. A neve já formava uma camada densa na rua. Os transeuntes passavam encolhidos, surpreendidos por aquele frio inesperado. As plantas, essas eram as que mais sofriam, porque para os humanos e para os animais basta manter-se em movimento que o seu sangue mantém o corpo aquecido, mas as plantas, essas, indefesas, só podem acolher a neve que cai devagarzinho e que vai congelando aos poucos a sua seiva. Não adianta as plantas, nos movimentos da natureza, esperarem o sol raiar para voltar à vida intensa, porque quando o sol voltar e derreter o gelo e o frio da neve, as plantas estarão, então, queimadas e com suas folhas mortas, e terão que esperar o frio passar para poderem, aos poucos, fazer brotar as folhas novas. Mas às vezes, também, o frio é tão intenso que não morrem apenas as folhas, mas a planta inteira, assim como para os humanos morre a seiva que alimenta a existência, morre a esperança, morrem os sonhos, os sonhos que, para ele, naquele dia frio, sentia escorrerem do seu peito dando lugar ao imenso lugar da tristeza. Sentia-se uma daquelas plantas inertes sob a neve. Não era tempo para ficar indignado, teria que esperar o sol voltar.
Viu, ao longe, as hortênsias floridas escondidas sob a neve e lembrou que quando sente o cheiro de jasmim, ou o cheiro de grama recém cortada, recorda o cheiro das melancias que comia na infância, espalhada no jardim de sua casa, daquelas colhidas na horta e resfriadas na água corrente (não era a grama, mas o cheiro que lhe lembrava o da melancia cortada). Ainda guarda em sua retina a imagem do seu pai trazendo a melancia e ele, de olhos fechados, esperando o pai partir a fruta para sentir aquele cheiro e depois abrir os olhos e contemplar aquele vermelho tão lindo, e depois selecionar as sementes para guardar para o plantio do ano seguinte. Estava perdido nessas reflexões e lembrou que ainda na infância aprendeu a plantar e, também, a lidar com os demônios que andam à solta por aí. E depois que aprendeu a plantar foi aprendendo, também, que há um tempo para a plantação, para a germinação, para o crescimento, para florir, para dar frutos e para produzir novas sementes.
Percebeu que algumas pessoas brincavam na neve e, contentes, faziam bonecos. Pensou no breve instante da existência daqueles bonecos que pareciam tão cheios de vida naquela neve branca. Quando o sol voltasse eles derreteriam e seriam, então, apenas água escorrendo pelo chão. Ficou com pena dos bonecos de neve, pensando que as plantas, se não morressem poderiam brotar novamente, mas os bonecos, vindo o sol, derreteriam e não teriam mais como viver.
Rabiscou, ainda, a poesia no vidro embaçado, mas a poesia se perdeu quando as suas lágrimas, saltando de dentro de seu peito vazio e apertado, escorreram pelo vidro. Não havia mais como ler a poesia. Nem como conter as lágrimas.
* Conto revisado, publicado no Jornal Estilo - Cruz Alta/RS, em tempos idos.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

HOMENAGEM A UMA MULHER QUE ME APARECEU NUM SONHO

Dia desses eu tive um sonho. Há tempos que não tinha um sonho assim e com uma mulher que não fosse a minha companheira. Estava de costas para algum lugar que não consegui ver qual era e num repente senti um toque gostoso num gesto que me foi da nuca à cintura. Fiquei quieta por algum tempo para sentir melhor aquilo. Era uma mulher diferente de todas as outras que estiveram em minha vida. Pequena, miúda, suave, meiga, doce e forte, com cara e cheiro de laranjeira-em-flor, como que me fazendo a primavera aparecer com suas cores e cheiros em pleno verão. Veio fora de tempo, mas me pareceu que foi na hora exata! O que me ofuscou de ver as coisas do sonho foi a luz de seu olhar de fome... não de fome-desespero... não de fome-miséria, mas de fome-vida/ fome-de-vida!
Durante todo o tempo eu não via. Eu não conseguia olhar para o que estava acontecendo. Foi como um sonho cheio de impressões. Foi como um sonho molécula-revolução, que mexe com algum pontinho qualquer da existência e transforma todo o resto. Sonhei assim, do nada, que poderia ser do tudo.
Num movimento a-temporal, que marcam os sonhos que nos colocam na literária condição de gente, aquela mulher tomou forma de cheiro e ficou circulando no ar da minha noite, até que num dado momento tomou forma de carne pulsante novamente... adentrou meu quarto e se esgueirou em minha cama, feito uma gata ciosa de cio, se agarrando nos fios de minha existência com suas unhas leves e quentes... acordou-me num acordar sem despertar e se juntou inteira ao meu corpo quente, mexeu em cada poro, dando a impressão de que já conhecia todos os meus quereres... tocou meus peitos com a fome desesperada de quem nunca comera algo assim... adentrou meu desejo como quem esqueceu o caminho da saída... me fez tremer um tremor de quem descarrega um raio em pleno dia de sol... e foi me deixando atender seu desespero como quem atende uma frágil flor em meio ao temporal... até que se acalmou do vento, se aconchegou na calmaria e pediu que fosse apenas um sonho em que ela tivesse entrado... pensou, no sonho, que seria demais para sua vida... foi saindo devagarzinho, se confundindo com o meu despertar!
Acordei com saudade daquela mulher que me passara há pouco pelos sonhos, mas que já parecia uma eternidade, porque não pude vê-la melhor, não pude tocar seu toque, não deu tempo de juntar seu abraço em meus braços, não vi o endereço de seus passos... apenas sei que ela passou por aqui, feito uma flor-bonita que dura o tempo da preparação do fruto... fruto que não sei se virá... sei apenas que às vezes consigo ser apenas literária... e assim passei o dia alucinando e cantarolando para a mulher do meu sonho a cantoria de Zé Geraldo “Minha meiga senhorita eu nunca pude lhe dizer/ Você jamais me perguntou/ de onde eu venho e pra onde vou/ De onde eu venho não importa, já passou/ O que importa é saber pra onde vou/ Minha meiga senhorita o que eu tenho é quase nada/ Mas tenho o sol como amigo/ Traz o que é seu e vem morar comigo/ Uma palhoça no canto da serra será nosso abrigo/ Traz o que é seu e vem correndo, vem morar comigo/ Aqui é pequeno mas dá pra nós dois/ E se for preciso a gente aumenta depois/ Tem um violão que é pra noites de lua/ Tem uma varanda que é minha e que é sua/ Vem morar comigo meiga senhorita/ Doce meiga senhorita/ Vem morar comigo...”.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

À MOÇA DO MAMÓGRAFO

Há uns três meses ocorreram alguns eventos que abalaram minha confiança em meu equilíbrio orgânico e fui levada, às pressas, para fazer os exames de rotina que já estavam com um atraso considerável e que eu própria prego para todos que não se pode deixar para depois. Um desses exames tratava-se da mamografia.
Confesso que não tenho dificuldades para mostrar aos peitos, ao contrário é algo que me produz um imenso prazer... é claro que depende da ocasião, do local e da pessoa com quem se dá o ato... não é com qualquer uma que faço isso... ah! Falo PEITOS porque gosto dessa palavra... acho que MAMAS ou SEIOS soam muito burocrático... PEITO é algo mais carnal, mais visceral!
Mas há de se convir que não seja algo muito agradável, apresentar os peitos para uma pessoa que nunca se viu antes e que vai lhe fazer rodopiar em posições adequadas ao exame naquele equipamento gelado e opressivo... eu pelo menos não tenho fantasias com isso.
Admito que não fosse um dia muito tranqüilo, pois era todo ele dedicado também aos exames ginecológicos de rotina e, em certas situações acontecem eventos constrangedores ou até engraçados (dependendo do humor com que se está no dia)... nunca se sabe o que se passa, exatamente, na cabeça dos examinadores heterossexuais guiados pelo desconhecimento ou pelo preconceito com relação aos homossexuais... por exemplo, numa ocasião em que, fazendo a ultrassonografia transvaginal, a pessoa que operava o equipamento, ao receber a informação de que eu seria homossexual, ficou toda cuidadosa e disse: “vou colocar bem devagarzinho, tá?!”, ou outra, mais recentemente, que foi fazendo a entrevista enquanto já fazia o exame e quando recebeu a informação, quase me estuprou, tamanho o susto que levou.
Voltando à moça do mamógrafo, a quem rendo uma homenagem... era uma moça muito doce, suave e educada, que faz toda a diferença num momento em que, por um ou outro motivo, se está fragilizado ou, muitas vezes, pouco à vontade.
Saí de lá pensando nessas coisas da humanização no trabalho em saúde... assumo que acho ridículo falar em humanizar algo que por si só já diz do humano e que, portanto, não poderia ser tomado de uma certa animalidade ou precariedade... mas, enfim, a moça do mamógrafo foi tão humanizada e profissional em seus procedimentos, que me fez voltar a acreditar que uma outra atuação no trabalho em saúde seja possível, com trabalhadores que possam ter tempo e condições de olhar e cuidar de si, para poderem ter, assim, uma relação mais consistente com as pessoas que demandam seus serviços, principalmente porque quem necessita da atenção no campo da saúde, já encontra-se, muitas vezes, numa situação de fragilização e de vulnerabilidade, em que não cabe mais o descuido, a grosseria ou a precariedade no atendimento.
Depois de toda a romaria de exames, quase voltei pra responder novamente a uma das perguntas da moça do mamógrafo... “é exame de rotina?”... quase voltei pra responder que, com aquele atendimento bacana, eu até gostaria que se tornasse rotina... mas não voltei... pensei: é só o que me falta, começar a ter fantasias com isso! Deixei isso de lado, mas voltei a ter fantasias com a idéia de que talvez um outro atendimento em saúde seja possível!

quarta-feira, 2 de junho de 2010

DIVULGAÇÃO: Entrevista com Chico de Oliveira

Aí vai a Entrevista com Chico de Oliveira, na Revista Cult 146 - Publicado em 08 de maio de 2010 - Por Ruy Braga e Wilker Sousa - http://revistacult.uol.com.br/home/2010/05/o-compromisso-da-critica/
A crítica social como instrumento de diálogo público
“A cada instante em que se consolidou uma explicação sobre o Brasil – histórica, sociológica ou econômica –, nós sempre pudemos contar o trabalho de Chico de Oliveira para a desmontagem, explicação e uma outra compreensão.” A frase de Marilena Chaui parece tocar no ponto central da postura empreendida por Francisco de Oliveira ao longo das últimas décadas. Sociólogo que participou ativamente de momentos decisivos da história recente do país – como a criação do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) –, o pernambucano Chico de Oliveira reafirma a tradição de intelectuais públicos no Brasil.
Imbuído da crítica incisiva, busca estreitar o diálogo com a sociedade brasileira, ao oferecer respostas às questões candentes da contemporaneidade. Dos estudos sobre as periferias, resultou a dialética de atraso e progresso, por meio da qual desmonta análises mais simplificadas da teoria marxista aplicadas à realidade brasileira. De fundador a dissidente do PT, é crítico contumaz da gestão Lula, alegando ser este um governo que simboliza o retrocesso da política nacional.
Chico recebeu a CULT no Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP, instituição na qual detém o título de professor emérito. A importância dos intelectuais públicos na formação do Brasil, o processo de criação do PT e as razões que o levaram a romper com o partido estão entre os temas desta entrevista, na qual o sociólogo desvela seu pensamento contundente, uma vez que, para ele, “a tarefa da crítica é não absolver ninguém”.
CULT – Como você analisa o papel da crítica social no Brasil?
Chico de Oliveira – Eu diria que somos um pouco franceses. Na França, os intelectuais tiveram um papel relevante na formação da sociedade e até mesmo da nacionalidade. Embora tenhamos o costume de diminuir nossa reflexão sobre o Brasil, eu acho que, sob esse ponto de vista, somos mais franceses do que qualquer outra coisa.
Eu acredito que o Brasil se moldou um pouco dessa forma. Em vários períodos, os intelectuais corresponderam a esse papel e o desempenharam bem. Seria fácil citar nomes. Há intelectuais dos dois lados. Mesmo os autoritários clássicos do começo do século 20 tiveram um papel importantíssimo na política, de moldar a identidade brasileira. De modo que eu procuro me inscrever nessa tradição. Tenho um papel nessa sociedade e procuro cumpri-lo.
CULT – Poderíamos chamar essa tradição de “intelectuais públicos”?
Chico – Acho que sim, pois esses intelectuais dialogam com o público. Eles têm um papel pedagógico na discussão pública. Pedagógico não no sentido de que vão mandar o povo para a escola, mas sim um papel de balizar qual é o cenário do debate. Isso foi muito importante no Brasil e, na chamada geração moderna, é marcante. Todos os grandes intelectuais foram sociólogos públicos de extremada relevância. Gilberto Freyre, por exemplo, que é o conservador dessa grande plêiade, foi deputado constituinte e fundou dois partidos. Ele ajudou a fundar a esquerda democrática e a UDN, que acabou por ser o partido da direita no Brasil. Sua sociologia não era aquela do recato da casa-grande, mas uma sociologia que dialogava com o público.
CULT – Sem contar Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes…
Chico – Sim, estou falando apenas do Gilberto porque é o mais suspeito deles, pois era o mais conservador, nostálgico. Caio Prado foi deputado do Partido Comunista, dava cursos para operários; Sérgio Buarque assinou a carta de fundação do PT; Florestan foi deputado federal e constituinte pelo PT, além de ter um papel na discussão da campanha pela escola pública.
Essa é uma tradição que as gerações mais recentes reafirmaram, até mesmo no extremo. Se pensarmos em Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, mesmo que se discorde de suas ideias, ele chegou à presidência da República via seu trabalho intelectual no meio político. Então, é nessa tradição que eu me inscrevo, embora com o coração mais à esquerda.
CULT – Você poderia falar de seu papel público na formação do PT e da CUT?
Chico – Meu papel não foi tão relevante, mas participei, sim, sem falsa modéstia. Foi um período em que nós nos abrimos para o diálogo com a sociedade. O Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento] foi criado em 1969, eu entrei em 1970 e fiquei lá 25 anos. O centro criou-se fora da universidade e isso foi uma vantagem imediata, porque ficamos de dizer aquilo que não podia ser dito em âmbito universitário.
Tivemos uma interlocução muito forte com os movimentos sociais. Visitávamos constantemente os sindicatos de São Bernardo do Campo (SP) – que eram o epicentro do novo movimento sindical – e havia uma troca real. Não eram intelectuais indo lá ensinar os operários, não se tratava disso. Havia, sim, um diálogo forte e isso foi muito importante, pois alimentou as linhas de trabalho de pesquisa do Cebrap e nos ajudou a tomar posição no espectro político brasileiro da época, que era extremamente repressivo. Aí, eu ajudei a fazer o PT e a CUT. Sem dúvida nem remorso, porque a vida é assim mesmo.
CULT – A formação de um partido socialista de massas com um forte braço sindical representava uma novidade em relação a tudo aquilo que se conhecia até então. Como se deu a construção da identidade do partido?
Chico – A construção dessa identidade é histórica. A maior parte de nós já tinha a completa consciência de duas coisas: em primeiro lugar, de que o processo do capitalismo contemporâneo não permite mais simplificações, sobretudo sob uma visão embasada no marxismo – simplificações do tipo que a sociedade se dividirá entre proletários e capitalistas. Portanto, ou se está armado da crítica mais radical ou não se pode entender nada.
O segundo aspecto, já bastante avançado em nossa perspectiva, era o fato de que o tipo de solução política dada às questões nas décadas anteriores tinha sido equivocado. Em outras palavras, o stalinismo foi derrotado não pelos erros de Stalin, mas sim pela história, pela complexidade de um mundo que se abriu, de modo que o marxismo engessado não era capaz de compreendê-lo.
CULT – E como se deu a formulação teórica para entender esse processo?
Chico – Eu vinha de uma tradição mais cepalina [referente à Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe] do que marxista, e me dei conta, de alguma maneira, de que o capitalismo tinha coisas mais complexas do que o esquematismo apontava. Daí surgiu a Crítica à Razão Dualista como uma perspectiva diferente de pensar o processo de crescimento de acumulação na periferia, o que tinha muito a ver com a história brasileira de termos sido colônia.
Esse legado se atualizava permanentemente em todos os avanços que a própria sociedade brasileira fazia. Isso foi muito profícuo para a reflexão. E foi essa reflexão que tentamos trazer para o diálogo público, para a formação dos partidos e da CUT. Então, um pouco da forma especial com que o PT se constituiu tem algo a ver com isso.
CULT – Qual foi e qual é a sua intuição sobre o Brasil?
Chico – Naquele momento, eu era um cepalino e tive um contato muito estreito com Celso Furtado, o que me influenciou muito. Além do mais, aquele era o pensamento econômico dominante na América Latina. Mas minha experiência de vida me incomodava, dizia que havia alguma coisa que não casava com aquele esquema, por mais rico e heterodoxo que fosse em relação às interpretações clássicas. Havia algo que não batia. A relação entre dominantes e dominados era muito mais complicada do que parecia.
CULT – Daí que nasce sua noção da dialética do atraso e do progresso?
Chico – Sim, é daí que nasce essa noção. Eu tinha 30 e poucos anos quando cheguei a São Paulo; tinha toda uma vivência no Recife, que era uma cidade com uma tradição de luta operária muito forte. Quando comecei a assimilar o marxismo, isso me levou a entender que a formação do conflito capital-trabalho – conflito básico que move o sistema na perspectiva de Marx – não era uma externalidade do mundo real que eu conhecia. Esse mundo de meeiros, posseiros e latifundiários não era uma externalidade, e talvez estabelecesse diferenças no processo da economia e da sociedade brasileira.
A forma de meação, que era característica da agricultura do Nordeste, não era simplesmente sinal de atraso, devia ser outra coisa. Aí dentro há movimento, há luta de classes sob formas que a teoria não é capaz de reconhecer, mas que levam a outro desenlace: a luta social.
CULT – O PT cedeu ao atraso de força modernizadora e isso o coloca no coração dessa dialética do atraso e do moderno?
Chico – Coloca, mas coloca pelo avesso. Ultimamente eu tenho discutido uma proposta heterodoxa de que estamos em uma era de hegemonia às avessas, isto é, o dominado conduz a política em benefício do dominante. A maior parte das pessoas rejeita a proposta, dizendo que ela é muito estrambótica.
É uma vanguarda que se converteu ao atraso comida pela vanguarda. Quando o PT se mete a gerenciar o capitalismo em sua fase financeira (que é o que ele está fazendo), é devorado pelo atraso, no sentido de negar as reivindicações da classe trabalhadora e da sociedade brasileira. Ele está sendo comido não pelas forças do atraso, mas sim pelas forças do progresso. É o progresso da acumulação, dominado pelo capital financeiro. É essa a contradição que eu encontro nessa decadência do PT como partido da transformação. Esse é o nó, que é difícil de desfazer.
CULT – Não há perspectivas?
Chico – Qual é o tipo de revolução que se exige para desfazer esse nó eu não sei. Nem mesmo a luta de classes em suas formas anteriores, tradicionais – naquelas em que o PT soube atuar, transformando uma insatisfação social em luta política –, nem mesmo isso é possível porque a contradição é muito interna ao processo de reprodução da sociedade brasileira.
Há também outra conclusão melancólica: o nível da crítica ao capitalismo no Brasil pela esquerda formal quase inexiste. Tirando o PSTU, para falar em termos das formações partidárias, os outros não têm crítica nenhuma. O que antes nós socialistas achávamos um problema, que é o êxito do capitalismo, hoje não é um problema, como diz o poeta, mas sim uma solução. Então, é difícil conceber as formas da política que possam dar combate e uma solução mais avançada para desfazer esse nó.
Leia a entrevista completa na edição 146 da revista CULT, nas bancas!

terça-feira, 1 de junho de 2010

(Des)educação

Nessas de pensar o antibullying, veio-me numa das tascadas que levei, um entendimento de que quando falo em (des)educação, refiro-me à “falta de educação dos alunos” ou “que a escola estaria deseducando”!
Bueno! Dia desses uma colega dizia que às vezes é melhor usar metáforas, pois as mesmas dizem muito mais do que as palavras explícitas, visto provocarem no imaginário do leitor a cruza da dança das cadeiras que vem de fora, com as cadeiras que o habitam.
Quero lembrar, ainda, a fala de uma gestora de Escola Pública que, questionando a abordagem teórica por mim utilizada em SUA escola, tentava argumentar que podemos mostrar, sim, uma perspectiva libertária e de contraponto ao ensinamento tradicional, elitista, excludente e conservador, mas que não deveríamos deixar de lado essa mesma ensinansa!
Levei pancada de boleadeira com isso (é uma das piores pancadas que se pode levar, pois ela não cessa seu ritornelo), pois se estamos há muito tempo questionando a escola que EDUCA para a sujeição ao sistema dominante (Paulo Freire é quem melhor ilustra isso!), temos o dever de romper exatamente com isso e consolidar uma perspectiva libertária de educação. E é neste sentido que falo de (des)educação... (des)educar é isso: é desassujeitar as gentes/ é pensar caminhos para esse desassujeitamento/ é provocar na buchada de todos os ventres, o desejo de ser livre e de poder dizer e fazer o que pensa! É desentranhar das palavras o sentido da vida! É buscar no raio de sol, no canto dos pássaros na alvorada, no som oco da concha do mar, na alegria que faz pulsar as existências, nas outras possibilidades de vida, uma outra existência que não seja essa que o sistema dominante plantou em nossas cabeças como sendo a única!
Para dar uma volta nessa questão, finalizo com o pensamento de Michel Foucault:
“- Depois do Michel Foucault crítico, será que se vamos ver o Michel Foucault reformista? Era uma censura frequentemente dirigida: a crítica levada a efeito pelos intelectuais não dá em nada?
Responderei, primeiramente, sobre o ponto do "não deu em nada". Há centenas e milhares de pessoas que trabalharam na emergência de um certo número de problemas que, hoje, estão efetivamente colocados. Dizer que isso não deu em nada é inteiramente falso. Será que você pensa que há vinte anos colocávamos os problemas da relação entre doença mental e a normalidade psicológica, o problema da prisão, o problema do poder médico, o problema da relação entre os sexos etc., como colocamos hoje?
Por outro lado, não há reformas em si. As reformas não se produzem no ar, independentemente daqueles que as fazem. Não podemos deixar de ter em conta aqueles que vão gerir essa transformação.
E depois, sobretudo, não creio que possamos opor crítica e transformação, a crítica ‘ideal’ e a transformação ‘real’.
Uma crítica não consiste em dizer que as coisas não são bem como são. Ela consiste em ver em que tipos de evidências, de familiaridades, de modos de pensamento adquiridos e não refletidos repousam as práticas que aceitamos.
É preciso se liberar da sacralização do social como única instância do real e parar de considerar como vã essa coisa essencial na vida humana e nos relacionamentos humanos, quero dizer, o pensamento. O pensamento, isso existe além e aquém dos sistemas e dos edifícios do discurso. É alguma coisa que às vezes se esconde, mas sempre anima os comportamentos cotidianos. Há sempre um pouco de pensamento, mesmo nas instituições mais bobas, há sempre pensamento, mesmo nos hábitos mudos.
A crítica consiste em expulsar esse pensamento e tentar mudá-lo: mostrar que as coisas não são tão evidentes como cremos, fazer de sorte que aceitamos como indo de nós não tenha mais de nós. Fazer a crítica é tornar difícil os gestos mais simples.
Nessas condições, a crítica (e a crítica radical) é absolutamente indispensável para toda transformação, pois uma transformação que ficasse no mesmo modo de pensamento, uma transformação que só fosse uma certa maneira de melhor ajustar o mesmo pensamento à realidade das coisas não passaria de uma transformação superficial.
Em compensação, a partir do momento em que começamos a não mais poder pensar nas coisas nelas pensamos, a transformação torna-se, muito urgente, muito difícil e absolutamente possível.
Então, não há um tempo para a crítica e um tempo para a transformação, não há aqueles que têm que fazer crítica e aqueles que têm de transformar, aqueles que estão fechados em uma radicalidade inacessível e aqueles que são obrigados a fazer as concessões necessárias ao real. De fato, creio que o trabalho de transformação profunda só pode ser feito no espaço aberto e sempre agitado por uma crítica permanente.
- Mas você pensa que o intelectual deve ter um papel programador nessa transformação?
- Uma crítica é sempre o resultado de um processo no qual há conflito, afrontamento, luta, resistência...
Dizer-se de pronto: qual é a reforma que vou poder fazer? Isso não é para o intelectual, creio, um objetivo a perseguir. Seu papel, visto que, precisamente, trabalha na ordem do pensamento é o de ver até onde a liberação do pensamento pode chegar a tornar essas transformações bastante urgentes, de modo que se tenha vontade de fazê-las, e bastante difíceis de fazer, a fim de que se inscrevam profundamente no real.
Trata-se de tornar os conflitos mais visíveis, de torná-los mais essenciais do que os simples confrontos de interesses ou os simples bloqueios institucionais. Desses conflitos, desses afrontamentos deve sair uma nova relação de forças cujo perfil provisório será uma reforma.
Se não houve, na base, o trabalho do pensamento sobre si mesmo e se efetivamente os modos de pensamento, quer dizer, os modos de ação, não foram modificados, qualquer que seja o projeto de reforma, sabemos que vai ser fagocitado, digerido pelos modos de comportamentos e de instituições que serão sempre os mesmos.
- Depois de ter participado de numerosos movimentos, você se retirou um pouco. Será que vai participar de novo de tais movimentos?
- Cada vez que tentei fazer um trabalho teórico foi a partir de elementos de minha própria experiência: sempre em relação com processos que via desenrolarem-se à volta de mim. É bem porque pensava em reconhecer nas coisas que via, nas instituições nas quais tinha interesse, nos meus relacionamentos com os outros, ranhuras, abalos surdos, disfuncionamentos com que empreendia um trabalho, alguns fragmentos de autobiografia.
Não sou um ativista recolhido e que, hoje, gostaria de retomar o serviço. Meu modo de trabalho não mudou muito; mas o que dele espero é que continue a mudar-me ainda.
- Dizem que é você bastante pessimista. Escutando-o, acredito que é, antes, otimista?
- Há um otimismo que consiste em dizer: de toda maneira, isso não pode ser melhor. Meu otimismo consistiria, antes, em dizer: tantas coisas podem ser mudadas, frágeis como são, ligadas mais a contingências do que a necessidades, mais ao arbitrário do que à evidência, mais a contingências históricas complexas, mas passageiras, do que a constantes antropológicas inevitáveis... Você sabe, dizer: somos muito mais novos do que acreditamos não é uma maneira de diminuir o peso de nossa história sobre nossos ombros. É, antes, colocar à disposição do trabalho que podemos fazer sobre nós mesmos a parte maior possível do que nos é apresentado como inacessível” (FOUCAULT, M. É importante pensar?. Em Ditos e Escritos VI. Forense Universitária, 2010).